Dom Frei José Belisário da Silva, OFM

Sonhos e ideais

Levando em conta a celebração dos quarenta anos do funcionamento do Postulantado Franciscano da Cruz de São Damião, a comissão da Assembleia da Formação Inicial achou por bem que, não só a assembleia deste ano se realizasse no postulantado, mas que também tivesse como tema “a memória, a partilha e a gratidão pelos quarenta anos desta Casa de Formação”. Fui convidado para participar de uma roda de conversa da qual participaram também Frei Paulo Afonso, o leigo Luciano, que há 23 anos coordena os trabalhos ligados à agricultura e à pecuária da Fazenda Santo Antônio na qual se localiza o postulantado, e Dodora Resende, paroquiana atuante na Paróquia são Francisco de Assis, de São João del Rei.

Para o meu depoimento de quinze minutos, me propus a perguntar: Primeiro, o que a Província, na época, pensava e sonhava para essa nova forma de postulantado?  E, em segundo lugar, que questionamentos se podem fazer após estes quarenta anos percorridos.

Para a primeira pergunta, acho oportuno simplesmente transcrever o documento abaixo.

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Para uso do definitório

Postulantado em 85

– Relatório da reunião de 26 a 28.12.83 –

A Comissão Pró-postulantado na Fazenda Santo Antônio, reunida em São João del Rei nos dias 26, 27 e 28 de dezembro de 1983, teve como constantes da pauta dois pontos:

1º – Ideias gerais a respeito do funcionamento de postulantado.

2º – Encaminhamentos para o ano de 84.

1. Ideias gerais

1. 1. Estilo de vida, ordem do dia e ordem do ano

– É difícil prefixar a ordem do dia, mas pensa-se que o horário deverá ser flexível e criativo.

– A ordem do ano dependerá fundamentalmente da variedade de trabalhos e épocas.

– É necessário pensar a presença continuada de pessoas na casa, pois determinados trabalhos não podem ser interrompidos.

– O ano do postulantado não deverá coincidir com o ano escolar. Este deverá ter a duração de 11 meses, reservando-se um mês para as férias. (Cfr. Regimento Interno para os Anos de Formação na PSC).

1. 2. Estudo

– Quanto ao conteúdo, pensa-se em estabelecer algo comum a todos os postulantes, no sentido de não se repetir o que foi estudado no 2º grau, nem se antecipar o que virá no noviciado e estudos posteriores. Daí imaginamos:

. Uma introdução à Filosofia (evolução do pensamento humano)

. Uma introdução à Sociologia (com uma atenção especial aos problemas brasileiros, como os problemas da terra, o sindicalismo etc.)

. Uma iniciação à Teologia (vida religiosa, franciscanismo, história da Igreja; teologia bíblica da terra etc.)

– Quanto ao método, pensa-se introduzir os postulantes em boas técnicas de estudo, em preparação ao estudo superior: círculos de estudo, leitura, pesquisa, debate etc.

– Quanto aos professores, acredita-se que serão os próprios formadores, sem excluir outros confrades ou profissionais técnicos.

1. 3. Trabalho

– Que a comunidade permanente esteja à frente.

– Os trabalhos domésticos sejam assumidos o quanto possível pela própria turma. Imagina-se, por exemplo, uma cozinheira com dois ajudantes formandos para a cozinha; uma lavadeira com dois ajudantes de lavanderia.

– Pensa-se em equipes de trabalho que poderão coincidir com equipes de vida.

– Imagina-se um conselho administrativo.

– Pensa-se em desenvolver horticultura, viveiro de mudas, plantação de milho, arroz, feijão, café etc.; gado leiteiro e gato de corte; suínos, aves, piscicultura; uma área seja reflorestada, talvez com eucaliptos para lenha.

– Comece-se aos poucos e se vá ampliando.

1. 4. Vida de oração

– Introduzir hábitos de oração.

– Oração da manhã nos módulos; oração da tarde ou da noite com todo o grupo na capela.

– Uma boa liturgia dominical aberta ao povo.

– Aproveitar os tempos fortes com criatividade: Natal, Quaresma, Mês de Maio, festas franciscanas etc..

– Leitura bíblica em círculos.

1. 5. Pastoral

– Não se deverá ligar tanto à cidade.

– Pensa-se em desenvolver uma pastoral específica da terra: contatos com as CPTs; manter um boletim (no Almanaque?) informativo sobre problemas de terras e uma assessoria técnica.

– Pensou-se também em desenvolver uma pastoral da juventude.

1. 6. Formadores

– Composição de uma comunidade de professos permanentes e de professos temporários; quatro ou cinco elementos.

2. Encaminhamentos

2. 1. Construções

– Embora alguém da comissão pensasse em uma construção única, optou-se por construção em módulos, levando em conta critérios de educação, de originalidade, de simplicidade, de não desvalorização do patrimônio, de consonância com o tipo de habitação da redondeza.

