Dez anos do pontificado de Francisco (3)

Dez anos do pontificado de Francisco (3)

Ao longo desta semana, em comemoração aos dez anos do Pontificado de Francisco, tomaremos algumas de suas contribuições para a Igreja e seu diálogo com a sociedade atual.

IV. Francisco, um homem do diálogo

Em comemoração aos dez anos do pontificado de Francisco, estamos revisando algumas pautas de sua atuação a fim de visualizar a abrangência de seu olhar, tanto para a Igreja, quanto para a sociedade em geral.

Hoje vamos nos fixar na dimensão do diálogo, um elemento muito caro ao carisma franciscano.

1.Francisco de Assis é reconhecido como Santo da Paz, e o papa Argentino faz jus a este empenho ao escrever Fratelli Tutti, publicada no dia 03 de outubro de 2020, no túmulo do Santo, em Assis.

Relembrou o Papa: “Sem ignorar as dificuldades e perigos, São Francisco foi ao encontro do Sultão com a mesma atitude que pedia aos seus discípulos: sem negar a própria identidade, quando estiverdes entre sarracenos e outros infiéis (…), não façais litígios nem contendas, mas sede submissos a toda a criatura humana por amor de Deus. No contexto de então, era um pedido extraordinário. É impressionante que, há oitocentos anos, Francisco recomende evitar toda a forma de agressão ou contenda e também viver uma submissão humilde e fraterna, mesmo com quem não partilhasse a sua fé” (Fratelli Tutti, n.3).

Em suas viagens, Francisco – assim como seus predecessores – tem sempre se encontrado com lideranças de diversas tradições religiosas, e mostra seu apreço por essa aproximação como sinal profético de paz entre as nações.

Para as grandes questões da humanidade, sobretudo aquelas cujas saídas não estão claras, Francisco convoca ao diálogo, como podemos lembrar mais uma vez a Laudato Si: “Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós” (n.14). E elenca vários ambientes de diálogo necessários:

O diálogo sobre o meio ambiente na política internacional (n.164)

O diálogo para novas políticas nacionais e locais (n.176)

Diálogo e transparência nos processos decisórios (n.182)

Política e economia em diálogo para a plenitude humana (n.189)

As religiões no diálogo com as ciências (n.199)

A dimensão do diálogo não é propriamente uma novidade do atual pontificado. O próprio Concílio já se abria à dimensão do outro, de outras visões de mundo, de espiritualidades diversas, a fim de favorecer um ambiente mais respeitoso e justo para todas as pessoas. Os pontificados de João Paulo II e Bento XVI também deram uma contribuição significativa a esse respeito.

“O diálogo fraterno entre os homens não se realiza ao nível destes progressos, mas ao nível mais profundo da comunidade de pessoas, a qual exige o mútuo respeito da sua plena dignidade espiritual. A revelação cristã favorece poderosamente esta comunhão entre as pessoas, ao mesmo tempo que nos leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social que o Criador inscreveu na natureza espiritual e moral do homem” (Gaudium et Spes, 23).

V. Francisco e a reconstrução da Igreja

O jovem Francisco de Assis, em seu processo de conversão ouvira do Crucificado o indicativo de reconstruir a igreja em ruínas. A metáfora lhe arremessava para além de empilhar pedras, mas indicava algo que tocava a instituição eclesial.

1.No caso do Papa argentino, a reconstrução o fez meter-se em assuntos sensíveis, como a saúde do Banco do Vaticano (IOR) e a própria Cúria Romana. O IOR foi criado por Pio XII em 1947, e tem por finalidade “prover a custódia e administração de bens móveis e imóveis transferidos ou confiados ao Instituto por pessoas físicas ou jurídicas e destinados a obras religiosas ou de caridade”. Francisco foi assediado para que finalizasse as atividades do órgão, porém, preferiu dar-lhe novo estatuto, a fim de que possa ser mais fiel à inspiração original.

2.Outro desafio foi ainda mais exigente: a reforma estrutural da Cúria Romana. Para isso, Francisco convocou uma equipe de trabalho, conhecida como G7  formado a princípio pelos cardeais Pietro Parolin, Óscar Maradiaga, Reinhard Marx, Sean Patrick O’Malley, Osvald Gracias e Giuseppe Bertello (hoje G9, a qual foi incorporada há poucos dias o brasileiro, Dom Sérgio da Rocha).

A tão esperada reforma da Cúria veio por meio da Constituição Apostólica “Praedicate evangelium” (2022), a qual uniu alguns dicastérios, revogou outros, e deu mais visibilidade à Evangelização, e não à Doutrina da Fé, como ocorria nos pontificados anteriores.  Francisco abriu, p.e. para a possibilidade de leigos e leigas presidirem dicastérios, arejando desse modo, a estrutura eclesial. Diz a Bula na qual se instaura a reforma da Cúria: “A Cúria Romana só contribui para a comunhão da Igreja com o Senhor, cultivando a relação de todos os seus membros com Cristo Jesus, gastando-se com íntimo ardor em prol dos desígnios de Deus e dos dons que o Espírito Santo entrega à sua Igreja e trabalhando a favor da vocação de todos os batizados à santidade. Por isso é necessário que, em todas as Instituições curiais, o serviço à Igreja-mistério permaneça unido a uma experiência da aliança com Deus, que se manifesta através da oração em comum, da renovação espiritual e da periódica celebração comum da Eucaristia. Do mesmo modo, a partir do encontro com Jesus Cristo, os membros da Cúria cumpram a sua tarefa com a jubilosa consciência de ser discípulos-missionários ao serviço de todo o povo de Deus” (Prædicate Evangelium, n.6).

3.Um assunto bastante espinhoso e que também já vinha sendo abordado nos pontificados anteriores é o abuso de menores por membros do clero. Os escândalos de pedofilia abalaram países como a Irlanda, Estados Unidos, Chile e outros mais. Francisco instituiu uma Comissão Pontifícia (22.03.14), subordinada diretamente ao Papa e cuja missão é incentivar a criação de protocolos de proteção e encaminhar devidamente as questões que cheguem a este respeito.

Dentre tantas publicações que têm sido feitas nos últimos anos, cabe destacar o Motu Proprio Vos Estis Lux Mundi (2019), na qual Francisco se expressa: “os crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis. Para que tais fenômenos, em todas as suas formas, não aconteçam mais, é necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por ações concretas e eficazes que envolvam a todos na Igreja, de modo que a santidade pessoal e o empenho moral possam concorrer para fomentar a plena credibilidade do anúncio evangélico e a eficácia da missão da Igreja”. Em seu pastoreio, para além de ser um velhinho simpático a acenar para a multidão, Francisco tem consciência de que há temas desafiadores na Igreja Universal, e não teme afrontá-los. Para o Papa, a instituição deve se prestar ao anúncio do Evangelho. Não existe por ela mesma, por isso, deve ser menos burocrática e defensora de certo status quo eclesiástico. O Evangelho vem em primeiro lugar, a instituição vem atrás, organizada de tal modo que possibilite a presença efetiva da Igreja na sociedade.

admin
ADMINISTRATOR
PERFIL

Leia outras notícias