A devoção a São Sebastiao e as atualidades da peste, da fome e da guerra

A devoção a São Sebastiao e as atualidades da peste, da fome e da guerra

A peste, a fome e a guerra são uma tríade que, apesar de muitos séculos, continuam apavorando a terra, o que faz de São Sebastião um nome sempre lembrado e atual. 

Frei Oton da Silva Araújo Júnior, ofm

Em 20 de janeiro, celebramos um dos santos mais populares do Brasil, São Sebastião, festejado não só entre os católicos, mas também em religiões de matriz africana, nas quais é identificado como Oxóssi, na Umbanda e Odé, no Candomblé, rei das matas, das caças, da fartura. Dezenas de cidades recebem o nome de São Sebastião e muitas instituições eclesiais o têm como padroeiro.

Na invocação a São Sebastião, há uma fórmula corriqueira, aprendida desde a Idade Média: “Ó grande Sebastião, santo mártir glorioso, livra-nos da peste, fome, guerra e o mal contagioso”; e ainda: “Senhor dono da casa São Sebastião ‘tá na terra. Ele veio pra nos livrá contra fome, peste e guerra”; “Ó márti! Ó márti!/ Ó São Sebastião!/ Ele venceu a guerra/ com seu batalhão” (POEL, 2013).

A peste, a fome e a guerra são uma tríade que, apesar de muitos séculos, continuam apavorando a terra, o que faz de São Sebastião um nome sempre lembrado e atual. 

Os avanços da ciência, os novos padrões sociais, a arte da diplomacia, nada disso foi capaz de nos livrar desses males. Pelo contrário: parecem ainda mais fortes.

No contexto brasileiro, não há como esquecer a PESTE da Covid-19, que dizimou incontáveis vidas e sequelou outras tantas, fora as consequências do isolamento social, percebíveis até hoje.

Muitos estudiosos dizem, ainda, que a Pandemia da Covid-19 foi uma de muitas outras que estão por vir, como uma gripe aviária (H5N1). As mudanças climáticas e o nosso estilo de vida nos dão sinais de que vamos nos chocar contra o muro num futuro não distante.

Para Francisco, “é lamentável que as crises globais sejam desperdiçadas, quando poderiam ser ocasião para introduzir mudanças salutares. Assim sucedeu na crise financeira de 2007-2008 e voltou a acontecer na crise da pandemia Covid-19” (Laudate Deum, n 36). Ou seja, havia sempre uma expectativa de como seríamos após a pandemia: seríamos melhores, mais solidários, mais atentos às pessoas e ao Planeta…ledo engado.

No combo das desgraças, uma multidão de pessoas ingressou no mapa da FOME. No início da pandemia, em 2020, a fome no Brasil voltou aos níveis de 2004, afetando 9% da população. Dois anos depois, esse número subiu para 15,5%, atingindo mais de 33 milhões de brasileiros, colocando o país novamente no Mapa da Fome da ONU. Porém, graças a políticas públicas, a insegurança alimentar severa caiu 85% em 2023, com 14,7 milhões de pessoas deixando de passar fome, reduzindo a porcentagem de 8% para 1,2% da população. Fatores como o desemprego, a informalidade no mercado de trabalho e a inflação aumentam a insegurança alimentar. Apesar de ser um grande produtor de alimentos, o Brasil enfrenta problemas como a má distribuição e o desperdício de alimentos.

No Brasil, tivemos muitos nomes importantes no combate à fome e, somados a Betinho, Dra. Zilda Arns, mais recentes e frequentemente lembrados, um personagem que não pode ser esquecido é o médico e sociólogo Josué de Castro. Autor das obras “Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951), ele definiu o problema da fome como uma questão política e não apenas uma consequência de fatores ambientais.

Passemos, então, aos horrores da GUERRA. É certo que a guerra sempre fez parte das questões mundiais, em diversos contextos e períodos. Em nossos dias, Papa Francisco reconhece que “as instituições multilaterais, a maioria das quais surgiu no final da Segunda Guerra Mundial, há oitenta anos, já não parecem capazes de garantir a paz e a estabilidade, a luta contra a fome e o desenvolvimento, para o que foram criadas, nem de responder de forma verdadeiramente eficaz aos novos desafios do século XXI, como as questões ambientais e de saúde pública, culturais e sociais, bem como os desafios colocados pela inteligência artificial. Muitas delas precisam ser reformadas, tendo em conta que qualquer reforma deve ser construída com base nos princípios da subsidiariedade e da solidariedade, e no respeito pela igual soberania dos Estados”.

“A guerra é sempre um fracasso! O envolvimento de civis, especialmente crianças, e a destruição de infraestruturas não é só uma derrota, mas equivale a deixar que seja o mal a vencer entre os dois adversários. Não podemos aceitar, de forma alguma, o bombardeamento de populações civis ou o ataque a infraestruturas necessárias para a sua sobrevivência. Não podemos aceitar ver crianças a morrer de frio porque os hospitais foram destruídos ou foi atingida a rede energética de um país”. (Francisco, 09.01.25).

