A aventura de Frei João de Pian del Cárpine rumo aos Tártaros Mongóis

A aventura de Frei João de Pian del Cárpine rumo aos Tártaros Mongóis

Podemos ressaltar a importância de seu trabalho de expansão do franciscanismo em direção o mundo oriental.

Por: Frei Hilton Farias de Souza, OFM

Imagem de capa: The Great Khan – Photo by Unknown – Licenced under CC PD Mark

Introdução

Este texto quer se ocupar de João de Pian del Cárpine, figura importante do franciscanismo, ainda próximo a Francisco de Assis, e que teve um papel fundamental na divulgação e “implantação da novidade minorítica”, sobretudo, através da via do oriente.

Um marco importante, neste sentido, foi com certeza o Capítulo das Esteiras de 1221, em que se tomou uma decisão importante: enviar uma missão organizada à Alemanha, e João de Pian del Cárpine fazia parte deste grupo de pioneiros.

O texto seguirá três etapas: a primeira será a tentativa de reconstruir a figura de João  de Pian del Cárpine, partindo do seu dinamismo missionário em terras Alemãs, através da narração do cronista Jordano de Jano.

A segunda deverá acompanhá-lo na sua função como legado pontifício, em meio aos Tártaros Mongóis, “missão” difícil, mas que contribuirá futuramente para a entrada dos frades no oriente.

A última será dedicada a sua obra “Historia Mongalorum”, importante para se conhecer a estrada para o oriente, ainda desconhecida do mundo europeu ocidental da época.

Finalizando com uma conclusão, que colherá alguns elementos deste caminho, de um melhor conhecimento e enriquecimento da figura de um frade da primeira geração franciscana, que provavelmente havia conhecido Francisco de Assis.

1. A figura de João de Pian del Cárpine.

1.1 Quem  foi João de Pian del Cárpine?

As informações acerca de Frei João são poucas, sobretudo, antes do seu envio em missão à Alemanha, em 1221. A partir desta data, temos alguns elementos importantes documentados nas Crônicas dos frades: Jordano de Jano e de Salimbene de Adam.

João nasceu em Pian del Cárpine (Magione), na região de Perugia, provavelmente em torno a 1190, e foi um dos primeiros companheiros de Francisco de Assis [1].

1.2 Missionário em terra Alemã .

No final do Capítulo das Esteiras, celebrado a 23 de maio de 1221, em Assis, uma decisão importante foi tomada por iniciativa de Francisco[2]: o envio à Alemanha de um grupo de 90 frades para difundir a Ordem; uma vez que a primeira tentativa, entre os anos de 1217 a 1219, havia sido um fracasso, sobretudo pela falta de frades que conhecessem a língua local. Nesta decisão tomada pelo capítulo, levava-se em conta este elemento importante da “qualificação” de alguns frades para o bom êxito da missão em terra alemã; assim se passava de uma “fase de improvisação” a uma “fase de estruturação”: “O primeiro ministro da Alemanha foi Frei Cesário que, preocupado com que fosse cumprida com proveito a obediência que lhe foi imposta, tomou consigo os irmãos João de Pian del Cárpine, pregador em latim e lombardo; o alemão Barnabé, egrégio pregador em lombardo e alemão; e Frei Tomás de Celano, que depois escreveu tanto a primeira, quanto a segunda legenda de São Francisco (…)” [3].. Esse grupo de frades escolhidos e liderados por Cesário de Espira empreendeu o caminho em direção à Alemanha. No dia 16 de outubro de 1221, foi celebrado o primeiro capítulo, e Cesário de Espira enviou os frades para diversas regiões. Foi neste capítulo que os frades João de Pian del Cárpine e Barnabé foram enviados como pregadores a Würzburg[4]. Os dois prosseguiam a pregação penitencial, portando o evangelho a outras regiões como: Mainz, Worms, Espira, Estrasburgo e Colônia, mas ao mesmo tempo preparavam o caminho para a chegada de outros frades[5].

