Concluímos hoje nosso percurso em que revisitamos algumas das principais contribuições do Papa Francisco para a Igreja e seu diálogo com a sociedade atual.
VIII. Francisco e a dimensão educativa
As preocupações do atual Pontífice não se limitam às questões internas da Igreja ou mesmo do mundo religioso. Ele sonha uma sociedade nova, de novas relações, entre as pessoas e com a criação como um todo. Para isso, a dimensão educativa não poderia ficar de fora. Sendo assim, no dia 15 de outubro de 2020 o Pacto Educativo Global foi lançado no Vaticano e se espalhou mundo afora. O Pacto Educativo é um chamado do Papa Francisco para que todas as pessoas no mundo, instituições, igrejas e governos priorizem uma educação humanista e solidária como modo de transformar a sociedade.
O Papa convida a renovar a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão, convidando todos a “unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna”.
As discussões sobre este Pacto estão alicerçadas em sete princípios fundamentais, a saber:
1. Colocar a pessoa no centro de cada processo educativo
2. Ouvir a as gerações mais novas.
3. Promover a mulher.
4. Responsabilizar a família.
5. Se abrir à acolhida.
6. Renovar a economia e a política.
7. Cuidar da casa comum.
No Brasil, a ANEC (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil) tem se empenhado para levar avante o Pacto Educativo Global, num diálogo frutuoso não só entre instituições educacionais, mas com diferentes setores da sociedade.
Conheça mais sobre o Pacto Educativo Global: https://anec.org.br/acao/pacto-educativo-global/
IX. Mas nem tudo são flores
Elencar as principais iniciativas do Pontificado de Francisco e ignorar seus declarados opositores seria deixar incompleta essa modesta reflexão. Seu modo, suas prioridades, seus escritos logo suscitaram estranhamento em muitos membros da Cúria e em muitos purpurados mundo afora.
Em 2019, o vaticanista Marco Politi publicou “La solitudine di Francesco”, indicando que as grandes preocupações do Papa não eram compartilhadas por grande parte da Igreja. Grupos conservadores, de modo declarado ou não, fizeram oposição direta ao modo de ser de Francisco, inclusive chamando-o de herético, por ocasião da publicação de Amoris Laetitia, como lembramos da carta assinada pelos cardeais Walter Brandmüller, Raymond Burke, Carlo Caffarra e Joachim Meisner. Nessa fila, pode ser incluído o prefeito-emérito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Robert Sarah. A figura de Bento XVI como Papa Emérito também foi algo que inflamou os ânimos. Para muitos, era Bento o verdadeiro Papa. No entanto, a relação entre Bento XVI e Francisco sempre transpareceu ternura e respeito, apesar de suas notórias diferenças.
Francisco reconhece essas diferentes correntes na Igreja. Chega a dirigir-se diretamente a elas, mas mantém suas convicções: “Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada” (Amoris Laetitia, n. 308).
X. Outras pautas e desafios que permanecem
O modo como o Francisco entende a organização da Igreja e a sua missão perante o mundo tem muito a ver com aquilo que ele já pronunciava na Evangelii Gaudium ao dizer da importância de certa descentralização (n. 16) a qual até o próprio papado deveria estar submetido. Com isso, as Conferências episcopais ganharam não só mais liberdade, mas também responsabilidade perante vários assuntos que anteriormente eram reservados exclusivamente à Cúria Romana, em especial à Sagrada Congregação para Doutrina da Fé.
Mas é possível perceber também outras nuances dessa descentralização, por exemplo, a possibilidade de religiosos irmãos serem “Superiores” Provinciais e Gerais. Dessa forma, o ministério do ‘superior’ (a palavra tem sido cada vez menos utilizada) não fica mais atrelado ao ministério ordenado, mas a uma instância batismal, de um consagrado entre outros consagrados.
A criação de novos cardeais de diversas partes do mundo, mesmo de países cujo número de católicos é pequeno também é um sinal de que Francisco está convencido do caráter universal da Igreja.
Francisco também abriu os ministérios de acolitato e leitorato para leigos e leigas, dissociando esses dois ministérios daqueles que se preparam para a ordenação diaconal.
O papa também reconheceu a ministerialidade do serviço de catequistas como um verdadeiro Ministério dentro da Igreja (Antiquum Ministerium, 2021) o qual deverá, inclusive, ser acompanhado de rito próprio para a instituição deste Ministério Público.
Ficam ainda alguns temas a serem mais bem aprofundados, como a ordenação diaconal e presbiteral para as mulheres e a possibilidade de os padres poderem contrair matrimônio. Essas pautas têm chance de serem implementadas? As opiniões se divergem.
Conclusão
Por tudo isso que rapidamente elencamos, talvez a palavra que possa resumir toda esta proposta do Papa em relação à Igreja seja a SINODALIDADE. Estamos justamente em processo Sinodal, de escuta das diversas realidades eclesiais locais, nacionais, e em etapa Continental, a fim de vislumbrar novos modelos de Igreja e de vivência do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que exige de todos os discípulos e discípulas do Senhor uma postura ativa em sua vida e missão. Dessa forma, à luz da eclesiologia do Concílio Vaticano II a Igreja é entendida realmente como povo de Deus, no qual há diversos dons carismas e ministérios, mas que formam um só corpo. A imagem que Francisco mais utiliza a esse respeito é a do poliedro: “no qual ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, o todo é mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas” (Fratelli Tutti, n.145) e ainda: “O poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças (Fratelli Tutti, n.215).
Francisco convida a Igreja a pensar novos modos, a não simplesmente perpetuar o passado. Sua atitude profética inverte a ordem que sempre reconhecemos como unicamente válida: a de que as mudanças se dão a partir de baixo, até atingir o topo. Com Francisco é diferente: o desejo de mudança se inicia no Sucessor de Pedro e visa atingir as bases da Igreja. O profeta tem no dedo o Anel de Pescador.
Como dissemos ao início, não se trata de uma tentativa exaustiva de análise do Pontificado, mas uma modesta contribuição a olhar para este argentino, vindo do “fim do mundo”, de tradição jesuíta, de coração franciscano, sentado no Trono de Pedro, disposto a contribuir para que presença da Igreja na sociedade se dê de forma significativa e dialogante.
Há 800 anos, Francisco de Assis recebeu do Crucificado a ordem de restaurar a igreja. Em nossos dias, Francisco continua com a mesma empreitada, a fim de suscitar discípulos e discípulas fiéis ao Evangelho a serviço da vida na sociedade atual.
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