Celebrar o dia das crianças é fazer festa, ver a vida com leveza e graciosidade, bem como empenhar-se para que seus direitos e garantias fundamentais sejam devidamente asseguradas.
Frei Oton Júnior, ofm
A celebração do Dia das Crianças, assim como outras datas, veio cooptada pela economia de Mercado, com a máxima de que “amar é dar presentes”. Nessa ocasião, são valorizadas a beleza do ser criança, a ingenuidade, a criatividade, as risadas gratuitas, a bateria que nunca descarrega. De outra sorte, constatamos ainda hoje as grandes violações de seus direitos, a difícil realidade do trabalho, do estudo, já na mais tenra idade. As reflexões a respeito das crianças podem tomar os mais diferentes rumos. O que aqui segue é apenas um desses.
Para início de conversa, devemos ter presente que a infância, assim como a entendemos é uma ‘invenção’ recente, pois em perspectiva histórica, as crianças eram consideradas como “adultos em miniaturas”. Nas pinturas, muitas imagens de crianças eram na verdade rostos adultos diminuídos, de forma desproporcional.
Biblicamente, o grande número de filhos era sinal da bênção de Deus: “Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá” (Sl 127,3). De Jesus, conhecemos as passagens: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E quem receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim recebe” (Mateus 18,3-5); “Deixai vir a mim as criancinhas, e não os impeçais, porque delas é o Reino dos Céus” (Mt 19,14); no evangelho de Marcos Jesus é visto também acolhendo as crianças (Mc 10,16). As mulheres e as crianças são pessoas que não contam, o que indica que a figura principal da sociedade era o homem
Da parte da Igreja, perto da Idade Média já havia uma insistência de valorizar as crianças como símbolo da pureza e da inocência. “Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. (…) É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo”. (Ariès, Philippe, História Social da Criança e da Família, Zahar, 1978, p. 50).
No caso de Francisco de Assis, ao representar o nascimento do Menino Deus no presépio, em Greccio, está na contracorrente com a mentalidade da época, em que as crianças não eram reconhecidas socialmente, e mesmo a representação do Menino Jesus estava em baixa. “Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê sem vida, que despertou quando o santo chegou perto. E essa visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato esquecido em muitos corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua lembrança” (1Cel 86).
Disse o Santo: “Quero lembrar o Menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e contemplar com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro” (1Cel 84, 8).
Na Idade Média, as crianças eram valorizadas como ajudantes da casa. Um garoto poderia morrer a qualquer momento e emocionalmente as pessoas não estavam muito ligadas a ele. A maioria das mães, especialmente em famílias nobres, imediatamente dava o bebê aos cuidados de um babá após o nascimento. E quando a criança ficava um pouco mais velha, ela imediatamente começava a trabalhar sem que houvesse maiores preocupações acerca de sua idade ou capacidade de trabalho (cf. Ariès, 1978).
A partir do século XV, houve uma “descoberta” da infância, reconhecendo a necessidade de tratamento diferenciado e proteção. Filósofos como John Locke e Jean-Jacques Rousseau propuseram novas ideias sobre a educação, defendendo que as crianças deveriam ser educadas de acordo com suas necessidades e características.
Do século XVIII em diante, a infância passou a ser reconhecida como uma fase com particularidades. O sentimento de infância começou a emergir, e a educação e a saúde das crianças tornaram-se preocupações centrais. A família começou a se organizar em torno da criança, reconhecendo sua importância.
No século XIX, com a urbanização, muitas crianças foram forçadas a trabalhar em fábricas em condições precárias, levando a movimentos sociais que lutaram pelos direitos das crianças e pela educação universal. A legislação começou a proibir o trabalho infantil e a promover a educação formal.
No século XX, a infância foi reconhecida como uma fase de desenvolvimento crucial. Instituições de ensino foram criadas, e leis foram implementadas para proteger as crianças. O trabalho de psicólogos como Sigmund Freud, Jean Piaget e Vygotsky contribuiu para a compreensão do desenvolvimento infantil.