Em 1223, no capítulo provincial de Espira, Alberto da Pisa, sucessor de Cesário no governo provincial da Alemanha, nomeava João de Pian del Cárpine custódio da Saxônia[6]. À frente deste trabalho, João Pian del Cárpine enviava frades para diversas regiões, como: Hildesheim, Magdeburgo, Halberstadt[7], no sentido de uma verdadeira “ordinem dilatans”. No capítulo provincial de 1224 em Würzburg, foi dispensado do seu encargo como custódio e transferido à Colônia[8]. Em 1228, o ministro geral, Frei João Parenti, o nomeava ministro provincial da Alemanha[9]; neste período Frei João enviou frades para Boêmia, Hungria, Polônia, Dácia e Noruega, Metz e Lotaríngia[10]. O próprio Jordano de Jano, na sua crônica, quando fala do papel desempenhado por Frei João de Pian del Cárpine nestas regiões, elogia a dedicação e o zelo para com a Ordem; sobretudo na sua defesa da Ordem, enfrentando bispos e príncipes[11].

Em 1230, depois de participar do último capítulo provincial na Alemanha, Frei João de Pian del Cárpine, partiu para o Capítulo geral na Itália; neste mesmo capítulo, ele foi exonerado do seu cargo, foi enviado à Espanha como ministro provincial, e a administração da Alemanha foi dividida em duas: Reno e Saxônia[12].

“Concluída a sua tarefa, em 1232, João de Pian del Cárpine volta para a Alemanha como ministro  da nova província minorítica da Saxônia e de novo se põe à obra: ele é o idealizador e animador da entrada dos Frades Menores nas regiões da Europa oriental (Hungria, Boêmia e Polônia) e nas setentrionais da Dinamarca e Noruega”[13].

A entrada dos Frades Menores, em muitos países, com o escopo da “implatatio Ordinis”, deve-se em grande parte a uma importante teia de relações com famílias de reis e nobres influentes, facilitando de uma forma ou de outra, o estabelecimento dos frades; como foi o caso da Boêmia, da Polônia e da Cracóvia.[14].

Frei João de Pian del Cárpine, sem sombra de dúvidas, neste momento importante da história franciscana, soube intuir com os meios que dispunha que a Ordem deveria se expandir, ou seja, não podia restringir-se à região da Alemanha, mas deveria ousar enveredar rumo ao oriente. Com a sua capacidade de frade bem preparado intelectualmente: “Este Frei João era um homem fraterno e espiritual, literato e grande orador, e perito em muitas coisas; e, uma vez, fora ministro provincial na Ordem” [15]; conhecia diversos países e havia estabelecido, diversas relações políticas e organizativas. Criava assim, um forte elo de ligação em direção ao “desconhecido” e “temido” mundo oriental.

2. Frei João de Pian del Cárpine e o seu caminho através do Oriente.

2.1 Embaixador do Papa:

“Em março de 1245, seis anos depois do fim do seu provincialado na Saxônia, nós o encontramos em Lyon, na cúria de Inocêncio IV, que lhe entrega cartas para o grande Khan dos Tártaros. O avanço da tropa mongol ameaçava a Europa ocidental: para pará-la, Gregório IX em seu tempo tinha convocado uma cruzada – os Frades Menores da Alemanha tinham sido encarregados da pregação daquela cruzada. Bloqueada militarmente a tropa mongol, até mesmo pela morte do Khan Ogödei, para prevenir novas tentativas, agora se recorria à via diplomática”.[16].  Esta missão diplomática tinha dois objetivos: dissuadir os Tártaros mongóis de futuras devastações e tentar o caminho da conversão destes à fé cristã.

Com certeza, Inocêncio IV conhecia o “curriculum vitae” de Frei João, para confiá-lo uma “missão” diplomática ao oriente; uma viagem longa e cansativa, para um homem já idoso.

“João, certamente munido de muitas credenciais e recomendado pelo papa aos patriarcas, aos arcebispos e aos bispos do Oriente, também àqueles que não tinham comunhão com a Igreja de Roma, partia de Lyon no domingo de Páscoa de 1245”[17].

Frei João partia as vésperas do I Concilio de Lyon, que se ocupava da segurança e proteção da Cristandade, ameaçada por uma eminente invasão mongólica; por isso, deveria-se encontrar uma solução eficaz, para evitar o “inimigo” ainda desconhecido do ocidente cristão. No Concílio, Inocêncio IV convocava todos os cristãos a se proteger de possíveis invasões, inclusive, construindo fortalezas. Diante de invasões já efetuadas pelos mongóis na Polônia, Rússia e Hungria, o medo tomava conta agora do coração do ocidente[18].

2.2 A aventura em direção ao oriente.

Da cidade de Lyon, Frei João inicia a sua longa viagem, que registrará na sua “Historia Mongalorum”. Na Polônia, junta-se a ele um frade de nome Benedito que, conhecendo a língua dos Mongóis, será o intérprete nas negociações.

