O banquete da vida anunciado pelo Senhor Ressuscitado e perpetuado na comunidade cristã é a celebração de irmãos e irmãs que se reúnem na amizade, no acolhimento, na reciprocidade das diferenças, para celebrarem juntos.
Frei Oton Júnior, ofm
A celebração da Ressurreição do Senhor é o grande anúncio cristão ao longo dos tempos. A partir dela, homens e mulheres de diferentes raças e culturas, tempos e mentalidades, se uniram na grande esperança de um Novo Céu e Nova Terra.
As narrativas evangélicas tentaram, mesmo às apalpadelas, descrever tamanha exultação. Várias passagens descreveram o encontro com o Ressuscitado numa ação de comer e beber (Jo 21,5). Esta seria uma das provas da veracidade da Ressurreição: não se tratava de um fantasma, mas de alguém que, mesmo vencedor da morte, se solidariza com o gênero humano e, com ele, quer comer e beber.
Mas Jesus já havia comparado o Reino de Deus a um banquete. Numa das passagens (Mt 22, 1-14), o Senhor prepara a festa, convida as pessoas que lhes são caras, mas dada a recusa dessas, abre sua casa para convivas que não faziam parte da lista de convidados. Num dos episódios de despedida, Jesus reuniu os seus discípulos numa ceia, com a recomendação de que todas as vezes que se reunissem, o fizessem em sua memória (1Cor 11,24). Podemos lembrar ainda da recomendação: “quando deres um banquete, não convides quem possa te retribuir…” (cf. Lc 14,13-14)
Estes e outros exemplos mostram como a comensalidade é um traço característico da comunidade cristã. Porém, não basta que cada um sacie a si mesmo, que cada um pegue aquilo que lhe apetece e vá comer sozinho, isolado dos demais. O que Jesus insiste é que a ação de comer e beber se faz em comunidade, em grupo, na alegria compartilhada. Ainda hoje quando festejamos, as melhores festas são aquelas em que há um clima de amizade entre as pessoas e o comer e o beber se complementam.
Tendo celebrado ao longo da Quaresma a Campanha da Fraternidade, neste ano nos deparamos com a triste realidade da fome, que rompe todo este círculo de alegria e festividade. A fome é o último degrau na escala de perda de direitos, por isso o empenho pela erradicação da fome se torna uma tarefa de todos, afinal, na sociedade, alguns estão festejando, exultantes e outros estão do lado de fora, assistindo os que se banqueteiam. Para o Papa Francisco, “a respeito de tais crises que fazem morrer à fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome, reina um inaceitável silêncio internacional” (Fratelli Tutti, n. 29).
Celebrar a vida nova da Páscoa significa unirmo-nos numa só mesa para comer e beber juntos no dom da diversidade, da fraternidade e da mútua ajuda.
Nas elites sociais, com uma certa frequência as festas são organizadas com o objetivo de causar inveja nas demais pessoas. O motivo é a ostentação, e não a celebração gratuita de uma ocasião.
Durante a Copa do Qatar (2022), assistimos alguns jogadores e ex-jogadores brasileiros se deliciando com pedaços de carne banhados a ouro, num valor de nove mil reais o quilo. Os especialistas em arte culinária disseram que o ouro não estraga o sabor da carne, mas também nada lhe acrescentam. Então, resta saber qual o motivo de tal atitude, a não ser o exibicionismo de saber que outras pessoas não têm essa possibilidade. Não basta comer um pedaço de carne de nove mil reais, é preciso postar nas redes sociais e fazer uma ampla divulgação, a fim de que as pessoas saibam o que aconteceu. Não teria graça nenhuma comer carne banhada a ouro sem que as demais pessoas soubessem!
O banquete da vida anunciado pelo Senhor Ressuscitado e perpetuado na comunidade cristã é a celebração de irmãos e irmãs que se reúnem na amizade, no acolhimento, na reciprocidade das diferenças, para celebrarem juntos. Por isso, um banquete só tem motivo de ser feito se nele houver o que comer, mas sobretudo, pessoas que compartilham da mesma ocasião.
Assim vivemos a exultação Pascal. Queremos ser discípulos e discípulas do Senhor, com a responsabilidade, a vocação e a missão de fazer da vida um Grande Banquete, em que todos são convidados a participar. A Eucaristia, neste sentido, se torna uma ocasião de celebração da fé e de empenho para que a vida em abundância se torne realidade na vida de todos os filhos e filhas de Deus.
Que o Senhor Deus nos conceda a graça e o dom de festejarmos juntos, de brindarmos juntos, de comermos, de nos alegrarmos e celebrarmos na grande Festa da Vida, que será plena quando estivermos frente a frente com o Senhor Deus, mas que já se prenuncia no hoje de nossa história.
Celebrar a Páscoa é poder nos abraçar, nos acolher, comermos e bebermos juntos, numa festa que não tem hora para acabar, afinal, nada melhor do que estar junto de pessoas felizes, fraternas e acolhedoras.