Pedro, segundo os livros apócrifos, depois da morte de Jesus, viveu ainda doze anos em Jerusalém e um ano em Roma.
Frei Jacir de Freitas Faria [1]
Pedro, segundo os livros apócrifos, depois da morte de Jesus, viveu ainda doze anos em Jerusalém e um ano em Roma.
Atos de Pedro[2] conta que a morte de Pedro ocorreu do seguinte modo: persuadido pelos irmãos a fugir de Roma, pois o Prefeito Agripa e um tal Albino o perseguiam por causa da sua pregação em favor da castidade, Pedro fugiu disfarçado e sozinho de Roma. Ele mesmo disse: “Que nenhum de vocês venha comigo. Eu vou sair sozinho, após ter trocado as minhas vestes”. Mas, eis que na porta da cidade, o Senhor lhe apareceu. Pedro lhe perguntou: “Aonde vais, Senhor?” O Senhor lhe respondeu: “Vou a Roma para ser crucificado”. “Outra vez, Senhor?, perguntou Pedro. “Sim, Pedro, outra vez serei crucificado”, disse Jesus. Pedro caiu em si e viu Jesus voltando para o céu. Pedro, então, voltou a Roma louvando e anunciando que Jesus havia dito: “Serei crucificado”. Pedro, não sabia que a crucifixão iria acontecer com ele. Pedro fez saber aos seus irmãos que ele havia voltado. Eles sentiram pesar por isso e disseram: “Nós tínhamos te suplicado de fugir e você voltou”. Enquanto Pedro justificava a sua atitude diante dos irmãos, os quais choravam, quatro soldados vieram e prenderam a Pedro e o conduziram a Agripa, que ordenou a sua crucifixão. Então, uma multidão de irmãos saíram em sua defesa, pobres e ricos, órfãos e viúvas, poderosos e humildes vieram todos correndo para ver Pedro e defendê-lo. E todo o povo gritava em uníssono: “Qual foi o mal cometido por Pedro?” “Que ele te fez? Diga a nós, os romanos.” E Pedro saiu e foi ao encontro da multidão e a acalmou, relembrando os sinais e milagres que ele tinha realizado em nome de Cristo, e disse-lhes: “Esperem-no, com a sua vinda cada um pagará segundo suas obras. Não façais nada contra Agripa. Tudo acontece conforme o Senhor me revelou que ia acontecer”.
A oração de São Pedro ao ser crucificado
E estando para ser crucificado, Pedro proferiu as seguintes palavras:
“Ó cruz, tu que és mistério oculto! Ó graça inefável que é pronunciada em nome da cruz! Ó natureza humana, que não pode permanecer separada de Deus! Ó doce comunhão, indizível e inseparável que não pode ser manifestada por lábios impuros! Apodero-me de ti, agora que estou ao fim de minha jornada. Declarei aquilo que tu és, e não manterei silêncio diante do mistério da cruz, o qual desde muito foi coberto e oculto de minha alma. A cruz é algo distinto daquilo que aparenta ser. Ela é a própria paixão conforme experimentada por Cristo. E agora, sobretudo vós que podeis me escutar, vós que tendes fé, escutai-me nesse momento derradeiro e supremo da minha vida”.
E Pedro continuou o discurso. Ao final, pediu aos carrascos que o crucificasse de cabeça para baixo. Pedro não se julgava digno de morrer como Jesus[3]. E enquanto realizava-se o seu desejo, Pedro tomou novamente a palavra e fez um longo discurso aos presentes sobre o sentido místico dessa forma de crucifixão, terminando-o com a seguinte oração de ação de graças Jesus Cristo: “Tu és para mim meu pai, minha mãe, meu irmão, meu amigo, meu servidor. Tu és o todo e o Todo está em ti; és o ser, e nada é, exceto tu. Recorram a ele, irmãos, e entendam que vosso somente se encontram nele. Então conseguireis aquilo que a propósito do qual ele disse que nem o olho viu, nem ouvido ouviu, nem chego a coração humano algum. Te pedimos, pois, o que nos promete dar-nos, oh Jesus sem mancha. Te louvamos; te damos graças. Como homens fracos te reverenciamos e reconhecemos que somente tu, e nada mais que tu, és Deus. Tu és a glória agora e por toda a eternidade”. E enquanto a multidão dos presentes exclamava, em alta voz, “Amém”, Pedro entregou seu espírito ao Senhor[4].
Marcelo, o senador romano que havia se convertido ao cristianismo por obra de Pedro, vendo que Pedro havia expirado, o tirou da cruz, preparou seu corpo com aromas e perfumes e o enterrou com dignidade. O imperador Nero se irritou com o prefeito Agripa pelo fato desse ter matado Pedro sem que ele fosse comunicado. Por muito tempo, Nero não dirigiu a palavra a Agripa.
Assim, Pedro morreu crucificado de cabeça para baixo, sob o governo do imperador Nero, no circo de Nero, perto do atual Vaticano. A tradição conservou duas datas possíveis: fim de 67 da E.C ou a 13 de outubro de 64.
[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de doze livros e coautor de quinze. Canal no Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ Última publicação: Os murais do Santuário Santo Antônio, de Divinópolis (MG), no simbolismo do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus: interpretação bíblica, teológica, catequética e franciscana das pinturas de Frei Humberto Randang. Belo Horizonte: Provincia Santa Cruz, 2024.
[2] FARIA, Jacir de Freitas, O outro Pedro e a outra Madalena segundo os apócrifos: uma leitura de gênero. Petrópolis: Vozes, 3ª ed. 2005, p. 111-114. Veja também, no prelo, Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento: tradução e comentários aos cristianismos perdidos, 2024.
[3] A morte de Pedro na forma da crucifixão, de cabeça para baixo, é atestada também por Origens e Eusébio (História Ecclésiastique, 3,1,2).
[4] Os textos transcritos dos Atos de Pedro se encontram em: Johannes Baptist Bauer, Los ápócrifos neotestamentarios, Actualidade biblica, 22, Madrid: Ediciones Fax, p. 100 e F. Amiot, La Bible apocryphe: Evangeiles apocryphes, Paris: Librairie Arthème Fayard, p. 185-225.