As fases sucessivas de sua viagem o levam as cortes de Boêmia, Slesia e de Cracóvia. Na Cracóvia, Frei João entra em contato com os príncipes locais que o ajudarão nas suas mediações diplomáticas junto à Rússia (Vladimir). Seguindo o seu itinerário através da Polônia, penetra na Rússia e tenta um caminho de unidade com a Igreja mãe, mediada pelo poder político de Cracóvia e da parte russa[19].

De Vladimir, sob a proteção de um “soldado”, pois ainda havia medo das invasões dos mongóis, que já haviam devastado grandes territórios da Rússia em 1240, Frei João chegou a Kiev, grande centro de mercadores provenientes de diversas partes do mundo[20].

Ele continuou sua viagem, estabelecendo uma rede de relações com pessoas que encontrava ao longo do árduo caminho; tendo que adaptar-se aos costumes e às estruturas práticas, como cavalos resistentes adaptados para cavalgar na neve.[21] Prosseguindo sua aventura, ia descortinando a sua frente um mundo totalmente novo e diverso do mundo europeu ocidental. Abriam-se diante dele regiões até então inexploradas, movia-se ali no meio de populações muito diferentes pelas tradições culturais e religiosas em relação àquela realidade tão recortada e heterogênea que havia no mundo ocidental de alguma maneira unificada por tradições comuns e referências culturais, sociais, institucionais. O bom frade menor ia decididamente ao encontro dos terríveis exécitos dos Tártaros”[22].

2.3 Encontro com os “Tártaros Mongóis”.

Quando Frei João e o seu companheiro chegaram ao primeiro posto de guarda dos Tártaros, foram recebidos por homens armados que se precipitaram sobre eles, ameaçando-os e interrogando-os acerca de suas identidades. Os chefes deste posto de guardas queriam obter informações precisas sobre o objetivo da presença dos dois estranhos naquela região; Frei João responde através de seu intérprete e confrade Benedito: Respondemos-lhes que éramos núncios do senhor papa, que era senhor e pai dos cristãos, o qual nos mandava por este motivo, tanto ao rei, como aos príncipes e a todos os Tártaros, porque queria que todos os cristãos fossem amigos dos Tártaros e tivessem paz com eles, além disso, que desejava que fossem grandes junto a Deus no céu. Por isso, o senhor papa os admoestava, tanto por meio de nós, como pela sua carta, que eles se tornassem cristãos e recebessem a fé em Deus e em Nosso Senhor Jesus Cristo, porque de outra maneira não poderiam ser salvos; mandava [dizer] além disso, que se admirava de tão grande matança de homens, especialmente dos cristãos, principalmente dos húngaros, dos morávios, dos poloneses que lhe são súditos. Matança que tinha sido feita pelos Tártaros, uma vez que eles não os tinham atacado, nem tivessem tentado atacá-los; e porque o Senhor Deus havia sido gravemente ofendido por causa disto, os admoestava que doravante evitassem tais coisas e fizessem penitência dos atos cometidos. Dissemos ainda que o senhor papa rogava que lhe escrevessem o que doravante quisessem fazer e qual era a intenção deles e o que lhe responderiam por meio de suas cartas sobre todas as coisas supraditas”.[23]

Os dois frades, depois de haver expresso o motivo da empresa que os havia conduzido até aquelas terras, prosseguiram o caminho, negociando em troca de peles, a alimentação básica, a sobrevivência do frio e a mudança dos cavalos cansados[24], que deveria ocorrer em diversas fases do percurso.

O próximo posto de parada foi o acampamento de Batu, sobrinho de Gengis Khan, conquistador da Rússia; Batu os fez prosseguirem a sua viagem à meta final Qaraqorum, na Mongólia, onde estava reunida a assembleia dos príncipes mongóis para a eleição do novo soberano (qaghan)[25]. Depois de muito esperar e, em meio a um minucioso protocolo imperial, Frei João pôde encontrar o imperador dos Tártaros mongóis e saber qual era a sua resposta para o pontífice. É interessante a insistência do chanceler e escrivão imperial, de que a carta para ser entregue ao pontífice, fosse traduzida fielmente, sem correr o risco de que a mensagem do grande Khan fosse mal interpretada[26]. Quando terminaram de redigir o texto, finalmente Frei João conseguiu se encontrar com o imperador e podia retomar a longa estrada com a resposta para o Papa.

