13 de Junho – Dia de Santo Antônio

13 de Junho – Dia de Santo Antônio

13 de junho – Dia de Santo Antônio

SANTO ANTÔNIO E A CORRUPÇÃO AMBIENTAL

Frei Vitor Vinicios da Silva, OFM [1]

Em um mundo marcado pela liquidez das relações, pela crise ecológica, pelos crescentes índices de violência, pelas crises geopolíticas, guerras e tantas outras feridas de nosso tempo, o santo do povo de Deus, Antônio de Pádua, torna-se um caminho de respostas para os nossos desafios. Ao celebrarmos sua memória e legado, somos chamados a nos perguntar qual é a mensagem que sua vida deixa para nós hoje. Assim, recuperemos alguns traços expressos na vida desse santo, tão conhecido popularmente, que nos conduz a uma fé comprometida com os desafios do nosso mundo.

Entre palavras e silêncios, sonhos e realidades, havia um jovem chamado Fernando Martins de Bulhões. Segundo historiadores, foi um homem de vida breve, mas intensa o suficiente para gravar seu nome na história do povo. Seu sonho de servir a Deus começou cedo, pois já aos 15 anos manifestava sua vontade de se entregar ao Senhor. Impulsionado por esse desejo, ingressou na Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, onde se dedicou à formação teológica e pastoral. Sua dedicação era tão intensa que o levou a se destacar entre os demais companheiros, inclinando-se fortemente “[…] ao estudo das Escrituras, dos santos padres e das disciplinas eclesiásticas próprias” (SANZ V., s.d.). Contudo, após sua ordenação presbiteral, tomou conhecimento dos mendicantes que se espalhavam por toda a Europa e, consequentemente, da notícia da morte de cinco mártires franciscanos — Bernardo, Pedro, Acursio, Adyuto e Oton — martirizados em 16 de janeiro de 1220, em Marrocos. Com isso, o cônego Fernando se deixou seduzir pelo perfume desses santos homens e ingressou-se na Ordem de São Francisco.

Sua decisão ocorreu em um momento em que fervilhavam movimentos sectários (cátaros, albigenses, beguinos, valdenses…), ou seja, grupos motivados pelo intenso retorno ao Evangelho, buscando uma resposta frente à decadência do clero abastado daquele tempo. Diante dessas grandes crises, o martírio desses protomártires foi um exemplo e motivo magnífico que levou o cônego agostiniano a mudar seu nome e trajar o burel franciscano. Em poucas palavras, a motivação primeira de Antônio para deixar sua condição de agostiniano e inserir-se na Ordem franciscana foi o martírio desses frades que ceifaram suas vidas em Marrocos em prol do anúncio do Reino. Enfim, seguindo seus desejos, ele deixou de ser cônego, tornou-se franciscano e conformou-se com o projeto de vida de Francisco, que nada mais é que viver segundo a forma do santo Evangelho.

Feita sua decisão, Antônio buscou seu desejo de também ceifar sua vida pelo Senhor. Embora, ao ir a Marrocos em missão, adoecesse e não encontrasse o martírio tão aguardado, sua decisão de voltar não o impediu de aceitar a vontade de Deus de viver o abandono total nas mãos do Pai. Dedicado assiduamente ao estudo da Sagrada Escritura, sua caminhada o levou a ser reconhecido como um exímio pregador, sendo incumbido de ensinar a sagrada teologia aos frades, função essa apoiada pelo próprio Francisco de Assis com suas devidas observações. Dessa forma, Antônio tornou-se um mestre na teologia, e seus sermões são reflexos de uma busca pela Palavra de Deus como alimento. Essa missão de pregador, assumida pelo santo, é vista por ele como um ato que testemunha a palavra de Deus. Ele é alguém chamado, primeiro, a pregar para si mesmo e nunca em seu próprio nome, mas em nome do Senhor. No fim, seu fazer teológico será uma expressão do espírito de oração e devoção, um compartilhar os dons com os irmãos conforme o espírito franciscano.