No dia em que escrevo essa reflexão (19 de janeiro), a manchete do dia é “Cessar-fogo entra em vigor em Gaza após 15 meses de guerra” (Folha de São Paulo). O acordo, mediado por Egito, Qatar e Estados Unidos, inclui a troca de reféns e prisioneiros, com o Hamas libertando 33 reféns israelenses em troca de até 1.904 palestinos detidos em prisões israelenses. O acordo também facilita a entrada de ajuda humanitária em Gaza. Porém, a situação em Gaza permanece tensa, com ataques ocorrendo antes do início formal da trégua. O cessar-fogo, previsto para durar seis semanas, pode diminuir as tensões no Oriente Médio e permitir o aumento significativo da ajuda humanitária na região.

Há ainda um último ponto de inspiração de São Sebastiao que creio ser útil destacar: o fato de ele ser SOLDADO ROMANO. Ele parece ter nascido em Narbona, na França, em 256 dC. Como seu pai era militar, ele também seguiu a mesma carreira, chegando a ser capitão da 1ª da guarda pretoriana, cargo só ocupado por pessoas ilustres, dignas e corretas.

No dia 17 de janeiro de 2025, foi apresentada a Portaria que regulamenta a ação de policiais federais no Brasil. A portaria apresentada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, visa a implementação de novos métodos no uso da força pelos policias, com investimento de R$ 120 milhões em armas não letais, como sprays de pimenta e armas de choque. Tudo isso, motivado por várias denúncias de excessivo uso da força nas ações policiais, indicando desrespeito às pessoas, e até mortes de inocentes. A Portaria estabelece a utilização de armas de fogo somente como último recurso.

Concluo

São Sebastião é o santo invocado contra a fome, a peste e a guerra. Se em séculos passados havia muito mais uma sensação de desamparo perante a natureza, hoje, apesar de todos os avanços da ciência e uma outra visão de mundo, os desafios se mostram ainda atuais. É estranho pensar que uma prece feita na Idade Média ainda faça tanto sentido em nossos dias.

Em 1989, a banda de Rock Uns e Outros lançou a música “Carta aos Missionários”, cuja primeira estrofe dizia: “Missionários de um mundo pagão, proliferando ódio e destruição. Pelos quatro cantos da terra, a morte, a discórdia, a ganância e a guerra, e a guerra”.

Num cenário apocalíptico de destruição, medo e violência, a devoção à São Sebastião há de ser um alento, a certeza de que a peste, a fome e a guerra possam ser vencidas pelos atuais meios que temos. O Espírito do Senhor, autor de toda bondade e beleza, estará conosco em nossos bons propósitos de partilha, distribuição de renda, avanços científicos, diplomacias eficazes.

Em tempos de Jubileu da Esperança, temos em São Sebastião um inspirador de uma esperança que nos empenha à mudança. Acompanhemos a Bula do Papa Francisco, convocatória do Sínodo:

“Penso de modo particular naqueles que carecem de água e alimentação: a FOME é uma chaga escandalosa no corpo da nossa humanidade, e convida todos a um rebate de consciência. Renovo o apelo para que, com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um Fundo global para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas ou enganadoras, nem precisem de abandonar os seus países à procura duma vida mais digna” (n.16)

“Que o primeiro sinal de esperança se traduza em paz para o mundo, mais uma vez imerso na tragédia da GUERRA. Esquecida dos dramas do passado, a humanidade encontra-se de novo submetida a uma difícil prova que vê muitas populações oprimidas pela brutalidade da violência. Faltará ainda a esses povos algo que não tenham já sofrido?” (n.8).

Sinais de esperança hão de ser oferecidos aos DOENTES, que se encontram em casa ou no hospital. Que os seus sofrimentos encontrem alívio na proximidade de pessoas que os visitem e no carinho que recebem! (…) E que a gratidão chegue a todos os profissionais de saúde que, em condições tantas vezes difíceis, desempenham a sua missão com solícito cuidado pelas pessoas doentes e mais frágeis”. (n.11)

Contra a fome, a peste e a guerra, dizemos esperançosos: São Sebastião, rogai por nós!

Referências

FRANCISCO, Discurso aos membros do corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé para as felicitações de ano novo (09.01.2025)

FRANCISCO, Exortação Apostólica Laudate Deum: sobre a crise climática (04.10.2023).

FRANCISCO, Spes non confundit: Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025 (09.05.2024)

https://pactocontrafome.org/fome-no-brasil/ (acesso 19.01.2025)

https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/07/mapa-da-fome-da-onu-inseguranca-alimentar-severa-cai-85-no-brasil-em-2023 (acesso 19.01.2025)

POEL, Francisco van der, Dicionário da Religiosidade Popular, Nossa Cultura, 2013.

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