2.4 “Falimento” da missão diplomática.

Todo um esforço que não conduzia a grandes mudanças, uma vez que o imperador deixava expresso na sua carta que não haveria nenhum interesse de se tornar cristão e nem mesmo compreendia algumas posições dos cristãos em relação ao mundo “cultural dos Tártaros mongóis”. Salimbene de Adam, em um encontro que teve com Frei João, copiou a carta que o imperador enviara ao Papa Inocêncio IV, o que é muito importante para compreender a posição do imperador dos Tártaros mongóis:

“A fortaleza de Deus, o imperador de todos os homens, manda ao grande papa esta carta totalmente autêntica e verdadeira. Obtido o conselho sobre o modo de ter paz entre nós e ti, papa, e todos os Cristãos, tu nos mandaste um embaixador teu, como percebemos de suas palavras e como resultou de tua carta. Se, portanto, tu, papa, e todos os reis e governantes desejais ter paz conosco, não demoreis de modo algum em vir a mim para estabelecer a paz, e então ouvireis a nossa resposta juntamente com a nossa vontade. No texto de tua carta é dito que nós devemos ser batizados e tornar-nos cristãos. Ao que respondemos, com poucas palavras, que não compreendemos exatamente por que deveríamos fazê-lo.

Com relação a outro ponto de que falavas na tua carta, isto é, que te maravilhavas de tanta matança de homens, sobretudo de cristãos, particulamente de poloneses, de morávios e de húngaros, respondemos-te do mesmo modo não compreender nem mesmo isto.

No entanto, para que não pareça que não se queira ignorar completamente a coisa, dizemos que se deve responder deste modo: Porque não obedeceram nem à palavra de Deus, nem à ordem do Cygiskhan nem de Khan e, tendo grande conselho, mataram os nossos embaixadores, por isso Deus ordenou extingui-los e os entregou nas nossas mãos.

De resto, se o próprio Deus não o tivesse feito, o que teria podido um homem a outro homem? Mas vós, homens do ocidente, credes ser só vós cristãos e desprezais os outros. Mas como podeis conhecer a quem Deus concede o seu favor? Nós adoramos Deus, com a força de Deus devastamos toda terra do oriente ao ocidente. E se esta não tivesse sido a força de Deus, o que poderiam ter feito os homens? Mas, se vós escolhestes a paz e pretendeis entregar a nós as vossas forças, tu, papa, juntamente com os poderosos entre os cristãos, não tardeis de algum modo a vir a mim para fazer a paz; então saberemos que quereis a paz conosco.

Se, porém, não crerdes nesta missiva de Deus e nossa e não escutardes o conselho de vir a nós, então saberemos por certo que quereis ter guerra conosco. Depois do que aquilo que acontecer nós não sabemos, mas só Deus o sabe”.[27]

Assim terminava a “aventura” de Frei João em meio aos Tártaros Mongóis, empresa difícil a ponto de muitas pessoas duvidarem da possibilidade de um possível retorno com vida[28] e, ao mesmo tempo, pelos diversos lugares que passava, era festejado com grande alegria, porque ressurgia do mundo oriental como a fênix das cinzas.

Com seu itinerário diplomático, João abria uma via importante para a futura penetração da missão franciscana em direção ao oriente.

2.5 Encontro com o Papa.

Quando chegou a Lyon, relatou ao papa Inocêncio IV, as notícias referentes aos Tártaros Mongóis e lhe entregou a resposta do imperador. O papa retribuiu o serviço prestado com confiança e lealdade, promovendo Frei João ao episcopado de Antivari (Montenegro) e o nomeou mais uma vez como legado pontifício junto ao rei Luis IX da França.[29] É o próprio Salimbene, uma fonte segura, uma vez que havia se encontrado pessoalmente com Frei João, que escreveu na sua crônica, dando informações sobre o envio deste junto ao rei Luis IX, da França. O papa Inocêncio IV apelava ao rei da França para adiar a cruzada, preparada para “libertar” a Terra Santa dos mulçumanos, que viesse ajudar na proteção do Papa e da Igreja ameaçada por Frederico II[30].

Retornado da sua “missão diplomática” em 1248, Frei João tomou posse da sua sede episcopal, onde enfrentou diversas dificuldades: lutas internas, disputa de poder inclusive em relação com a sua nomeação, haja vista que o cabido local havia eleito como sucessor da sede vacante um dominicano. Frei João teve de enfrentar diversos conflitos neste novo campo de trabalho[31].

