No dia 30 de outubro, nossa Pastoral Educativa Franciscana da Conferência Brasil e Cone Sul se reuniu para celebrar o oitavo centenário do “Cântico das Criaturas”
Frei Vitor Vinicios da Silva, OFM [1]
No dia 30 de outubro, nossa Pastoral Educativa Franciscana da Conferência Brasil e Cone Sul se reuniu para celebrar o oitavo centenário do “Cântico das Criaturas” e renovar seu compromisso com uma educação humanizadora e fraterna. Esse momento contou com educadores, alunos e frades de toda a nossa “constelação educativa”, com a certeza de que fazer memória é tomar consciência da nossa missão de levar o sonho de Francisco adiante por meio de uma educação que coloque no centro o Evangelho.
Ao refletirmos sobre o canto de Francisco, nossos educadores e educandos puderam conhecer o “rosto” da nossa Conferência e confirmar a missão de construir uma educação que reconheça a Mãe Terra com tudo aquilo que ela carrega. Nas suas 59 escolas e 3 universidades, a Conferência se torna um eco forte de compromisso na transformação de uma cultura do egoísmo para uma cultura fraterna, pois somos chamados a cuidar do grande jardim que Deus nos confiou. Em profunda união e pertença com a Ordem dos Frades Menores, finalizamos nosso encontro escutando nosso Ministro Geral, Frei Massimo Fusarelli, junto com o nosso Definidor Geral, Frei Cesar Kulkamp e o nosso Provincial responsável pela dimensão educativa da Conferência, Frei Emílio Andrada. Assim, partilhamos as palavras do nosso Ministro Geral, que marcam a nossa caminhada trienal (2025–2027).
SAUDAÇÃO DE ENCERRAMENTO
Encontro online da Pastoral Educativa
Conferência Brasil e Cone Sul
30 de outubro de 2025
Queridos irmãos frades, educadores e estudantes,
O Senhor vos dê a paz!
Saúdo-os com alegria ao final deste encontro de vocês que teve como tema o Cântico das Criaturas de São Francisco. Neste ano celebramos os 800 anos de um texto que continua falando ao coração da humanidade e que parece resumir todo o espírito do Pobrezinho de Assis.
Em 1225, Francisco, quase cego e marcado pelo sofrimento, compôs em São Damião –ao lado de Clara e suas irmãs– este hino extraordinário. É um canto que brota da fé que transforma a fragilidade e a dor em gratidão. Precisamente da escuridão de sua cegueira e do limite da doença, Francisco soube ver e cantar a luz que permeia todas as criaturas.
Preparando este encontro com vocês, perguntei-me: qual pode ser hoje o valor educativo do Cântico das Criaturas para nós que acompanhamos os jovens, para vocês que são educadores e estudantes? Identifiquei três dimensões fundamentais que gostaria de compartilhar com vocês.
1- O SENTIDO DA GRATIDÃO E DO LOUVOR
No Cântico, Francisco contempla o Criador e, à sua luz, todas as criaturas. Não vê tanto objetos para uso do homem, nem uma espécie de divindade difusa por toda parte. Reconhece criaturas, isto é, seres que foram criados, que receberam a vida e continuamente a acolhem. A iniciativa é sempre de Deus, o “Altíssimo, onipotente, bom Senhor”, como canta Francisco.
Dessa consciência brota o sentido de gratidão pela simples existência –a nossa e a de todas as criaturas– e portanto o louvor a Deus por este dom. Como escreve Francisco na Regra não bulada: “Devolvamos ao Senhor Deus, altíssimo e sumo, todos os bens e reconheçamos que todos os bens são seus, e de todos demos graças a ele, do qual procede todo bem”.
Aprender a ser gratos é um caminho de toda a vida e tem um valor profundamente educativo. Significa reconhecer que não bastamos a nós mesmos, que não somos os criadores de nós mesmos, que não somos o centro de tudo. Vivemos em uma cultura muito narcisista e individualista –vemos isso todos os dias, até nos mais altos níveis das instituições. Tirar-nos do centro e reconhecer o que verdadeiramente somos, fazendo-o com gratidão, é um passo educativo fundamental.
O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, retoma precisamente este espírito franciscano quando escreve: “Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e de uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo”.
2- RECONHECER A COMPLEXIDADE DA REALIDADE
No Cântico, Francisco louva as criaturas sempre em pares, em polaridade masculina e feminina: irmão Sol e irmã Lua, irmão Vento e irmã Água, irmão Fogo e irmã Terra. Vê a realidade como pluriforme, não a reduz a um ou dois elementos. Acolhe-a em sua pluralidade e unidade profunda, naquilo que o grande teólogo Romano Guardini chamou de “oposição polar”.
Esta é uma dimensão educativa fundamental para nós hoje. Não reduzir a realidade a opostos: bem e mal, justos e injustos, paz e guerra. Saber captar a complexidade do que existe, as tensões polares que atravessam a vida. Todas as criaturas existem nesta relação recíproca, numa tensão polar que dá vida e faz ver sua riqueza e complexidade.
