Em Rm 12–15,3, encontramos a palavra-chave que identifica a comunidade cristã: o amor.
Ir. Jhonata Leandro Lopes[1]
Neste breve texto, apresentamos o espírito ético da Carta aos Romanos, fazendo um recorte específico dentro da perícope que compreende os capítulos 12 a 15,3. A Carta aos Romanos, escrita pelo apóstolo Paulo (protopaulina) por volta do ano 57 ou 58 d.C., é uma das mais extensas do Novo Testamento. É considerada lógica e profundamente teológica, dirigida especialmente aos cristãos de Roma. Seu propósito não é explicitamente declarado, mas uma das hipóteses é que Paulo aborda as relações entre os cristãos e as autoridades civis. Para esta reflexão, tomamos como base Rm 12–15,3, destacando alguns versículos que expressam o espírito desse texto unitário. Trata-se de uma seção exortativa, que visa orientar a vida da comunidade de fé em Roma. A força desta tradição chega até nós hoje, inspirando nosso discipulado e nosso seguimento a Cristo no seio de nossas comunidades.
Rm 12 orienta a comunidade ao discernimento cotidiano em suas relações comunitárias, considerando a vida em comum como verdadeiro culto espiritual (vv.1-2). Na exortação “estimai-vos retamente” (v.3), querer bem não significa simplesmente “gostar”, mas cultivar apreço pelo outro que partilha a vida conosco. A base desse modo de vida é a identificação da comunidade como um só corpo, composto por muitos membros, diferentes carismas, dons e serviços (vv.5-8), com vistas à missão de tornar presente, no mundo, a comunhão trinitária do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Deus é comunidade e nos chama à comunhão. Não existe vida cristã sem o senso de comunidade e sem o cuidado do outro.
“O amor seja sem hipocrisia” (v.9): o primado é da caridade. A comunidade é lugar de afetos e desafetos, equilíbrio, justa medida do doar-se, casa do encontro — nossa Betânia. O amor cristão é verdadeiro; não permite hipocrisia nem “estética da existência”. A comunidade não é um teatro, mas vive “em espírito e em verdade” (Jo 4,24). O amor é o espírito e a verdade da comunidade chamada a realizar a Trindade na história (cf. Bruno Forte). Os desdobramentos são lógicos e abrangem todo o capítulo: hospitalidade, fraternidade, bênção mútua, alegria e esperança compartilhadas, paciência na tribulação, solidariedade no choro, prática do bem, vida em paz. O amor é princípio normativo, reverbera na ação da comunidade, é ideal a ser buscado, utopia a ser sonhada e dom a ser pedido.
O capítulo 13, especialmente vv.8-10, retoma e aprofunda o tema do amor: “a plenitude da lei é o amor”. Ao tratar do relacionamento com as autoridades civis, Paulo situa a comunidade cristã como sujeito inserido no tecido social da grande família humana. No v.9, cita Dt 6,5. Amar o próximo é constitutivo da identidade cristã: o nosso ser é marcado pelo outro, irmão e irmã. O “como” do Decálogo ganha força de identidade: “Amarás o Senhor teu Deus… e ao próximo és tu mesmo”. O outro me constitui, inclusive o inimigo (Lv 19,18), que é um ser igual a mim. Nos vv.11-14, encontramos um texto de sabor litúrgico-batismal: solo da igualdade fundamental. O amor é vivido numa comunidade que nasce do mesmo útero espiritual: o batismo.
O capítulo 14 aborda o crescimento da comunidade e o trato com os “fracos na fé”, isto é, os que estão iniciando na vida cristã. Já falamos acima da hospitalidade, código de vida no Oriente Antigo (cf. Gn 18). Aqui, Paulo reflete sobre a acolhida daqueles que desejam participar da comunidade e aderir à fé. Os capítulos 14 e 15 formam uma grande doxologia. Neles se reafirma a centralidade da ética cristã no primado da caridade — o amor ágape, fonte de vida da comunidade de fé. A ética da comunidade é um convite à consciência: recordar quem somos e para que fomos chamados. “Que cada um siga plenamente sua própria convicção” (Rm 14,5b). A lei da caridade supera os antigos marcadores identitários do judaísmo — lei mosaica, leis dietéticas e circuncisão. Agora, a fonte primeira da vida comunitária não são as normas da lei, mas o amor.
Em Rm 12–15,3, encontramos a palavra-chave que identifica a comunidade cristã: o amor. Esse dom reúne diferentes pessoas e as faz irmãos e irmãs; é via alternativa, modo diverso de levar a vida, vida no Espírito e na verdade de Cristo, enviado do Pai das luzes e Deus de toda consolação (2Cor 1,3). Amar não é apenas conceito, mas gesto. Rm 12–15,3 traça um itinerário de vida comunitária que somos chamados a assumir. Amamos de fato? Mostre-me seus gestos e eu lhe direi a estatura do seu amor doado. A voz do silencioso e discreto amor é o gesto.
[1] Religioso estigmatino da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Reside atualmente em Belo Horizonte, na Casa de Formação São Gaspar Bertoni, onde cursa Teologia. É bacharel em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (IFITEG) e graduando em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Publica regularmente artigos na Revista Illuminare (IFITEG).