Provavelmente, no ano de 1252, Frei João de Pian del Cárpine morria em Antivari e concluía-se assim a sua aventura, uma aventura extraordinária de franciscano e de diplomata, marcada sobretudo pela excepcional viagem aos Tártaros (…)”.[32]

3.A “Historia Mongalorum”.

3.1 Estrutura geral da obra:

Prólogo
Cap.1 O território dos Tártaros: posição, características e clima.
Cap. 2  A população.
Cap. 3 A religião dos mongóis.
Cap. 4 Usos e costumes.
Cap. 5 A organização política.
Cap. 6 Estratégias de guerra.
Cap. 7 A relação com os países conquistados.
Cap. 8 O modo de enfrontar os mongóis em guerra.
Cap. 9 O itinerário percorrido pelo autor.

A obra de Frei João é uma mistura de relatório, tratado, história e crônica, em que ele anotou atentamente o que viu e encontrou neste “novo mundo”, compilando o que seria depois, uma preciosa obra de referência para se conhecer a via do oriente e dar uma contribuição, no sentido de uma maior compreensão dos Tártaros Mongóis, que espalhava de uma forma ou de outra preocupação e o medo na Europa ocidental da sua época[33] .

3.2 Importância da Historia Mongalorum.

Alguns elementos da sua Historia Mongalorum revelam a preocupação de Frei João em registrar informações importantes para o mundo ocidental, por exemplo: como descreve minuciosamente as características físicas destas pessoas, a religiosidade, a ideia de um povo eleito, a forma de justiça, a estratégia de guerra e a arte de cavalgar[34].

Com a sua “aventura” em meio aos mongóis, Frei João despertou muito interesse e curiosidade das pessoas e dos frades, pelo menos, é o que Salimbene escreveu na sua crônica: E eis que Frei João de Pian del Cárpine retornava da sua missão junto ao rei, pela qual o havia mandado o papa, e carregava consigo o livro que tinha escrito sobre os Tártaros. E os frades o liam em sua presença, ele comentava e esclarecia as coisas que pareciam obscuras ou difíceis de se acreditar”.[35].

A Historia Mongalorum foi escrita por Frei João em duas versões[36]: uma primeira versão escrita logo depois da sua viagem, para informar as pessoas sobre aquilo que havia encontrado pelo caminho, visto e ouvido acerca dos Tártaros Mongóis ; texto escrito de forma incompleta . Em um outro momento da sua vida, completou a sua obra acrescentando elementos novos e, em outras partes do texto, fez uma nova redação.

Frei João com certeza era uma pessoa importante, famosa e, ao mesmo tempo simples, reconhecida nos diversos ambientes da sociedade e do meio religioso por onde passava, é o que testemunhou Salimbene: “Diziam de fato: Chega um homem da estirpe de Aarão, não nos enganará. E uma vez, quando eu estava em Cluny, aqueles monges cluniacenses me confiaram: Ah, se fossem sempre assim, os enviados do papa, como foi Frei João, de retorno dos Tártaros! De fato, os outros legados, se podem, espojam as igrejas e levam embora tudo o que podem. Mas Frei João, quando passou aqui, não quis levar nada, exceto o pano necessário para fazer uma túnica para o seu companheiro”.[37]

CONCLUSÃO

Ao final desse trabalho de pesquisa, sobre a curiosa figura de Frei João de Pian del Cárpine, podemos ressaltar a importância de seu trabalho de expansão do franciscanismo em direção o mundo oriental. Não podemos esquecer do seu dinamismo como frade menor, membro do grupo enviado pelo próprio Francisco de Assis, após o Capítulo das Esteiras (1221) à Alemanha, para implantar a Ordem. Nos diversos serviços que desempenhou com competência, sobretudo como ministro provincial, contribuiu para a propagação da Ordem, não ficando somente no território alemão, mas ousando partir para outros ambientes como Boêmia e Polônia, lançando assim as sementes franciscanas e a ponte com o oriente.

