Construção do “sonho coletivo” por nova economia no segundo dia do III Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara em Recife- PE

Construção do “sonho coletivo” por nova economia no segundo dia do III Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara em Recife- PE

A Economia de Francisco e Clara não é apenas uma utopia, mas um movimento vivo que resiste, questiona e propõe caminhos concretos para uma sociedade justa e sustentável.

Frei Laércio Jorge de Oliveira, ofm

 Ministras, economista e Padre Júlio Lancellotti alimentam debate com críticas contundentes e apelos por uma insubordinação ética; evento avança para a construção de propostas concretas.

RECIFE, 12 de Setembro de 2025 – O segundo dia do III Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara foi marcado por intensas reflexões e debates que reafirmaram a convicção coletiva de que “a economia pode ser, deve ser e vai ser justa para todas as vidas, já!”

O dia iniciou com um momento de espiritualidade, na abertura dos trabalhos, conduzido por Frei Laércio Jorge (Província Santa Cruz/MG), que evocou em sua reflexão [em anexo] Francisco e Clara de Assis como pontes entre gerações, cuja inspiração, especialmente a partir do Cântico das Criaturas – que celebra 800 anos em 2025 –, serve de farol para o fomento de uma ecologia integral.

De forma virtual, a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi contundente ao defender a inseparabilidade entre economia e ecologia.Não temos que compartimentar economia e ecologia, mas integrar. Não se deve tornar um desertor de nossos conceitos“, afirmou. Baseando-se em Gênesis 2, ela lembrou que a ordem divina é “cultivar e guardar a criação”, o que significa trabalhar para a prosperidade coletiva. “Com a má interpretação desta ordem, nós padecemos do mal do excesso, que nos faz viver o mal da escassez. Temos um compromisso ético de colocar a técnica a favor de uma vida abundante“, concluiu, definindo o mundo como uma “teia gigante de relações”.

Em seguida, a Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Barbosa de Oliveira Santos, lançou uma pergunta crucial ao plenário: “Que economia nós queremos?“. Criticou a sacralização de um “sistema/mercado financeiro intocável” e sugeriu a necessidade de um modelo que socialize a riqueza, em vez de acumulá-la. Com precisão técnica, ela propôs uma revisão urgente do tripé da política econômica brasileira – meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário –, implementado em 1999 e mantido ao longo de décadas, que, em sua avaliação, precisa ser revisto para servir melhor ao povo.

O Ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) trouxe a reflexão para o campo concreto do poder. Alertou os presentes sobre a necessidade de se posicionar criticamente diante de uma “classe dominante resumida em nove famílias que detém o poder dos meios de comunicação” e diante do “financismo e especulação cada vez mais crescente e prejudicial para a sociedade brasileira“.

A economista Sandra Quintela, economista, educadora popular, integrante da Coordenação América Latina e Caribe da Rede Jubileu Sul e vice-presidenta do Instituto Pacs., aprofundou a crítica ao fazer uma distinção vital entre Economia (o cuidado com a casa comum) e Crematística[1] (a arte de acumular riqueza). “No reino da crematística, que vale do sistema capitalista, a crise busca sempre novas fronteiras de acumulação e expropriação“, explicou. Ela alertou sobre o poder da BlackRock[2], a maior gestora de ativos do mundo, e seu papel influente nos mercados globais. Finalizou com um convite à ação: aderir à campanha para “transformar toda dívida em esperança”.

O ponto de inflexão emocional e ético do dia coube ao Padre Júlio Lancellotti. Com a veemência que o caracteriza, exortou a plateia: “Parem de colorir o capitalismo!“. Para ele, a superação desse sistema é imperativa para superar as desigualdades “brutais que matam”. Relatou suas experiências na Pastoral de Rua e defendeu “atos de insubordinação”, como:

. Fim da arquitetura hostil a começar pelo prédios públicos e religiosos.

. Oferta de água potável à população de rua (“Para os animaizinhos tem sempre um potinho de água e ração, e para os humanos?”);

. Socialização digital para garantir que os pobres não se tornem “inexistentes” aos olhos do governo por não conseguirem acessar portais como o gov.br.

Num relato comovente, revelou que suas lutas o levaram a ter sua sanidade mental questionada por forças contrárias, obrigando-o a buscar laudos médicos. “Não verei a realização das lutas a que me comprometo, mas mesmo assim luto por elas“, declarou, sob aplausos. Citando o padre Libânio e Paulo Freire (“antes de ler um livro, é necessário ler a realidade com lucidez e discernimento”), e deixou-nos uma ordem final: “Organização!” e três atitudes para alcançá-la: “Atentos, Alertas e Articulados. Por isso, lutemos!“.

Na parte da tarde, o encontro migrou da análise para a construção. Os participantes se reuniram por regiões para iniciar a “edificação de um sonho coletivo“, que deve se materializar em propostas concretas ao final do evento. 

O dia terminou em celebração, com apresentações da cultura pernambucana e a peça “O Avesso do Claustro”, que contou em verso e prosa a história de Dom Helder Câmara. A Cia do Tijolo do grupo Maracatu, interagiu com a plateia e encantou a todos, recitando a Crônica de Dom Helder – Olhar o Céu, unindo a reflexão econômica à resistência cultural que alimenta a esperança de um novo mundo.

Assim, o dia 12 de setembro reafirmou que a Economia de Francisco e Clara não é apenas uma utopia, mas um movimento vivo que resiste, questiona e propõe caminhos concretos para uma sociedade justa e sustentável.


[1] Crematística (do grego, “χρηματιστική”) refere-se à arte de produzir ou acumular riqueza, ou ao estudo da riqueza em si, especialmente quando medida em dinheiro, com ênfase na aquisição de riqueza como um fim em si mesmo. O termo, que tem suas raízes na Grécia Antiga, também é usado para descrever a parte da economia que trata da produção e acumulação de riqueza, sendo contrastado com a economia natural, que visa suprir as necessidades de uma comunidade. Fonte: TABOSA, Adriana S. O conceito de crematística em Aristóteles. Revista Portuguesa de Filosofia, v. 65, n. Fasc. 1/4, p. 731-736, 2009.

[2] A BlackRock é a maior empresa do mundo em gestão de ativos e riscos, com sede em Nova Iorque, e atua como gestora de investimentos e soluções para clientes institucionais e de varejo globalmente. Fundada por Larry Fink em 1988, a empresa administra trilhões de dólares em ativos, incluindo por meio da sua plataforma de ETFs chamada iShares, e possui participações em diversas empresas de tecnologia, finanças e outros setores. Fonte: STRAMPELLI, Giovanni. A BlackRock pode salvar o planeta? O papel dos investidores institucionais no capitalismo de stakeholders. Harv. Bus. L. Rev. Online , v. 11, p. 1, 2020.

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