Próximo ao encerramento do ciclo litúrgico do ano C, e caminhando rumo ao encerramento do Jubileu da Esperança 2025, vemos que a liturgia tem nos brindado com a leitura contínua do Evangelho segundo São Lucas.
Frei Sidinei Braz Jeronimo, OFM*
Próximo ao encerramento do ciclo litúrgico do ano C, e caminhando rumo ao encerramento do Jubileu da Esperança 2025, vemos que a liturgia tem nos brindado com a leitura contínua do Evangelho segundo São Lucas, o que nos inspira a um pequeno estudo sobre o autor do terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos. O apóstolo Paulo o chama de “o médico amado” (cf. Cl 4,14), ressaltando a proximidade e a amizade que marcaram sua missão conjunta. Mais que um simples cronista, Lucas foi um teólogo da esperança, que soube ler na vida de Jesus e da comunidade nascente a presença fiel de Deus pela ação do Espírito Santo. Vale a pena vermos alguns aspectos de sua teologia.
O Evangelho segundo Lucas, bem como os Atos dos Apóstolos, tem um caráter historiográfico, mas vale ressaltar que não se trata de história no sentido moderno do termo. Sua preocupação não é a de trazer o fato nu e cru, mas apresentar dentro de um contexto de época uma catequese, como podemos encontrar nas seguintes citações: “a mim também pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo desde o princípio, escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste” (Lc 1,3-4); ainda: “Compus meu primeiro relato, ó Teófilo, a respeito de todas as coisas que Jesus fez e ensinou desde o início” (At 1,1). O destinatário de tais escritos somos todos nós, os “amigos de Deus”, que nos colocamos à disposição de seguirmos os passos de Jesus, da manjedoura (cf. Lc 2,7) à cruz (cf. Lc 23,47), para assim experimentarmos juntos a sua ressurreição, que deve fazer arder nos nossos corações (cf. Lc 24,32). Os Atos dos Apóstolos são a concretização desse seguimento, agora como Igreja que se coloca a caminho.
Para melhor compreensão da leitura dos escritos lucanos é preciso que nos atentemos a algumas chaves de leitura, as quais julgamos indispensáveis, a saber: I) a salvação universal “eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo- Senhor, na cidade de Davi” (Lc 2,10-11) e ainda: “não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” (At 4,11); II) a dimensão missionária preparada pelo próprio Jesus, que envia seus discípulos a pregar o Evangelho e a curar as doenças dos demais (cf. Lc 9,1-6; 10,1-12; 14,15-24; 24,47-48); III) o protagonismo do Espírito Santo “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra” (Lc 1,35). Esse mesmo Espírito conduzirá Jesus para o deserto (cf. Lc 4,1); o fará regressar para a Galileia (cf. Lc 4,14); o ungirá para a missão (cf. 4,18) e o fará vibrar de alegria, quando vir os pobres aceitando a Palavra de Deus (cf. 10,21), por fim, será a promessa do Ressuscitado à comunidade unida (cf. 24,49), cuja realização se dará no relato de Pentecostes “e todos ficaram repletos do Espírito Santo” (At 2,4a), daí em diante a Igreja nascente contará com a presença perene desse Espírito, que outrora movia Jesus e hoje move todo aquele que se abre ao seu projeto; IV) Deus é misericórdia “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36); V) Atenção aos pobres concretos, não apenas em espírito “bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus” (Lc 6,20b) os seguidores do “Caminho” seguiram com fidelidade esse ensinamento, pois, “todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo a necessidade de cada um” (At 2,44-45); VI) por fim, outro grupo que teve um destaque muito especial para Lucas foi o grupo das mulheres. É possível notar a relação de Jesus com as mulheres como uma relação de proximidade e confiança. Jesus permite que elas se aproximem dele “e, ficando por detrás, aos pés dele, chorava; e com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobrí-los de beijos e a ungí-los com o perfume” (Lc 7,38), outras tantas o seguiam junto com os 12 (cf. Lc 8,1-3) e serão elas, mais tarde, as testemunhas da ressurreição (cf. Lc 24,1-8), e permanecerão firmes aguardando o cumprimento da promessa “unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele” (At 1,14).
Assim podemos concluir que São Lucas evangelista buscou, ao longo de sua vida trazer presente, a partir de sua acurada pesquisa, os elementos mais importantes da vida de Jesus desde sua anunciação à sua ascensão aos céus. Tanto o Evangelho quanto os Atos dos Apóstolos nos apresentam um itinerário ao qual devemos seguir. O interessante é que o livro dos Atos não se fecha, o seu final está em aberto, pois, somente quem traça o Caminho proposto nos textos sagrados poderão no fim assumir o papel de apóstolo, propagador dessa Boa-Nova, que sempre se renova. Não percamos a esperança, sigamos firme em busca de vivermos hoje o Atos 29!
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2016.
CASALEGNO, Alberto. Lucas: a caminho com Jesus Missionário. São Paulo: Loyola, 2003.
FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991.
FONSATTI, José Carlos. Introdução aos quatro Evangelhos. Petrópolis: Vozes. 2022 (Coleção Introdução à Bíblia)
* Bacharel em Filosofia pela Faculdade Dom Luciano Mendes de Almeida; graduando em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.






