A Igreja celebra, no dia treze de maio, a devoção a Nossa Senhora de Fátima.
Jacir de Freitas Faria [1]
O texto que inspira a nossa reflexão é Jo 14,1-6. A Igreja celebra, no dia treze de maio, a devoção a Nossa Senhora de Fátima. Quem não conhece o canto: “A treze de maio na cova de Iria no céu aparece a Virgem Maria. Ave, Ave Maria!”. Era o ano de 1917, num local chamado Cova de Iria, em Portugal, país que estava em crise econômica, política e religiosa. A revolução russa ganhava seu curso. A Primeira Guerra Mundial caminhava para o fim. Três crianças pobres dos arredores de Fátima diziam ter visto Nossa Senhora e que dela haviam recebido mensagens que foram conservadas como segredos, os quais foram revelados décadas mais tarde e tratavam de uma convocação à devoção ao Sagrado Coração de Maria, à retomada da visão medieval do pavoroso inferno e da conversão da Rússia. Todos esses segredos estão relacionados a um catolicismo devocional, conservador e medieval. A Virgem Maria aparece como um raio de luz vindo do céu e pede para rezar o terço. As aparições se sucederam até treze de outubro de 1917. A Igreja sempre tratou com cautela essas aparições, questionando o seu objetivo e veracidade.
Para além do sentido de fé dessa aparição, gostaria de relacionar o caminho apresentado em Fátima com o do evangelho de Jo 14,1-6, texto no qual Jesus diz ser o caminho, a verdade e a vida para alcançar a morada eterna. Maria aparece da morada do céu. Crianças olham atentas para o raio de luz que se parece com a Virgem Maria. Elas se perguntam de onde ela vem? Tomé pergunta: para Jesus para onde você vai? E acrescenta: mostra-nos o caminho? Qual o significado desses acontecimentos? Que é isso morada no céu?
Todo o evangelho de João tem que ser lido e compreendido a partir de seu contexto, o dos anos 90 a 100 depois de Cristo ou da Era Comum. A sinagoga já havia rompido com o cristianismo. Roma já havia destruído Jerusalém e o seu famoso Templo de origem salomônica. Tinha muita influência entre judeus e cristãos o modo de pensar dos gnósticos, o qual consistia em afirmar que o caminho de salvação para o ser humano é descobrir a centelha da luz que ele traz em si, desde o momento em que saiu da Plenitude e veio morar em um corpo na região terrestre. Conhecer a luz significa fazer o processo de desencarnar e voltar para a Luz plena, a Plenitude.
Nesse contexto, o autor do evangelho de João apresenta Jesus como a porta que abre o caminho para a salvação. Como isso acontece? Quando a comunidade joanina vive a plenitude do amor fraterno e da fidelidade, na partilha de vida e dos bens. Só depois disso é que ela teria autoridade para entrar em diálogo com os rejeitados samaritanos, o grupo dos seguidores de João Batista que viviam em Éfeso, os gregos e os fariseus bem-intencionados, como Nicodemos. Todos eles eram muito bem-vindos ao Caminho que é Jesus ressuscitado.
Essa ideia de caminho tem sua origem na tradição sapiencial judaica associada ao seguimento da Torá, a Lei. O Sl 1 propõe a antítese entre os caminhos contrários do justo e do malvado ímpio. O primeiro recebe o prêmio da vida em Deus, o segundo, a punição. O Jesus histórico não foge desse modo de pensar e convoca os seus discípulos a ser fiéis ao seu projeto, quando afirmam: “Tendes fé em Deus, tende fé em mim também. Na casa de meu Pai há muitas moradas.” A morada sobre qual Jesus fala é Ele mesmo e sua relação íntima com o Pai. Morada tem a mesma origem de namorar, que é entrar na morada do outro para aí se estabelecer. Estar com Jesus ressuscitado no coração significa estar com Deus. Jesus e o Pai são um. Muitos seguidores de Jesus, muitas moradas no céu, a casa do Pai.
As muitas moradas junto de Deus são fruto da vida em comunidade de amor aqui na terra, mas que vai ser plena em Deus que é Vida e Verdade. Construir morada na terra e no céu é dizer não à verdade dos dogmatismos, das palavras definitivas sem abertura ao novo. Não ao caminho das autoajudas sem compromisso com o outro, das mentiras, as Fake News, nesse mundo virtual frenético. Não ao caminho da sinagoga de outrora, à destruição russa das moradas dos ucranianos indefesos. Não aos governos fascistas! Não à devoção sem compromisso social.
A Maria do 13 de maio é a mesma que abriu as portas para o caminho de revelação de Jesus nas bodas de Caná (Jo 2,1-11). Ela e Ele são raios de luzes que nos conduzem à Vida que é Deus. Deixemos de olhar para o céu como crianças ingênuas na fé ou como os Tomés incrédulos que veem o caminho, mas diz não conhecê-lo. Tomemos o caminho do adulto apóstolo e apóstola do amor fraterno vivido em comunidade, espelho de uma morada eterna no céu, onde nós todos almejamos um dia chegar. O céu começa aqui. Mãos à obra, fé e compromisso. O caminho de transformação, de mudança é aqui. E ele passa pela política, pelo seu voto, pela economia, pela religião que liberta. Só depois disso é que podemos vislumbrar uma morada no céu. Que Maria nos ajude com seu brilho de sua luz na terra do Jesus do caminho verdade e da vida.
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