Um outro ponto muito importante foi o papel desempenhado por Frei João na função de legado pontifício, “missão” muito difícil e perigosa, porque se tratava de andar por um território desconhecido. Mas ele, mesmo com a idade já avançada, não mediu esforços em levar adiante as negociações entre o papa Inocêncio IV e o imperador dos Tártaros mongóis. Como resultado desta viagem Frei João deixou por escrito a sua obra intitulada “Historia Mongalorum”, uma obra que fornecia informações preciosas sobre o mundo dos Tártaros Mongóis, até então, pouco conhecido da Europa ocidental.

A sua História mostra o papel de um observador atento e minucioso da cultura, dos costumes, da organização da sociedade; mas, ao mesmo tempo, parece se comportar como um espião, quando descreve nos mínimos detalhes as estratégias de guerra dos Tártaros. Uma coisa não se pode negar, a sua capacidade de conquistar a confiança das pessoas por onde passava, conseguindo chegar até a presença do imperador, meta difícil de atingir, ainda que as negociações, objetivo último da sua viagem junto ao imperador, não tivessem obtido sucesso.

Um desafio que fica é aprofundar a sua Historia Mongalorum, tentando entender o seu trabalho de observador diplomático em uma cultura totalmente diferente da sua, com a sua forma de ver os fatos e analisá-los, bem como os elementos legendários que foram introduzidos no meio dos fatos históricos e sobretudo o seu modo de julgar os Tártaros.

BIBLIOGRAFIA

a) FONTES

CONCILIORUM OECUMENICORUM DECRETA, a cura dell’Istituto per le scienze religiose, Edizioni Dehoniane Bologna, 2002.

CHRONICA JORDANI JANO, a cura di H. Boehmer, (Collection d’Études et de documents”, VI), Fischbacher, Paris, 1908.

CRÔNICAS DE VIAGEM. Franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330)/João Pian del Cárpine… et alii. Porto Alegre/Bragança Paulista: EDIPUCRS/EDUSF, 2005 (Coleção Pensamento Franciscano; v.7).

Crônica de Jordano de Jano. Fontes Franciscanas; tradução Celso Márcio Teixeira et alii. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 1263-1294.

GIOVANNI DI PIAN DI CARPINE. Storia dei Mongoli, a cura di E. Menestò e. A., Centro Italiano di Studi sull’alto medoevo, Spoleto, 1989.

SALIMBENE DE ADAM, Cronaca, a cura di Berardo Rossi, Bologna, 1987.

b) ESTUDOS

PETECH, L. I Francescani nell’Asia centrale e orientale nel XIII e XIV secolo, in Espansione del Francescanesimo tra occidente e oriente nel secolo XIII (Società Internazionale di Studi Francescani. Atti del VI Convegno internazionale. Assisi, 12-14 ottobre 1978), Assisi, 1979.

SORELLI, F.,.Per regioni diverse: fra Giovanni da Pian del Carpine, in I compagni di Francesco e la prima generazione minoritica (Società Internazionale di Studi Francescani. Atti del XIX Convegno internazionale. Spoleto, 17-19 ottobre 1991), Spoleto 1992.

c) COMENTÁRIOS

PELLEGRINI,L., e. A. Francesco d’Assisi e il primo secolo di storia francescana, Einaudi, Torino, 1997.


[1]Cf. E. MENESTÒ, Giovanni di Pian di Carpine: Da compagno di Francesco a diplomatico presso i tartari, in Gioavanni Di Pian Di Carpine, Storia dei mongoli, a cura di E. Menestò e. A., Centro Italiano di Studi sull’alto Medioevo, Spoleto, 1989, p.50.

[2]Cf. Crônica de Jordano de Jano. Fontes Franciscanas; tradução Celso Márcio Teixeira et alii. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 1271-1272, n.17. (Daqui para frente: JJ).

[3] JJ, p.1273-1274, n.19.

[4]Cf. JJ, p.1276, n.23.

[5]Cf.JJ, p.1276, n.23.

[6]Cf. JJ, p.1279, n.33.

[7]Cf. JJ, p.1280, n.36.

[8] Cf.JJ, p.1280, n.37.

[9]Cf. JJ, p.1287, n.54.

[10]Cf.JJ, p.1288, n.55.

[11]Cf.JJ, p.1288; n.55.

[12] Cf.JJ, p.1288, n.57.

[13] L.PELLEGRINI, I quadri e i tempi dell’espansione dell’ordine, in Francesco d’Assisi e il primo secolo di storia francescana. Torino: Einaudi, 1997, p.185.

[14] Cf.PELLEGRINI,  I quadri e i tempi dell’espansione dell’ordine, p.187.