O grande pregador não usará apenas palavras, mas também obras, na certeza de que o verdadeiro espírito franciscano jamais desfaz essas duas instâncias. Assim, recorramos às pregações do passado para que nos ajudem a compreender a profundidade do pregador que faz de sua vida um instrumento de sedução ao Evangelho. Ao buscarmos uma mensagem que Antônio deixa para nossas vidas hoje, retomemos aquele que talvez melhor nos disse sobre o papel das pregações desse franciscano, nosso grande pregador Padre Antônio Vieira. Ao verificar as tensões, conflitos e corrupções de seu tempo, ele recorre ao santo na certeza de que suas palavras não eram vazias, mas “alimento” capaz de transformar seus ouvintes em promotores do projeto de Cristo. Padre Vieira resgata a lenda encontrada nas hagiografias antigas dos séculos XIII e XVII (Legenda Assídua, Giovanni da Montefiorentino, Arnaldo de Sarano, Lucas Wadding e Fioretti de São Francisco) para proferir, no dia 13 de junho de 1654, em São Luís do Maranhão, o grande “Sermão de Santo Antônio”. Assim, motivado por seu profundo comprometimento com o Evangelho, aponta o santo como solução para o sal que não salga e para uma terra que não se deixa salgar.

Em outros termos, Vieira utiliza a alegoria dos peixes, destinatários do sermão de Santo Antônio, para fazer uma sátira e caricatura da sociedade corrupta do seu tempo. Em uma população em que o convite a ser “sal da terra” não tem efeito algum ou que sua finalidade de impedir a corrupção é perdida diante de um povo que não se preserva da corrupção, mas a tem como aliada, Antônio é aquele que aponta uma solução gloriosa, pois, diante do não querer ouvir dos homens e mulheres, ouvem-no os peixes. Diante dessa alegoria moral e social, Padre Vieira nos demonstra que Santo Antônio continua sendo um sinal profético em nosso tempo. É alguém que aponta para a realidade de que nossas virtudes e vícios encontram forte tendência à exaltação do pior da humanidade. Frente a uma sociedade que se recusa a ouvir, o santo se dirige aos peixes de Deus que, ao contrário dos homens e mulheres, reconhecem a Verdade. Nesse sentido, a criação inteira é convidada a reconhecê-la, a viver em harmonia, a buscar uma sociedade sem fronteiras e ser pautada na justa medida. Em outras palavras, a mensagem retirada de Santo Antônio nos recorda a espiritualidade franciscana, demarcada pelo Deus da história que fala nos acontecimentos. Por isso, sua vida é uma grande busca pela Palavra que ilumina a vida ordinária.

O projeto que carregava Antônio choca-se com o projeto de Deus quando seu projeto é desviado daquilo que almejava. Todavia, existiu em sua vida um imperativo de viver em conformidade com a Palavra anunciada, sem distanciar a fé do agir cristão. Assim, nos dá a convicção de que o aspecto originário do discipulado é o proclamar e agir no mundo. Portanto, a mensagem de Antônio nos leva, hoje, ao imperativo do nosso tempo: o cuidado da casa comum sendo “[…] um dever moral para todos os homens e mulheres como filhos de Deus” (FRANCISCO, 2015).

Esse dever cristão impera na ‘Era dos exageros’, pois uma pequena parcela da sociedade é exageradamente rica e uma grande parcela exageradamente pobre, uma monocultura que produz exageradamente muito e uma grande parcela que não tem o que comer, e assim sucessivamente. Nossos atos se tornam um grande movimento de ‘adiamento do fim do mundo’, em contraste com decisões arbitrárias de nossos governantes, que discutem, por exemplo, o Projeto de Lei (PL) que visa regulamentar regras gerais para o licenciamento ambiental.

A PL 2159/2021, de autoria na Câmara dos Deputados de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) e no Senado tendo a relatoria do Senador Confúcio Moura (MDB-RO), apresenta uma rediscussão das normativas que configuram um empreendimento de potencial dano ambiental. Em outros termos, configura-se como um desmonte das atuais regras, no intuito de levar a uma extrema aceleração da degradação ambiental. Um exemplo desse risco é o art. 7º da PL 2159/2021, que apresenta uma prorrogação automática da licença ambiental, sem qualquer análise estatal, bastando uma declaração do interessado via formulário. Embora a senadora Eliziane Gama, do Cidadania–MA, tenha apresentado a emenda nº 69, que visava sua supressão, ela foi recusada pelo relator no Senado (Senador Confúcio Moura–MDB-RO). No fim, diagnosticamos uma corrupção ambiental quando assistimos a um esforço orquestrado de tornar atos contra a manutenção da vida da Mãe Terra lícitos, como a legitimação de leis flexíveis que oportunizam crimes ambientais, como a mineração ilegal.

