Todos somos chamados à santidade, não como quem se afasta do mundo, mas como quem nele se engaja de forma ativa, levando a força e a alegria do Evangelho.
Frei Oton Júnior, ofm
A concepção tradicional de santidade costuma associar os santos à honra dos altares, como intercessores capazes de realizar milagres quando não temos mais esperança. Suas histórias de vida são marcadas por renúncias e desapego às realidades terrenas: jejuns rigorosos, poucas horas de sono, recusa a diversos prazeres. Uma existência diferente das demais pessoas, aparentemente inatingível e pouco atraente para a maioria.
O Concílio Vaticano II, contudo, ampliou essa compreensão ao afirmar, na Lumen Gentium (LG, cap. V, 39–42), que todos os batizados são chamados à santidade. A Igreja é santa porque Cristo a amou, uniu-a a Si e lhe concedeu o Espírito Santo. Assim, cada fiel — seja leigo, consagrado ou ministro ordenado — é convidado a viver essa vocação, permitindo que os frutos do Espírito se manifestem em sua vida.
Pelo batismo, tornamo-nos filhos de Deus e, portanto, chamados à santidade. Apesar das nossas fraquezas, somos convidados a recorrer à misericórdia divina e a crescer na caridade, entendida como “vínculo da perfeição” que une todos os que buscam viver o amor de Cristo.
Já em 2013, o Papa Francisco havia indicado elementos fundamentais sobre a fé que merecem ser retomados:
“Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela” (Evangelii Gaudium, n. 183).
Essas palavras indicam caminhos concretos para a santidade: vencer a comodidade e o individualismo, empenhar-se na transformação do mundo à nossa volta e fazer a diferença onde estivermos.
Na Exortação Gaudete et Exsultate (GE), o Papa Francisco retoma essa visão ao afirmar que a santidade não está reservada aos canonizados, mas floresce no povo fiel. O Espírito Santo espalha a santidade em gestos simples: nos pais que educam com amor, nos trabalhadores honestos, nos doentes pacientes, nas religiosas idosas que continuam a sorrir. É a “santidade ao pé da porta” (GE 7).
Cada pessoa tem um caminho próprio e único. Não se trata de imitar modelos que não nos correspondem, mas de discernir como Deus age em nós. A graça atua de modos diferentes, e o essencial é deixar-se moldar por ela (cf. GE 11).
Papa Francisco ilustra essa santidade cotidiana com exemplos concretos: uma mulher que evita a fofoca, uma mãe que, mesmo cansada, escuta o filho, alguém que reza em meio à angústia ou que acolhe um pobre com ternura. São gestos simples que constroem um caminho santo (cf. GE 16).
Iluminada pelas bem-aventuranças e pelo Evangelho de Mateus 25, a santidade manifesta-se em cinco traços espirituais: paciência e mansidão, alegria e sentido de humor, ousadia apostólica, vida comunitária e oração constante. Essas atitudes expressam o amor a Deus e ao próximo num mundo frequentemente marcado pela pressa, pelo pessimismo e pelo individualismo.
Ser santo é manter-se firme em Deus, fonte de paz e fidelidade. O cristão paciente suporta as provações, responde ao mal com o bem e vence a agressividade com mansidão. Mesmo nas redes sociais, é chamado à gentileza e à verdade.
A humildade nasce das humilhações aceitas com amor. Suportar injustiças com serenidade é imitar Cristo, cuja cruz revela a humildade do Pai. Dessa firmeza brota uma paz interior que liberta do medo e traz segurança: Cristo é a nossa paz.
O santo é também alegre. Vive com esperança e bom humor, sem amargura. A verdadeira alegria nasce da certeza de ser amado por Deus e da gratidão partilhada com os outros, pois “é mais feliz quem dá do que quem apenas recebe”.
A santidade exige ainda coragem — a parresia evangélica —, a ousadia de anunciar Cristo com ardor missionário. O Espírito Santo nos impulsiona a sair da comodidade e a servir, levando-nos às periferias, onde Deus já nos espera.
Contudo, ninguém se santifica sozinho. A vida comunitária fortalece e transforma; pequenos gestos de atenção e cuidado tornam visível a presença de Cristo ressuscitado.
Por fim, o Papa Francisco destaca que a santidade brota da oração, esse diálogo contínuo com Deus que transforma o cotidiano em encontro com o Senhor. Precisamos de momentos de silêncio e intimidade, como ensina Santa Teresa de Ávila, para escutar a voz de Deus e discernir a Sua vontade.
A oração alimenta a memória agradecida, a intercessão pelos outros e a adoração, reconhecendo que só Deus basta. A leitura orante da Palavra e a Eucaristia unem-nos a Cristo, fonte e cume de toda a santidade.
De nossa parte, cabe nos inspirar na fé DOS SANTOS, isto é, a fé que os impulsionou a agir, a se dedicar completamente, a renunciar a si mesmos e a fortalecer-se na união com Deus. Mais do que simplesmente acreditar NOS SANTOS, o que realmente nos inspira são os seus exemplos de vida, homens e mulheres que seguiram os passos de Jesus.
Afinal, todos somos chamados à santidade, não como quem se afasta do mundo, mas como quem nele se engaja de forma ativa, levando a força e a alegria do Evangelho. Assim, podemos promover a inclusão, oferecer espaço e oportunidade a todos, e viver uma vida verdadeiramente abundante, conforme o desejo do nosso Mestre e Senhor.
 
																				