– Pensou-se em sete módulos, formando um pequeno povoado:

1 módulo para capela

1 módulo para escola

1 módulo para refeitório/cozinha/recreio

1 módulo de moradia para a comunidade permanente

3 módulos para os postulantes

(Ligada à capela ou à escola, pensa-se em uma hospedaria)

– Padrão de construção: cobertura de laje pré-fabricada; piso de lajota 40 x 40, vermelha. No refeitório e cozinha pensa-se em azulejos nas paredes e piso liso para facilitar a limpeza; fogão à lenha. Banheiros: azulejos nas paredes e piso liso. Em todos os módulos, portas e janelas exteriores deverão ser de metalão.

(Obs.: Nosso confrade frei Orlando se oferece para fabricar portas e janelas; também mesas, camas e armários).

– Sugestão para as plantas:

– Os três módulos de moradia para postulantes:

2 dormitórios com 4 camas e armários cada um – + 6 x 3

1 sala de estar/estudo – + 6 x 4

2 banheiros conjugados com os dormitórios

1 varanda de frente – + 4 x 1,5

1 varanda no fundo com pia e tanque

(Área de construção: + 80 m²)

– O módulo de moradia para a comunidade permanente:

5 quartos de 3,20 x 3,20 ou 3,20 x 3

1 sala de recepção

1 sala de estar (recreio/biblioteca/reuniões etc.)

2 banheiros

(Área de construção: + 105 m². A casa da comunidade permanente mantenha o mesmo padrão de construção, de tal modo que não se distanciem formadores e formandos.)

– A escola deverá ter:

1 sala de aulas/reuniões

Espaço para biblioteca (sala de leitura)

Espaço para hóspedes

Banheiros

– O módulo para a cozinha deverá ter:

Refeitório/recreação

Cozinha/copa

Despensa

– A capela

Fazer um projeto mais elaborado (consultar arquiteto; a capela pode ser um símbolo importante)

Que seja de bom tamanho, que comporte não só os estudantes, mas também pessoas de fora.

2. 2. Cronograma

– Verificou-se uma tendência em não começar em 84 com a comunidade de formação.

– Pensa-se no início do postulantado em fevereiro de 1985.

– Início das construções em meados de abril (fora do tempo das chuvas).

– Todos os módulos deverão estar prontos em fevereiro de 1985, exceto a capela.

2. 3.  Localização

– A comissão tende a que se localizem as novas construções na “baixada nº 1” (do outro lado do córrego, visto da sede).

– Construir uma barragem (açude) e uma passagem para a sede, próximo área da construção.

São João del Rei, 28 de dezembro de 1983

A comissão:

Frei Eliseu Tijdink

Frei Francisco Carvalho Neto

Frei José Belisário da Silva

Frei Moisés José Bastos

Frei Rogério dos Santos

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Após quarenta anos, alguns questionamentos

As perguntas podem ser muitas. Faço duas.

Tem ocorrido uma espécie de terceirização na formação, também (poderíamos dizer até especialmente?) no tocante à formação humano-afetiva. Questão: não é próprio do ofício do(s) formador(es), que para isso deve(m) estar capacitado(s), ajudar na integração de todas as dimensões da formação, tendo em vista o cuidado da pessoa que é o vocacionado?

O progresso técnico no plantio e na produção leiteira trouxe melhoria na produtividade da Fazenda Santo Antônio. Quando começamos em 1985, produziam-se trinta litros de leite por dia. Hoje são produzidos dois mil litros por dia. Neste aspecto, portanto, um sucesso! Nos inícios do funcionamento no postulantado em São João del Rei, pensava-se modestamente em produzir o alimento que se consumia e, na medida do possível, buscar o autosssustento. Juntamente com outras causas, porém, a complexificação dos trabalhos relacionados ao campo resultou em distanciamento da comunidade de formadores e formandos do trabalho no campo. Esse fato merece uma reflexão.

A colheita

Quarenta anos da existência do Postulantado da Cruz de São Damião correspondem a quarenta anos do plantio e colheita de culturas anuais.

Em termos humanos, o que se pôde colher? É certo que o humano não pode ser reduzido a números. Estes, porém, podem nos sugerir algumas indicações.

Dos 81 professos solenes que constam no conspecto provincial do presente ano, 53 – ou seja, 65 por cento dos frades da Província – passaram pelo Postulantado da Cruz de São Damião. Dez frades professos temporários estão na formação inicial.

Também os egressos, seja durante o ano do postulantado, seja em etapas posteriores, fazem parte desta colheita. Quantos serão? Não disponho de informação precisa. Penso que podem ser mais de quatro centenas. Que memória guardarão e que frutos terão eles colhido do tempo vivido no postulantado?

A história continua

Concluo com a opinião dos quatro participantes da roda de conversa. Pelos quarenta anos do Postulantado da Cruz de São Damião temos muito mais a agradecer do que a lamentar. Louvado seja Deus e muitos agradecimentos aos que têm participado desta caminhada!