Nesta semana estamos celebrando a Semana da Família, uma boa ocasião para refletir, rezar, tomarmos tempo para considerar esta importante estrutura da sociedade.
Frei Oton Júnior, ofm
Nesta semana estamos celebrando a Semana da Família, uma boa ocasião para refletir, rezar, tomarmos tempo para considerar esta importante estrutura da sociedade. Brevemente e de maneira limitada, façamos algumas considerações a respeito da realidade familiar em nossos dias, propostos pela Exortação Amoris Laetitia.
A Exortação é fruto do Sínodo da Família, realizado em 2014 e 2015. Sem dúvida, é um dos textos mais inspiradores dos últimos anos. À época, houve grande expectativa e também grande receio a respeito de quais seriam as novidades apresentadas pelo Papa Francisco. Talvez possamos dizer que todos ficaram frustrados, tanto os que esperavam um texto revolucionário quanto os que achavam que nada iria mudar.
Amoris Laetitia retoma a tradição da Igreja, mas a vê com os olhos atentos à realidade atual das famílias, com suas alegrias e angústias. Um primeiro elemento que podemos recordar é a abertura para a realidade cultural das famílias, afinal, desconsiderar isso seria imaginar uma família ideal, abstrata. Francisco se mostra atento a essas diferenças. Vejamos textualmente: “Naturalmente, na Igreja, é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela”. E continua: “Em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais. De fato, as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral, se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado” (Amoris Laetitia, n. 3).
Esse argumento fora apresentado por Francisco na conclusão do Sínodo. Na ocasião, o Papa argumentou assim: “A inculturação não debilita os valores verdadeiros, mas demonstra a sua verdadeira força e a sua autenticidade, já que eles se adaptam sem se alterar, antes transformam pacífica e gradualmente as várias culturas” (FRANCISCO, 24. 10. 2015).
Ainda ligado a essas questões, o Papa esclarece que não é papel do Sínodo ter respostas aplicáveis a todos os casos. E prossegue: “uma vez que o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos, as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos” (Amoris Laetitia, n. 300).
As consequências de uma tal mentalidade dão abertura para perceber que o projeto de Deus a respeito das famílias não obedece a um modelo único, excludente, mas reconhece que cada lugar, cada povo, cada período é chamado a dar respostas ao chamado de Deus.
Um segundo aspecto que podemos recordar é que Amoris Laetitia não vê as famílias como algo pronto, mas uma realidade em construção. Isso é importante de ser considerado, para não soar como um fardo pesado. Sobre isso podemos lembrar o número 122: “não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimônio como sinal implica um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus”.
Pessoas limitadas terão uma união limitada, mas com o convite de empreender um caminho juntos. Repare como as palavras finais da frase acima indicam justamente algo em movimento: ‘processo’, ‘dinâmico’, ‘avança’, ‘gradualmente’, ‘progressiva integração’.
Vamos considerar agora uma palavra grafada entre aspas, que se tornou um modo eloquente para demonstrar como Francisco considera tais situações. Trata-se do subtítulo relacionado aos números 196 em diante, no qual se lê: “O discernimento das situações chamadas ‘irregulares’”, sendo que a palavra ‘irregulares’ está entre aspas, o que sugere que essa expressão, embora adotada, não é a melhor para descrever as situações que não estão plenamente conforme o script eclesial. E recorda Francisco: “O caminho da Igreja não é o de condenar eternamente ninguém (…). Porque a caridade verdadeira é sempre imerecida, incondicional e gratuita”. E conclui convidando a considerar sempre a complexidades das situações: “Por isso, temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição (Amoris Laetitia, n. 296).
Concluamos com mais uma citação direta de Francisco: “Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam a sua vocação e continuam para diante, embora caiam muitas vezes ao longo do caminho”. (…) Partindo das reflexões sinodais, não se chega a um estereótipo da família ideal, mas um interpelante mosaico formado por muitas realidades diferentes, cheias de alegrias, dramas e sonhos” (Amoris Laetitia, n. 57).
Considerar a realidade das famílias hoje em dia nos faz girar o pescoço e perceber que na pluralidade das formas deverá haver sempre o desejo sincero de cultivar o amor, a doação, a fidelidade, o projeto de vida. Parafraseando o Apóstolo: a realidade é plural, mas o Espírito é o mesmo.
Referência
FRANCISCO, Discurso na conclusão da XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (24.10.2015)
FRANCISCO, Exortação Apostólica Pós-sinodal Amoris Laetitia: sobre o amor na família, 2015.