Dez anos do pontificado de Francisco (4)

Dez anos do pontificado de Francisco (4)

Ao longo dessa semana, em comemoração aos dez anos do Pontificado de Francisco, tomaremos algumas de suas contribuições para a Igreja e seu diálogo com a sociedade atual.

VI. Francisco e as famílias

O último sínodo sobre as famílias tinha sido convocado por João Paulo II, em 1980, cuja exortação apostólica foi Familiaris Consortio, publicada no ano seguinte. Logo em seu primeiro ano de pontificado, Francisco percebeu a urgência de trazer novamente à discussão a realidade familiar. O Sínodo se desenvolveu em duas fases: outubro de 2014 e outubro de 2015, para os quais, foram feitas escutas locais, mediante um questionário com 38 perguntas prévias. Infelizmente, a divulgação dessa metodologia não foi capaz de atingir devidamente as realidades, o que viria a acontecer de forma mais significativa nos sínodos seguintes.

1.As orientações dogmáticas a respeito das famílias não mudaram, mas a maneira de apresentá-las, essas, sim, trouxeram novidades, uma vez que foram concebidas na esteira do Ano da Misericórdia, de 2015, mesmo ano de publicação da exortação Amoris Laetitia, sobre o amor na família. Ou seja, mais do que apresentar indicações jurídicas, Amoris Laetitia convida a todos a um discernimento sincero perante as situações: “Esta Exortação adquire um significado especial no contexto deste Ano Jubilar da Misericórdia, em primeiro lugar, porque a vejo como uma proposta para as famílias cristãs, que as estimule a apreciar os dons do matrimônio e da família e a manter um amor forte e cheio de valores como a generosidade, o compromisso, a fidelidade e a paciência; em segundo lugar, porque se propõe encorajar todos a serem sinais de misericórdia e proximidade para a vida familiar, onde esta não se realize perfeitamente ou não se desenrole em paz e alegria” (Amoris Laetitia, n. 5).

Amoris Laetitia não se esquivou de tratar de assuntos polêmicos, ao mesmo tempo que ressaltou a beleza do amor-doação, num tempo de ódio e divisões. “Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam a sua vocação e continuam para diante embora caiam muitas vezes ao longo do caminho” (Amoris Laetitia, n.57).

2.Fruto do Sínodo da Família veio o Sínodo dos jovens, cuja Exortação Christus Vivit (2019) insistiu, dentre outras coisas, no discernimento vocacional, muitas vezes feito sob as seduções do Mercado e não da oferta da vida.

“Relativamente à primeira, a busca, confio na capacidade dos próprios jovens, que sabem encontrar os caminhos atraentes para convidar. Sabem organizar festivais, competições desportivas, e sabem também evangelizar nas redes sociais com mensagens, canções, vídeos e outras intervenções. Devemos apenas estimular os jovens e dar-lhes liberdade de ação, para que se entusiasmem com a missão nos ambientes juvenis. O primeiro anúncio pode despertar uma profunda experiência de fé no meio dum retiro de conversão, numa conversa no bar, num recreio da Faculdade, ou qualquer outro dos insondáveis caminhos de Deus. O mais importante, porém, é que cada jovem ouse semear o primeiro anúncio na terra fértil que é o coração doutro jovem” (Christus Vivit, n. 210).

Perante as novas configurações de sociedade, Francisco convida a todos ao discernimento, capaz de agir devidamente em cada situação. Não existem receitas simples (AL 298), mas que todos “possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida” (AL 250).

VII. Francisco e a Vida Religiosa Consagrada

Francisco é um religioso. Sua consagração jesuíta o faz ter um olhar atento a esse estilo de vida na Igreja, afinal, os papas anteriores pertenciam ao clero diocesano. Em seu primeiro ano de Pontificado, Francisco convidou toda a Igreja a se debruçar sobre a vida de homens e mulheres consagradas a Deus, mediante a consagração religiosa. Em 2014, Francisco, ao convocar o Ano da Vida Religiosa, lançou mão de elementos inusitados, não se fixando nos conselhos evangélicos, mas tomando outras categorias.

“Olhar com gratidão o passado, viver com paixão o presente, abraçar com esperança o futuro” foram os objetivos que o Papa apresentava às diversas Ordens, Congregações e Sociedades de Vida Apostólica.

Anteriormente, Francisco já tinha dito que “onde estão os religiosos, há alegria” (06.07.13). Nesta Carta de convocação ele repete a ideia (n.1), chamando a atenção que, para além dos desafios cotidianos, a consagração a Deus deve ser motivo de alegria, não de lamentação.

Paulo VI destacara que os religiosos estão na vanguarda da Igreja (Evangelii Nuntiandi, n. 69). Francisco reconhece esta presença evangelizadora, muitas vezes menosprezada por uma mentalidade clerical ou não tão atenta aos clamores da sociedade em geral. A Vida Religiosa é capaz de estar onde ninguém quer ir, já lembrava o Papa João Paulo II.

Vários outros documentos foram elaborados em torno do Ano da Vida Religiosa, dentre os quais vale a pena destacar “Alegrai-vos” (2014). Ao final do documento, Francisco deixou uma série de interrogações, dentre as quais: “Olha no fundo do teu coração, olha no íntimo de ti mesmo, e interroga-te: tens um coração que aspira a algo de grande ou um coração entorpecido pelas coisas? O teu coração conservou a inquietação da procura ou permitiste que ele fosse sufocado pelos bens, que terminam por atrofiá-lo? Deus espera por ti, procura-te: o que lhe respondes? Apercebeste desta situação da tua alma? Ou dormes? Acreditas que Deus te espera ou, para ti, esta verdade não passa de palavras? (Alegrai-vos, n.12).

Outro aspecto que devemos ter em mente é a Constituição Apostólica Vultum Dei Quaerere, sobre a vida contemplativa feminina (2016). Vejamos um trecho: “A vida monástica, elemento de unidade com as outras confissões cristãs, configura-se num estilo próprio que é profecia e sinal e que pode e deve atrair eficazmente todos os membros da Igreja a corresponderem animosamente às exigências da vocação cristã. As comunidades de pessoas orantes, e de modo particular as contemplativas, que, sob a forma de separação do mundo, se encontram mais intimamente unidas a Cristo, coração do mundo, não propõem uma realização mais perfeita do Evangelho mas, implementando as exigências do Batismo, constituem uma instância de discernimento e convocação ao serviço de toda a Igreja: sinal que indica um caminho, uma busca, lembrando a todo o povo de Deus o sentido primeiro e último daquilo que ele vive (n. 4).

Como religioso, Francisco sabe colocar devidamente o lugar e o testemunho das mulheres e dos homens consagrados na Igreja, chamados à profecia do Evangelho, nas mais diferentes realidades, mas sempre ao lado dos pequenos e excluídos social e eclesialmente.

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