Na atualidade, a infância continua a ser um campo de pesquisa e debate, abordando questões como tecnologia, violência, educação inclusiva e saúde mental. Os direitos da criança começaram a ser formalmente reconhecidos no século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, quando a conscientização sobre a necessidade de proteção e cuidados especiais para as crianças aumentou. Podemos lembrar alguns marcos importantes na história dos direitos da criança:
Declaração dos Direitos da Criança (1924): A primeira declaração internacional sobre os direitos das crianças. Essa declaração reconheceu que as crianças precisam de cuidados e proteção especiais e enfatizou a importância do bem-estar infantil. Em 1959, A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a segunda declaração, que consistia em 10 princípios que defendiam os direitos das crianças à educação, saúde, proteção contra a exploração e a possibilidade de se desenvolverem plenamente.
Convenção sobre os Direitos da Criança (1989): Um marco fundamental na proteção dos direitos da criança, a Convenção foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. A Convenção estabelece direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais para crianças. É um tratado internacional que exige que os países signatários implementem esses direitos em suas legislações nacionais.
Desde então, muitos países implementaram legislações e políticas públicas baseadas na Convenção, buscando proteger e promover os direitos das crianças. Apesar dos avanços, desafios significativos persistem em várias partes do mundo, como a pobreza, a violência, a exploração e a falta de acesso à educação de qualidade.
No Brasil, a proteção e promoção dos direitos das crianças são garantidas por uma série de órgãos e instituições que atuam em diferentes níveis de governo e sociedade, dentre os quais, podemos destacar:
1. Conselhos Tutelares: instituições autônomas que têm a missão de zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Eles são responsáveis por atender e aconselhar crianças e adolescentes que estejam em situações de risco, bem como garantir que seus direitos sejam respeitados.
2. Secretarias de Assistência Social: em nível municipal e estadual desenvolvem programas e políticas públicas voltadas para a proteção social das crianças e adolescentes. Elas são responsáveis pela implementação de ações de apoio, como programas de atendimento, acolhimento e inclusão social.
3. Ministério da Justiça e Segurança Pública: Por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública atua na formulação de políticas e na articulação de ações para a promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
4. Ministério da Educação: O Ministério da Educação é responsável pela formulação de políticas educacionais que garantem o acesso à educação de qualidade para todas as crianças e adolescentes, além de promover a inclusão e a equidade no sistema educacional.
5. Defensoria Pública: A Defensoria Pública atua na defesa dos direitos dos cidadãos que não têm condições de pagar um advogado. No caso de crianças e adolescentes, a Defensoria trabalha para garantir o acesso à Justiça, protegendo os direitos dos menores em situações de vulnerabilidade.
6. Sistema de Justiça: O Poder Judiciário, através de Varas da Infância e Juventude, cuida das questões que envolvem a proteção e os direitos das crianças e adolescentes, como guarda, adoção e medidas de proteção.
7. Organizações Não Governamentais (ONGs): Diversas ONGs atuam na defesa e promoção dos direitos das crianças, oferecendo programas de assistência, educação, saúde e proteção. Elas são importantes parceiras na implementação de políticas públicas e no apoio a crianças em situação de vulnerabilidade.
8. Comitês e Redes de Proteção: Comitês e redes locais de proteção à criança e ao adolescente são formados por diversas instituições, incluindo escolas, saúde, assistência social, e ONGs, que trabalham em conjunto para monitorar e garantir os direitos das crianças em suas comunidades.
No Caso da Igreja Católica, os últimos pontificados todos insistiram sobre a importância da proteção das crianças e adolescentes sobretudo contra os diversos tipos de abusos a que estas eram submetidas.
Na Província Santa Cruz, a proteção e a educação de crianças e adolescentes são implementadas sobretudo pela Associação Franciscana de Educação e Assistência Social, (que inclui o Colégio Santo Antônio, as creches CESFRAN e CESCLAR, bem como duas unidades do Centro de Apoio Escolar), e a Associação Irmão Sol, que acolhe crianças e adolescentes vulneráveis, com cinco casas em Belo Horizonte.
Celebrar o dia das crianças é fazer festa, ver a vida com leveza e graciosidade, bem como empenhar-se para que seus direitos e garantias fundamentais sejam devidamente asseguradas.