[15] SALIMBENE DE ADAM, Cronaca, p.288, n.866.

[16] PELLEGRINI, I quadri e i tempi dell’espansione dell’ordine, p.191-192.

[17] MENESTÒ, Giovanni di Pian di Carpine: Da compagno di Francesco, 56.

[18] Concilium Lugdnuense I- 1245, Dehoniane Bologna, in Conciliorum oecumenicorum decreta, Bologna 2002, p.297, Constitutio 4: De Tartaris. “Na verdade, o povo ímpio dos Tártaros, desejando subjugar a si, ou melhor, destruir o povo cristão, tendo reunido já algum tempo as forças de suas nações e tendo entrado na Polônia, na Rússia, na Hungria e em outras regiões dos cristãos, castigou-as tão devastadoramente que, não poupando sua espada, nem idade, nem sexo, mas enfurecendo-se com horrível crueldade indiferentemente contra todos, devastava-as com inaudito extermínio; e submete a si progressivamente, com incessante perseguição os reinos de outros, não sabendo a mesma espada descansar na bainha, de modo  que, invadindo subsequentemente os exércitos cristãos mais fortes em força, possa exercer mais plenamente contra eles sua crueldade; e assim, privado o mundo dos fiéis – que Deus nos livre –, a fé se desvie enquanto choraria os cultores dela submetidos pela ferocidade desta mesma gente.”

[19]Cf.IOHANNES DE PLANO CARPINI, Historia Mongalorum, a cura di E.Menestò e. A., Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo, Spoleto, 1989, p.304, c.9.

[20] Cf.PELLEGRINI, I quadri e i tempi dell’espansione dell’ordine, p.193.

[21] Cf.Historia Mongalorum, p.304-305, c.9.

[22] PELLEGRINI, I quadri e i tempi dell’espansione dell’ordine, p.193.

[23]Historia Mongalorum, p.306-307, c.8.

[24]Historia Mongalorum, p.309, c.12.

[25]Cf.L.PETECH, I francescani nell’Asia centrale e orientale nel XIII e XIV secolo, in Espansione del francescanesimo tra ocidente e oriente nel secolo XIII. SISF, Atti del VI Convegno internazionale, Assisi, 12-14 ottobre 1978, p.219-220.

[26] Cfr.Historia Mongalorum, p.325-326, c.9.

[27] SALIMBENE, p.290, n.874-878.

[28] Cf.Historia Mongalorum, , p.398, c.9.

[29] Cf. SALIMBENE, p.293, n.893.

[30] Cf. SALIMBENE, p.294, n.895-897.

[31] Cf.MENESTÒ, Giovanni di Pian di Carpine: Da compagno di Francesco, p.65-66.

[32] MENESTÒ, Giovanni di Pian di Carpine: Da compagno di Francesco, 67.

[33]Cf.C.LEONARDI, La via dell’oriente nell’Historia Mongalorum, in Giovanni di Pian di Carpine, Storia dei mongoli, a cura di E. Menestò e. A., Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo, Spoleto, 1989, p.72: “Il sentimento del Medioevo europeo verso l’Oriente asiatico è dunque necessariamente il terrore e dunque un sentimento di qualche minaccia definitiva che incombe. I Mongoli soprattutto sono il vertice di questa coscienza”.

[34] Cf.LEONARDI, La via dell’oriente nell’Historia Mongalorum, p. 73-75.

[35] SALIMBENE, p. 296, n.908.

[36]Cf.Historia Mongalorum, 332, c.9: “Rogamos a todos os que leem as preditas coisas que nada diminuam nem acrescentem, porque, tendo a verdade como guia, nada acrescentando conscientemente, escrevemos tudo o que vimos e ouvimos de outros que julgávamos fidedignos, como Deus é testemunha. Mas, porque aqueles pelos quais passamos – os que estão na Polônia, na Boêmia e na Teutônia e em Leódio e na Campanha – quiseram ter a sobreescrita história, eles a copiaram antes que estivesse completa e também bastante resumida, porque nem tivéramos tempo de descanso, de modo que a pudéssemos completar totalmente. Por isso, ninguém se admire que nesta muitas coisas estão mais bem corrigidas do que naquela, porque nós, depois que tivemos algum descanso, corrigimos esta para mais completa e perfeita ou [escrevemos] mais perfeitamente aquela que ainda não estava completa”.

[37] SALIMBENE, 296-297, n.910.

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