Trata-se da profecia de Ezequiel, homem de família sacerdotal, que conheceu a dor do Exílio na Babilônia, onde foi chamado por Deus para agir como profeta em 593 a.E.C., atuando até 572 a.E.C, quando foi assassinado.
Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]
O texto sobre o qual vamos refletir é Ez 36,23-28. Trata-se da profecia de Ezequiel, homem de família sacerdotal, que conheceu a dor do Exílio na Babilônia, onde foi chamado por Deus para agir como profeta em 593 a.E.C., atuando até 572 a.E.C, quando foi assassinado.
Visto que o mês da Bíblia deste ano, setembro, seja dedicado à reflexão do livro de Ezequiel, gostaria de dar a conhecer a profecia e o profetismo de Ezequiel e perguntar se valeu a pena, isto é, o sofrimento, o sacrifício de Ezequiel ao profetizar, no sofrimento em terras babilônicas? A profecia morreu? Vale a pena profetizar, hoje?
O texto proposto para a leitura de hoje é a palavra de esperança dita por Ezequiel diante de tantas injustiças cometidas pelos judeus exilados, de modo especial suas lideranças, as quais foram levadas para a Babilônia, juntamente com ele, a mando do rei Nabucodonosor, o Grande (605 a 562 a.E.C.). Ezequiel acredita que a intervenção do Senhor criará um céu e uma nova terra, dará ao ser humano um coração novo, pois Ele porá o seu Espírito no íntimo de cada um, e uma “Nova Aliança” será feita com o povo (36, 26-28).
A profecia de Ezequiel
Ezequiel fez várias denúncias, a saber: tribunais com juízes que agem por suborno (Ez 22,12), promulgando sentenças criminosas (7,23); a cidade de Tiro, que abandona Jerusalém na defesa contra os babilônios (26); o império egípcio (29); a idolatria (18,5); o roubo (18,7.12.16.18; 22,29); assassinatos (7,23); luxo e riqueza como fruto da opressão do próximo (22,12); ânsia por enriquecimento (33,31); chefes (22,27), reis (34) e autoridades (22,6); sacerdotes (22,26); falsos profetas (22,28); Falsas Profetisas (13,17-23).
Ezequiel crê que Deus vai agir depondo as autoridades e ocupando Seu lugar. Um novo Davi assumirá a Sua representação na terra (34; 45,8). O Senhor julgará o seu povo (39,21-29). O “Dia do Senhor” será de ira (22,24). Por fim, Ezequiel propõe como solução para tantos problemas a purificação do povo e o consequente recebimento de um novo coração e um novo espírito (11,19).
Ez 36,23-28 diz que Deus vai mostrar a sua santidade, de modo que todos os povos possam saber quem Ele é. Deus vai tirar o seu povo do exílio babilônico, vai conduzi-lo de volta à terra da promessa, purificá-lo de todas as impurezas e idolatria. Seu coração de pedra será arrancado. Um coração novo, de carne, lhe será dado. De volta para a terra dos pais, os exilados novamente voltarão a ser o seu povo, e Ele, seu Deus.
Vale a pena profetizar?
Ezequiel, assim como os profetas, cada um no seu contexto, num espaço de 800 anos, de Gad/Natan (1010 a 970 a.E.C.) a Daniel (ano 200 a.E.C.), denuncia, apresenta solução e espera. Cada profeta, atento aos problemas da sua sociedade, o que lhes era peculiar, soube, com base nas propostas da aliança feita com o Senhor, apresentar uma solução. Cada profeta vive um momento histórico diferenciado. Por isso, eles divergem na leitura da realidade e das soluções apresentadas. A história incorpora essa realidade. Todo projeto por eles apresentado analisa a realidade, critica-a e projeta uma esperança. Ao negar a esperança, paradoxalmente o profeta cria esperança. Esta nasce de uma realidade de morte e de injustiça. O povo toma consciência da situação e cria algo de novo. A esperança é, pois, realista e condicionada ao Deus que liberta. Voltemos à pergunta inicial: Ezequiel, valeu a pena a sua profecia?
A profecia é a Teologia da História. É o desejo de sempre construir a libertação de um povo, de sistemas e de pessoas. Profecia é a Palavra de Deus no meio do povo. Difícil, no entanto, é distinguir a palavra humana da palavra divina. Muitas vezes, elas se misturam na história.
O profetismo bíblico inspirou o profetismo na Igreja. Observando a história da Igreja, percebemos várias nuanças do profetismo na vida dos monges do deserto, nas inúmeras congregações religiosas, nas divisões eclesiais (protestantismo, pentecostalismo etc.), na vida do clero e dos leigos.
As igrejas necessitam de profetas para manter-se no caminho de Deus. Os profetas e profetisas, normalmente não assumem cargos de direção, mas cumprem a difícil tarefa de manter a direção eclesial no caminho. Assim, esses dois grupos são importantíssimos para a vida eclesial. No entanto, é lamentável quando o poder hegemônico silencia os profetas.
A sociedade civil necessita de profetas para sobreviver. Inspirados na fé recebida na comunidade, muitas lideranças civis políticas se deixam guiar pelos princípios da ética, o que os leva a denunciar as situações de injustiça. A maioria, não! Por isso, para que tanta denúncia desde os tempos bíblicos, se nada mudou? As sociedades continuam injustas nas suas estruturas.
Valeu a pena profetizar? A profecia valeu a pena porque a palavra profética deu fruto ao longo da história. Ela continua sempre atual. A esperança profética não pode morrer. A esperança é o combustível de todo e qualquer ser humano. Quem perde a esperança deixa de viver. Mesmo que estruturas não mudem, não podemos deixar de esperar num outro mundo possível. Homens e mulheres novas renascem a cada dia. E mesmo que eles envelheçam e voltem para o nada, há de se esperar sempre.
O profeta é o ser humano da crise, do sofrimento. Os profetas não são compreendidos nas suas ações e palavras proféticas, pois estão sempre além do tempo e das pessoas. Conseguem ver o que os outros não veem, por estarem sempre mergulhados em uma eterna crise, neles e nos outros.
A palavra e força unem-se na ação profética. Uma palavra bem-dita derruba barreiras, alimenta sonhos, impulsiona a esperança. Ela não dá a casa pronta, o pão, mas ensina como buscá-lo. Em contrapartida, uma palavra maldita põe tudo a perder. Ela destrói esperanças. A palavra profética é sempre bem-dita. Por isso, ela é eterna, no sonho e na conquista. Temos que esperar sempre! Temos que ser profetas sempre, mesmo que o tempo não seja para tanto.
Referências
SICRE, José Luís. Profetismo em Israel. Petrópolis: Vozes, 1996.
FARIA, Jacir de Freitas. Profetas e profetisas na Bíblia: história e teologia profética na denúncia, solução, esperança, perdão e nova aliança. 4a. Reimpressão. São Paulo: Paulinas, 2024.
[1] Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de doze livros e coautor de quatorze. Destaque para: O medo do inferno e arte de bem morrer: da devoção apócrifa da Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte, Petrópolis: Vozes, 2019. Último livro: Os murais do Santuário de Santo Antônio, de Divinópolis (MG) na perspectiva do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus. Belo Horizonte: Província Santa Cruz, 2024. Caso se interesse por aulas sobre Bíblia e apócrifos, inscreva-se no nosso canal no YouTube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos ou https://www.youtube.com/c/FreiJacirdeFreitasFariaB%C3%ADbliaAp%C3%B3crifos