A salvação universal por Cristo e a vida nova (Rm 5–8)

A salvação universal por Cristo e a vida nova (Rm 5–8)

A universalidade da salvação em Cristo e a novidade de vida que dela decorre constituem não apenas o fundamento da fé cristã, mas também a fonte de esperança e renovação para a humanidade inteira.

Frei Dildarlyson Evangelista da Silva, OFM

Nos capítulos 5 a 8 da Carta aos Romanos, São Paulo condensa uma das mais profundas sínteses de sua reflexão teológica: a universalidade da salvação em Cristo e a novidade de vida no Espírito. Ao apresentar Cristo como o novo Adão, o Apóstolo contrapõe a desobediência que trouxe a morte e à obediência que gera vida, revelando que a graça supera radicalmente a realidade do pecado.

 A afirmação central “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20) não é apenas uma máxima espiritual, mas a expressão de uma lógica pascal que transforma toda a existência humana: a história marcada pelo fracasso é assumida e transfigurada pelo amor divino. Nesse horizonte, a redenção não se limita a um ato jurídico de absolvição, mas inaugura uma nova criação, onde o ser humano, pela força do batismo, participa realmente da morte e ressurreição de Cristo.

Trata-se, portanto, de uma experiência existencial e escatológica: o crente já vive no presente a liberdade dos filhos de Deus, mas caminha também na esperança da plena redenção, junto com toda a criação que geme em dores de parto (Rm 8,22). Assim, Paulo proclama que a cruz e a ressurreição não dizem respeito apenas ao destino individual, mas à totalidade da humanidade e até mesmo do cosmos, reconciliados na superabundância da graça.

Sendo assim, a salvação não é fruto de um esforço humano isolado, mas dom gratuito oferecido a todos. O Concílio Vaticano II, na constituição Gaudium et Spes, recorda que “Cristo morreu por todos, e a vocação última do homem é realmente uma só, a saber, a divina” (GS 22). Paulo reafirma essa dimensão universal ao apresentar Cristo como o novo Adão, aquele que, pela obediência até a morte, recria a humanidade, abrindo um horizonte de reconciliação e esperança.

Essa graça, porém, não se limita a uma dimensão jurídica de perdão, mas inaugura uma vida nova, marcada pela liberdade e pela comunhão com Deus. O batismo é descrito por Paulo como participação real na morte e ressurreição de Cristo: “se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele” (Rm 6,8). Assim, a vida cristã não é mera observância externa da lei, mas existência transformada pela ação do Espírito Santo, que habita no coração do crente e o torna capaz de viver segundo o amor.

O Papa Francisco, em sua exortação Evangelii Gaudium, destaca que “o coração do Evangelho é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” (EG 36). É este amor que Paulo proclama em Romanos 8, quando afirma que nada pode separar-nos do amor de Cristo (Rm 8,38-39). A salvação é, portanto, universal em seu alcance e pessoal em sua experiência: todos são chamados a acolher a graça e a viver como filhos no Filho.

Nesse horizonte, a espiritualidade franciscana oferece uma chave fecunda de leitura. São Francisco de Assis contemplava na cruz a revelação máxima do amor divino e, ao mesmo tempo, o chamado à vida nova no Espírito. Para ele, o Crucificado não era apenas objeto de veneração, mas modelo de vida e de configuração existencial.

Como São Boaventura afirma no Próprio da Família Franciscana (p. 49), ao falar da cruz: “Existe uma árvore […] É a árvore da cruz. Porque o Filho de Deus enfrentou a paixão pelos homens […] Se, pois, a cruz é a árvore da graça que nos dá a vida […]”, sem menção a “plantada no coração do crente” nem “fraternidade universal”. Essa visão franciscana está em consonância com a teologia paulina, pois ambas proclamam que a vida nova em Cristo é inseparável do amor que se entrega e que reconcilia.

Por isso, a vida nova que nasce da justificação se traduz em esperança e liberdade. O cristão, reconciliado com Deus, não vive mais sob o jugo do pecado, mas na dinâmica do Espírito, que clama em seu interior: “Abbá, Pai!” (Rm 8,15). Essa filiação adotiva constitui o núcleo da identidade cristã e fundamenta a certeza de que a criação inteira caminha para a plena libertação, em comunhão com aqueles que receberam o dom da graça.

Leonardo Boff enriquece essa compreensão ao afirmar que a salvação é sempre totalizante e integral, estendendo-se muito além da libertação individual. Ele sustenta que essa salvação envolve não só a transformação pessoal, mas também a libertação de estruturas sociais, ambientais e ideológicas, com todas as dimensões da realidade humanas interligadas, anunciando “libertação integral” que se antecipa historicamente e prepara o caminho para a plena realização no Reino de Deus.

Nessa visão, a “vida nova” que o Espírito suscita no crente reverbera em direção à criação inteira, numa lógica cósmica de reconciliação. Assim como Paulo proclama que a criação geme em dores de parto aguardando a revelação dos filhos de Deus (Rm 8,22–23), Boff acrescenta que a salvação em Cristo abre a possibilidade de uma transformação que alcança o humano e o não-humano numa perspectiva de esperança escatológica já iniciada.

Tal perspectiva mostra que a mensagem de Paulo continua atual e desafiadora: viver a salvação não apenas como promessa futura, mas como realidade presente, que transforma a existência e orienta para a comunhão plena com Deus. Dessa forma, o livro de Romanos de 5 a 8 é um hino à graça superabundante, à vida no Espírito e à certeza inabalável do amor divino. A universalidade da salvação em Cristo e a novidade de vida que dela decorre constituem não apenas o fundamento da fé cristã, mas também a fonte de esperança e renovação para a humanidade inteira.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes. In: CONCÍLIO VATICANO II. Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001. p. 251-355.

FRADES MENORES. Próprio da Família Franciscana. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 49.

FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2013.

WIKIPÉDIA. Leonardo Boff. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_Boff. Acesso em: 21 ago. 2025.


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