É preciso dizer que esse esforço contra a ‘Casa Comum’ encontra apoio, moderado ou não, em todas as instâncias de nossos governos, embora haja pessoas como a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, que luta isoladamente. Essa PL está relacionada ao projeto relançado pelo Executivo em 2023, o “Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”, que tem como objetivo impulsionar investimentos em infraestrutura, desenvolvimento social, industrialização e sustentabilidade.

Nesse sentido, no âmbito ambiental, visa a agilidade nos processos de licenciamento para viabilizar grandes obras e a revisão na legislação de licenciamento. Contudo, o problema ocorre quando não se quer aperfeiçoá-la, mas flexibilizá-la. Em razão disso, somos chamados a resgatar nossa capacidade de ser sal em nosso mundo, cuja finalidade é a preservação. A lenda de “Santo Antônio e os peixes” nos convida a uma cosmovisão profundamente cristã e integradora. Todos são chamados à conversão, iniciada pela escuta da Palavra de Deus, que nos convida a viver em harmonia com a criação. Somos chamados a cumprir a missão de sermos cuidadores da Mãe Terra. Assim, é preciso estar ciente de que não somos donos da terra, mas hóspedes com a incumbência e o dever de preservar nossa casa comum.

Em um cenário de profunda crise socioambiental, cristãos e não cristãos devem comprometer-se com a busca pela vivência harmônica e pela justiça. Como afirma o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si’, “[…] crentes e não crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos. Para os crentes, isto torna-se uma questão de fidelidade ao Criador, porque Deus criou o mundo para todos” (2015). Assim, é papel de todos denunciar ações contrárias à ética ambiental, pois “[…] quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus, comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas, quando contaminam as águas, o solo, o ar… tudo isso é pecado” (FRANCISCO, 2016).

Embasados nesse panorama, descobrimos que Santo Antônio continua sendo um sinal profético em nosso meio. Seu legado aponta para a necessidade de uma fé enraizada na Palavra e na história. Ao falarmos desse compromisso cristão, descobrimos que a fé não é apenas uma crença interior, mas uma vida partilhada e comprometida com a realidade. Por outro lado, mesmo que poucos escutem o anúncio da Palavra de Deus que nos chama à conversão, façamos como Santo Antônio, que não desistiu de sua missão, e continuemos nossa caminhada. Enfim, somos chamados a perseverar em nossa vida de fé, na certeza de que precisamos dar uma resposta aos desafios do nosso tempo.

Apelo prático

Diante do cenário de crise socioambiental e das ameaças à nossa “Casa Comum”, o cristão é chamado a:

  • Viver a fé com coerência, comprometendo-se não só em crenças, mas em ações concretas de cuidado e defesa do meio ambiente.
  • Denunciar e resistir às práticas que causam danos ambientais, atuando na sua comunidade, igreja e esfera pública contra leis e políticas que flexibilizam a proteção ambiental.
  • Promover a educação ambiental e a conscientização sobre o valor da criação como dom de Deus, inspirando outros a assumirem o compromisso do cuidado.
  • Adotar hábitos sustentáveis no dia a dia, reduzindo desperdícios, reciclando, consumindo de forma consciente e apoiando iniciativas que protejam o planeta.
  • Buscar a oração e a escuta da Palavra, para fortalecer-se no compromisso ético e espiritual, encontrando em Santo Antônio um modelo de fé atuante e profética.

Assim, como “sal da terra”, o cristão pode contribuir para transformar a realidade, mantendo viva a esperança e a luta por um mundo mais justo e sustentável.

REFERÊNCIA

FRANCISCO. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015.

FRANCISCO. Mensagem para a celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. 1. set. 2016. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html . Acesso em: 07 jun. 2025.

GRANDON, Patricio. San Antonio de Padua: espiritualidade y pensamento. Montevideo: Multiversidad Franciscana, [s.d.]. Disponivel em: https://es.scribd.com/document/319508249/San-Antonio-de-Padua-Espiritualidad-y-Pensamiento-Patricio-Grandon-Z. Acesso em: 07 jun. 2025.

SANZ VALDIVIESO, Rafael. San Antonio de Padua: vida y fuentes biográficas. Diretor: Rafael Sanz Valdivieso. Diretor: Rafael Sanz Valdivieso. Disponível em: https://franciscanos.org/sanantonio/sanz.htm. Acesso em: 07 jun. 2025.

VIEIRA, Antônio. Sermão de Santo Antônio aos Peixes. 1654. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=149307. Acesso em: 07 jun. 2025.


[1] Graduado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino, graduado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e Especialista em Ensino Religioso e Gestão Integradora pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais, IPEMIG.

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