A Salvação de Israel em Romanos 9–11

A Salvação de Israel em Romanos 9–11

Em síntese, Romanos 9–11 revela o coração da teologia paulina: a salvação é dom universal em Cristo, mas sem anular a eleição de Israel.

Frei Maicon Custódio, OFM [1]

A Carta aos Romanos é a mais elaborada síntese teológica de Paulo. Nos capítulos 9 a 11, o apóstolo enfrenta uma questão central e dolorosa: a incredulidade de grande parte de Israel diante de Cristo. Se Jesus é o Messias prometido e em sua morte e ressurreição se realiza a salvação, como compreender que o povo da Aliança, portador das promessas e da Lei, não o tenha reconhecido? Esse problema não é apenas circunstancial, mas toca diretamente a fidelidade de Deus. Giuseppe Barbaglio observa que nesses capítulos Paulo atinge o ponto mais alto de sua reflexão, em que razão e fé se entrelaçam numa busca de sentido diante do mistério da história da salvação.

O capítulo 9 abre com a confissão pessoal de Paulo: uma dor tão grande que ele mesmo desejaria ser separado de Cristo para que seus irmãos fossem salvos. Israel recebeu dons incomparáveis: a eleição, a Lei, o culto, as promessas e, segundo a carne, o próprio Cristo. Mas, diante da incredulidade, Paulo levanta a questão: teria a Palavra de Deus falhado? Sua resposta é firme: não. A promessa nunca se identificou simplesmente com a descendência biológica. Desde Abraão, a eleição é obra gratuita de Deus e não simples herança de sangue. Barbaglio ressalta que aqui se evidencia a tensão entre a soberania da graça divina e a liberdade humana: Deus escolhe, mas sem anular a responsabilidade do homem.

No capítulo 10, Paulo aprofunda a contradição: Israel tem zelo por Deus, mas falta discernimento. Ao buscar a justiça pela Lei, muitos não reconheceram que Cristo é o cumprimento da Lei e a expressão definitiva da justiça de Deus. A salvação não depende do esforço humano, mas da fé no Ressuscitado: “Porque, se confessares com tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Rm 10,9). Aqui se manifesta o princípio universal da salvação: não há distinção entre judeu e grego, pois todos são chamados a participar do mesmo dom. Para Barbaglio, esse ponto marca uma passagem decisiva: a eleição de Israel não é negada, mas aberta a todos, pois em Cristo a promessa encontra sua plenitude.

O capítulo 11 é o clímax da reflexão. A pergunta inevitável é: Deus rejeitou seu povo? Paulo responde de modo categórico: “De forma alguma!”. Ele mesmo, como judeu que crê em Cristo, é sinal de que há sempre um “resto” fiel sustentado pela graça. Usando a imagem da oliveira, o apóstolo mostra que alguns ramos naturais (judeus incrédulos) foram cortados, e ramos de oliveira brava (os gentios) foram enxertados. Contudo, a raiz continua sendo Israel, e os ramos cortados podem ser reintegrados se crerem. A mensagem é clara: os gentios não devem se ensoberbecer, pois dependem da promessa feita a Israel. Para Barbaglio, essa imagem mostra que a história da salvação não está concluída, mas permanece aberta ao futuro, sustentada pela fidelidade de Deus.

A declaração mais surpreendente surge em Rm 11,25-26: “o endurecimento atingiu uma parte de Israel até que chegue a plenitude das nações, e assim todo Israel será salvo, conforme está escrito: De Sião virá o libertador e afastará as impiedades de Jacó”. Essa frase, interpretada de modos diversos, revela para Paulo uma certeza: o plano de Deus não fracassa. O “todo Israel” não deve ser compreendido em termos quantitativos, mas como afirmação da fidelidade irrevogável de Deus à sua aliança. O atual fechamento de muitos israelitas é provisório, inscrito misteriosamente no desígnio divino, que visa conduzir tanto judeus quanto gentios à mesma salvação. Barbaglio insiste que não se trata de especulação apocalíptica, mas de proclamação de esperança: Deus é fiel e seu desígnio de misericórdia é maior que a recusa humana.

Ao final, Paulo não conclui com uma definição racional, mas com um hino de louvor: “Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos!” (Rm 11,33). A teologia se converte em doxologia: diante do mistério, só resta o louvor. O drama da incredulidade de Israel não significa fracasso da promessa, mas convida à confiança no Deus que conduz a história com sabedoria insondável.

Em síntese, Romanos 9–11 revela o coração da teologia paulina: a salvação é dom universal em Cristo, mas sem anular a eleição de Israel. A incredulidade do povo não é definitiva, e a fidelidade de Deus permanece firme. Como destaca Barbaglio, Paulo nos conduz a perceber que a graça divina supera a lógica humana: a história da salvação é um mistério de misericórdia, no qual judeus e gentios são chamados a participar do mesmo desígnio.

Referências

BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo II. São Paulo: Loyola, 1991.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus Editora, 2002.


[1] Graduado em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco, graduando em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

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