Nesta crônica, retoma-se a figura de Ezequiel no contexto do exílio da Babilônia para nos fazer refletir sobre as discussões da COP 30 em andamento.
Frei Oton Júnior, ofm
Ezequiel, o profeta do exílio, chegou à Conferência das Nações sobre o Clima (COP30), em Belém do Pará, sem comitiva. Sua indumentária, embora estranha para os padrões ocidentais, não chamou a atenção da segurança, habituada aos trajes exóticos de conferências internacionais. Alguns o cumprimentaram, confundindo-o com João Batista, mas o registro na lista da COP30 confirmava sua identidade. Questionado se não teria se confundido de cidade, procurando Belém da Judeia, o profeta agradeceu a preocupação, mas garantiu que seu destino era ali mesmo.
Enquanto a maioria dos participantes trazia pastas sofisticadas com papéis timbrados, Ezequiel portava apenas um cajado, calçando sandálias rotas e resistentes. Com seus longos cabelos e barba, conforme o ‘figurino profético’, ele observava a natureza exuberante do Norte do Brasil, com seu calor intenso e águas abundantes. Tomou nota; certamente os rios paraenses lhe despertaram algo profundo.
A missão profética de Ezequiel nunca foi fácil. Coube a ele acompanhar o povo ao exílio na Babilônia (587 a.C.). Antes mesmo de partirem e de verem Jerusalém destruída, recebeu do Senhor Deus a ordem que simbolizava a migração forçada: “Arrumarás a tua bagagem como a bagagem de um exilado, em pleno dia, sob os seus olhares, e ao anoitecer sairás, sob os seus olhares como os que saem para o exílio” (Ez 12, 4).
Já na Babilônia, a 1.200 km de Jerusalém, era difícil manter a esperança do regresso. Ezequiel entende de terra arrasada, de migração e da dor de deixar a pátria, tornando sua presença na COP30 um grande alerta para o futuro da humanidade.
Ele compreende a ira do Senhor, capaz de fazer tudo arder em fogo, como recordou ao descrever o julgamento de Jerusalém: “assim diz o Senhor Iahweh: Como aconteceu com a parreira entre as árvores do bosque, a qual pus no fogo para ser consumida, assim tratei os habitantes de Jerusalém” (Ez 15,6). Ao recordar isso, o profeta certamente se lembrou dos recentes incêndios que tragaram o Pantanal e tantas outras regiões.
Para Ezequiel, o estado da natureza reflete diretamente o relacionamento de Israel com Deus. A visão inicial da Glória Divina (Ez 1) utiliza a natureza para descrever o indescritível, fundindo o cósmico e o terrestre: A majestade divina é introduzida por fenômenos climáticos: um vento tempestuoso vindo do Norte, uma grande nuvem e fogo a revolver-se (v. 4); Materiais naturais descrevem a realeza: berilo, crisólito e safira (v. 16, 26); A aparência da glória do Senhor é comparada ao aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva (v. 28), um símbolo da aliança e da soberania; As criaturas celestiais são descritas com elementos de animais: os quatro rostos (homem, leão, boi/querubim e águia) e pés com a planta do pé de uma bezerra (v. 6, 10).
O profeta recordou a grande decepção do Senhor com Israel, que, embora coberta de cuidado (“Cobri-te com vestes bordadas, calcei-te com sapatos de couro fino, cingi-te com uma faixa de linho e te cobri com seda” (Ez 16,10). O traíra, deixando-se seduzir por outras vozes: “No meio de todas as tuas abominações e prostituições não te lembraste da tua juventude” (Ez 16, 22). Ezequiel descreveu o Exílio profeticamente, como uma ocasião que exigia a conversão de um povo rebelde e pecaminoso que deveria adquirir “um coração novo” (Ez 36,26).
Em suas alegorias, a flora representa o destino das nações. Ao contar a Parábola da Videira (Ez 17), ele utilizou a imagem de uma videira plantada em terra fértil e junto a muitas águas (v. 8) para simbolizar o reino de Judá e suas alianças. O destino da videira, em prosperar ou ser arrancada por águias (potências estrangeiras), espelha o futuro de Israel.
Em outra passagem (Ez 31), ele compara o Faraó do Egito a um magnífico cedro do Líbano, a árvore mais imponente do ‘jardim de Deus’. Essa descrição de grandeza é seguida pela sua queda, mostrando que até mesmo a natureza mais poderosa sucumbe ao julgamento divino (cf. Ez 31, 8. 18).
Contudo, a mensagem final é de restauração. Como sinal de esperança, Deus promete plantar um pequeno rebento de cedro no alto de uma montanha, que se tornará um cedro majestoso, servindo de morada para toda espécie de aves (cf. Ez 17,22-24), um símbolo da restauração do reino de Davi.
Quando chegou a sua vez de falar na Conferência do clima, o som de seu cajado, demarcando passos ritmados, chamou a atenção. Após tocar o microfone, ele começou lembrando a importância das águas, que por onde passam, derramam vida por todo canto:
“Aonde o rio chegar, todos os animais que ali se movem poderão viver. Haverá peixes em quantidade, pois ali desembocam as águas que trazem saúde; e haverá vida aonde chegar o rio. Nas margens junto ao rio, de ambos os lados, crescerá toda espécie de árvores frutíferas; suas folhas não murcharão e seus frutos jamais se acabarão: cada mês darão novos frutos, pois as águas que banham as árvores saem do santuário. Seus frutos servirão de alimento e suas folhas serão remédio” (Ez 47, 9.12).
A voz de Ezequiel foi ouvida em profundo silêncio. Ao terminar, não foi aplaudido, mas deixou todos atônitos, pensativos sobre o futuro. Assim como alertou sobre o risco do exílio em sua época, ele agora levanta a voz para alertar sobre o futuro do Planeta. Se seu clamor será ou não ouvido, veremos nos desdobramentos da COP 30.






