A vida de Duns Scotus foi uma expressão constante de sua espiritualidade franciscana.
Frei Igor de Sousa,ofm
No dia 8 de novembro, a Igreja celebra o Beato João Duns Scotus, um dos maiores pensadores e teólogos da Idade Média, cuja vida e obra continuam a iluminar o caminho de fé e razão. Nascido por volta de 1265, na cidade de Duns, na Escócia, Duns Scotus se destacou por sua profunda devoção a Deus e pela inteligência singular com que se dedicou ao estudo das Sagradas Escrituras e da filosofia escolástica. Seu nome, embora seja sinônimo de complexidade teológica, também é um reflexo de uma vida moldada pela espiritualidade franciscana, que buscava viver o Evangelho em sua radicalidade e simplicidade.
Formação e Vocação Franciscana
João Duns Scotus cresceu em um ambiente profundamente religioso e, desde cedo, se interessou pela vida espiritual. Sua família estava próxima aos Frades Menores, e seu tio, Frei Elías Duns, que era vicário da Vicaría de Escócia, o acolheu na Ordem Franciscana por volta de 1280. Com um intelecto excepcional e uma paixão por Deus, Duns Scotus logo se destacou entre seus irmãos de convento. A Regra de São Francisco de Assis, com seu chamado à pobreza, castidade e obediência, foi para ele não apenas uma regra de vida, mas um modo de vivenciar a fé em todas as suas ações e pensamentos.
Sua formação teológica o levou até a Universidade de Paris, centro do saber medieval, onde, em meio às disputas teológicas da época, se tornou um dos grandes nomes da Escolástica. Ali, se aproximou de questões que se tornaram centrais em sua obra, como a relação entre razão e fé, a natureza de Deus e a questão da Imaculada Conceição. Sua inteligência brilhante e sua habilidade para resolver disputas teológicas, sempre com um espírito de fidelidade à Igreja e à Tradição, o tornaram uma figura central na academia medieval.
O Estudo Teológico e Filosófico
Embora Duns Scotus tenha sido um monge franciscano profundamente devoto, ele também foi um pensador extraordinário. Sua contribuição à filosofia e à teologia escolástica não foi apenas acadêmica, mas uma expressão de sua vida religiosa. Duns Scotus acreditava que a razão humana, embora limitada, podia alcançar grandes verdades sobre Deus, pois a criação revela, de maneira clara e ordenada, o Criador. Ele sustentava que a fé e a razão não eram opostas, mas complementares, e que o entendimento humano poderia, de fato, ser elevado por Deus, iluminando a verdade revelada.
Sua defesa da Imaculada Conceição de Maria, um tema que mais tarde seria dogmatizado pela Igreja, foi uma das grandes inovações teológicas de Duns Scotus. Ele argumentava que Maria, sendo preservada do pecado original desde sua concepção, estava mais plenamente apta para ser a Mãe do Salvador. Sua profunda devoção à Virgem Maria e sua teologia de redenção foram expressões de um amor profundo por Deus e pela Igreja, que ele considerava a grande fonte da salvação.
Além de sua defesa da Imaculada Conceição, Duns Scotus também se destacou pela afirmação da supremacia da autoridade papal, particularmente em sua oposição ao poder temporal dos reis, como no caso do rei Filipe IV da França. Sua recusa em assinar um libelo contra o Papa Bonifácio VIII, por exemplo, demonstrou seu compromisso com a autoridade da Igreja. Essa atitude, aliada a sua fervorosa vida de oração e contemplação, fez de Duns Scotus um verdadeiro defensor da Igreja e do papado, algo que o levou a ser reconhecido não apenas como um teólogo de grande destaque, mas também como um fiel servidor do Corpo de Cristo.
Espiritualidade e Testemunho de Vida
A vida de Duns Scotus foi uma expressão constante de sua espiritualidade franciscana. Ele dedicou-se com todo o seu ser a Deus, buscando a santidade não apenas na contemplação, mas também na ação. Sua vida como frade foi marcada por sua busca incessante pela perfeição, sempre voltado para o serviço aos outros e para a edificação da Igreja. Seu exemplo de humildade, caridade e obediência à vontade divina deixou uma marca profunda em todos os que o conheceram.
A devoção de Duns Scotus a Cristo e à Virgem Maria não era apenas uma questão de doutrina, mas de vivência diária. Ele acreditava que a teologia deveria ser sempre praticada, que o estudo e a oração se complementam em uma única busca pelo amor de Deus. Seus discípulos e admiradores testemunham que sua vida era um reflexo de sua profunda comunhão com Deus e com os outros.
Duns Scotus também era conhecido por sua coragem em defender suas ideias, mesmo diante da oposição. Sua permanência em Paris, após ser expulso devido a sua postura em relação ao Papa, demonstra a firmeza de sua fé e sua disposição em lutar pela verdade, sem medo das consequências. Ele sabia que a verdade de Deus, ainda que muitas vezes desafiadora, é sempre um caminho de salvação.
Frei João Duns Scotus faleceu em 8 de novembro de 1308, enquanto estava dedicado ao serviço pastoral e à vida regular na cidade de Colônia, na Alemanha. Sua morte, repentina e sem sofrimento, foi vista por muitos como um reflexo de sua santidade e de sua entrega completa a Deus. Desde então, sua vida e seus ensinamentos continuam a ser uma fonte de inspiração para os teólogos, filósofos e religiosos.
A santidade de Duns Scotus foi reconhecida mais de seis séculos depois de sua morte, com sua beatificação sendo proclamada pelo Papa João Paulo II em 1993. Sua vida de devoção, estudo e serviço à Igreja continua a ser um testemunho vivo da verdade do Evangelho e da importância do estudo teológico para a vida cristã.
Hoje, ao celebrarmos o Beato João Duns Scotus, somos convidados a refletir sobre a profundidade de sua fé e de seu compromisso com a Igreja e com a verdade. Ele nos ensina que a busca pela verdade e pela sabedoria nunca deve ser dissociada do amor a Deus e ao próximo. Sua vida e obra nos lembram que a razão e a fé devem caminhar juntas, conduzindo-nos sempre mais perto de Cristo, o centro de nossa existência e de nossa salvação.
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