O risco de um pensamento único hoje é fortíssimo. Deixemo-nos educar pelo Cântico a esta complexidade e, ao mesmo tempo, à simplicidade profunda de toda a realidade. Francisco nos ensina que as criaturas não estão isoladas, mas ligadas numa fraternidade universal. Como escreve na Carta à Família Franciscana para este Centenário: “O Cântico nos convida a uma fraternidade universal que abraça todo o cosmos”. Cada criatura tem uma dignidade própria, não apenas enquanto útil ao homem, mas por seu próprio ser.
3- O PERDÃO E A MORTE: ACOLHER O LIMITE
Toda ação educativa não pode deixar de nos colocar em contato com nossa realidade de criaturas, portanto, de seres limitados e falíveis. Não somos perfeitos nem infalíveis. Acolher este limite, com a frustração que isto comporta, é um caminho muito importante de crescimento ao longo de toda a vida.
São Francisco no Cântico não se detém nas criaturas do cosmos. Compreende nelas a pessoa humana, captada em dois momentos nos quais revela sua fragilidade e, ao mesmo tempo, sua força real: o perdão e a morte.
“Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor
e suportam enfermidade e tribulação.”
Podemos ser feridos e ofendidos, às vezes de modo muito forte e profundo, e podemos permanecer nesta ferida sem sair dela. Francisco nos indica outro caminho: o perdão “por teu amor”, não por fraqueza mas por amor. O perdão se torna então caminho de reconciliação conosco mesmos, com os outros, com a criação e com Deus.
E depois a morte, “nossa irmã a morte corporal”. Podemos rejeitar a morte e querer viver eternamente –talvez graças à ciência e à tecnologia. É difícil enfrentar a morte. Eis que Francisco, ao contrário, nos a apresenta como uma irmã: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal.” Bem-aventurados aqueles que a morte encontra nas “tuas santíssimas vontades”.
Francisco partiu do acolhimento das criaturas como limitadas, mas dom de Deus, e fecha o Cântico com o homem –limitado, frágil, mortal– e precisamente por isso amado profundamente por Deus. Como diz a tradição cristã do Oriente e do Ocidente, a criação canta sempre o louvor de Deus, mas necessita da voz do homem para completar seu canto. Nós somos chamados a ser custódios e voz de toda a criação, com humildade e gratidão.
4- PALAVRAS FINAIS
Queridos irmãos, queridas irmãs, queridos jovens estudantes, o Cântico das Criaturas, nascido do coração de Francisco há oitocentos anos num momento de fragilidade e sofrimento, permanece hoje um programa de vida extraordinariamente atual. Num tempo em que as feridas da terra e o grito dos pobres se fazem sentir com força –como nos recorda o Papa Francisco na Laudato Si’– a voz do Pobrezinho de Assis nos convida a redescobrir a beleza de ser peregrinos e forasteiros neste mundo, custódios e não donos da criação, irmãos e irmãs de todo ser vivente.
Desejo-lhes que deixem ressoar o Cântico das Criaturas em vocês com estas atenções educativas:
– Aprendam a ser mulheres e homens capazes de gratidão, que sabem louvar a Deus pelo dom da vida e de todas as criaturas;
– Sejam capazes de assumir a complexidade e a simplicidade da realidade, superando os dualismos redutivos e reconhecendo a riqueza da diversidade;
– Estejam prontos a reconhecer o limite que temos como criaturas, a acolher a fragilidade, a praticar o perdão e a enfrentar também a morte, para viver verdadeiramente.
Com Francisco aprendemos a acolher toda realidade –da mais luminosa à mais escura– dentro de uma experiência de louvor e de restituição. O Cântico nos ensina que não existem vidas sem sentido, nem criaturas sem voz, nem situações fora da compaixão divina. Tudo está abraçado pela ternura do Pai e tudo pode tornar-se ocasião de louvor. Que esta celebração centenária nos ajude a recuperar o olhar puro de Francisco, capaz de ver além das aparências e de captar a dignidade e a beleza de todo ser. Sejam artesãos de paz, semeadores de reconciliação, custódios da casa comum. Levem às suas escolas, às suas universidades, às suas comunidades, este espírito franciscano que sabe unir contemplação e ação, louvor e compromisso, simplicidade e profundidade.
BENÇÃO FINAL
E agora, ao final deste nosso encontro, invoquemos a bênção do Senhor sobre todos vocês
O Senhor Deus, Altíssimo e Onipotente, que criou o céu e a terra e todas as criaturas, vos abençoe e vos guarde.
O Senhor Jesus Cristo, nosso irmão e Redentor, que se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza, vos ilumine com sua paz.
O Espírito Santo, que renova a face da terra, vos dê a sabedoria do coração e a alegria do louvor.
Por intercessão de São Francisco de Assis, Pobrezinho e cantor das criaturas, o Senhor vos acompanhe sempre no vosso caminho educativo e vos torne testemunhas credíveis de sua bondade.
Sejam abençoados e sejam bênção para os jovens que vos foram confiados!
E que a paz do Senhor esteja sempre convosco!
Louvado sejas, meu Senhor!
Amém.
Fr. Massimo Fusarelli, ofm
Ministro Geral
30 de outubro de 2025
[1] Graduado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino, graduado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e Especialista em Ensino Religioso e Gestão Integradora pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais, IPEMIG.






