Sabemos que o Natal é uma releitura da celebração do nascimento da divindade romana do Sol Invicto.
Frei Jacir de Freitas Faria [1]
O texto sobre o qual vamos refletir é Lc 2,22-40. Quarenta dias nos separam do Natal, a festa do Deus-Menino, a luz que não se apaga. Sabemos que o Natal é uma releitura da celebração do nascimento da divindade romana do Sol Invicto. No menor dia do ano, o sol renasce.
Essa festa chegou ao Ocidente, em Roma, vinda do Oriente, da Síria. Ela foi instituída no império por Marco Aurélio (218-222 E.C.). Mais tarde, o imperador convertido ao cristianismo, Constantino (313 E.C.), decretou que o sétimo dia da semana fosse um dia descanso para os magistrados e o povo, e que se chamaria domingo, em homenagem ao sol. Sendo Jesus, o Sol que não se apaga, pois ele é a luz que vem de Deus (Luz), esse dia passou a ser o “Dia do Senhor” para o império romano. Os cristãos já o consideravam como dia da ressurreição de Jesus.
Entre Judeus, conforme atesta o historiador Flavio Josefo, era proibido celebrar festas de aniversários entre o povo. Foi o Papa Júlio 1º (337-352) que decretou o Natal como festa do nascimento de Jesus, passando a ser celebrado no dia 25 de dezembro, na outrora festa pagã do Sol Invicto.
Resolvida essa questão polêmica, mais tarde, o imperador Justiniano I, em 542 E.C., decretou a celebração de outras festas decorrentes do Natal, dentre elas: a da apresentação do Menino Jesus no Templo, 40 dias após o Natal, concomitante com a de Nossa Senhora das Candeias.
Rezava a lei judaica (Lv 12,1-4) que toda mulher que desse à luz deveria, quarenta dias depois o parto, ir ao templo de Jerusalém para fazer a sua oferta de purificação e consagração do primogênito. Tudo dependia de sua condição social. Maria e José ofereceram, de sua pobreza, um casal de pombos.
Maria terá levado consigo, conforme o costume, uma vela (candeia) acesa, na procissão de apresentação do Menino Jesus no Templo. Ele era primogênito e, portanto, deveria ser consagrado ao Senhor. A luz ilumina a mãe que leva o filho luz diante da grande Luz, que é Deus. Vela e luz se encontram.
Na Idade Média, Maria passou a ser celebrada como “Nossa Senhora das Candeias (da luz), da Candelária, da Luz ou Purificação.” Essa relação devocional com Maria surgiu da tradição de fé espanhola. Conta-se que nas ilhas Canárias, por volta do ano 1400, quando dois pastores guardavam seus animais perto de uma caverna, eles perceberam que esses não queriam entrar no local, mas os pastores entraram e depararam com uma imagem de Nossa Senhora com o Menino Jesus no colo. O fato tornou-se conhecido. O povo foi ver a imagem e encontrou seres invisíveis com candeias, velas nas mãos ao lado de Nossa Senhora. Daí o título de Nossa Senhora da Candelária.
Muito antes, no entanto, o Papa Gelásio, no seu papado de 492-496, instituiu na Igreja uma solene procissão noturna de velas em homenagem a Maria. A partir de então, essa festa mariana e a da apresentação do Menino Jesus no Templo ganharam tradição no império Romano.
Quando Maria chegou ao Templo, a luz dos olhos do velho Simeão bendiz a Deus por ter visto o Messias, a luz que iluminaria os povos. A luz que seria causa de tropeço para muitos. Por ter trazido a luz ao mundo, Maria também sofreria com uma espada que traspassaria a sua alma, quando a luz dos olhos de seu Filho fosse apagada por seus inimigos.
A nossa vida é marcada, do nascer ao morrer, por trevas, luzes e velas em relação a Deus, substantivo que em sânscrito, umas das línguas indo-europeias mais antigas, se grafa com dêva ou dywe, que vem de div e significa brilhar, e dew, luz, brilho. Assim, da raiz de brilhar, luz, é que se originaram os substantivos Deus e dia. Daí que bom dia, bôdiè, é o mesmo que boa luz e bom deus. Em outras palavras, que Deus seja luz em seu caminho.
Quando Deus criou o mundo, primeiramente, ele fez a luz para a distingui-la das trevas (Gn 1,3). Quando nascemos, nossa mãe dá à luz. Nascemos, chegamos à luz do dia. Noite e trevas rondam o nosso viver. Sempre buscamos a luz. Uns perdem a luz de sua vida e passam a ser sinal de escuridão. Uns até chegam a tirar a luz da sua vida. Triste sina! Outros não têm o acesso à vida digna e passam uma vida inteira sem o brilho da dignidade social.
Quando comemoramos o nosso aniversário, apagamos a luz de velas, significando o fim de um passado e o recomeço na luz de um novo ano de vida. Quando morremos, acendem velas para nós. Celebram o nosso velório que, no passado, era somente à luz de velas. Naquele dia, uma última vela de nossa existência terrena é apagada em nossa vida mortal. Um confrade meu de saudosa memória, Frei Antônio Rocha, disse com voz trêmula, no leito de morte: “Sinto que uma luz está se apagando dentro de mim, não consigo mais!”
Quem foi luz na vida terá a graça de se reencontrar com Deus, a Luz da qual originou a nossa vida. A Luz que nunca apaga na morada eterna. Que sejamos como o Menino Jesus, luz para todos! Que Maria nos ajude a iluminar os caminhos de nossa vida com a vela da fé que a conduziu ao templo de Jerusalém. Que Simeões e Anas nos abençoem no decorrer da apresentação de nossas vidas, até o dia derradeiro de nossa existência, sendo sinal de luz na vida de pessoas e povos. Que Deus luz ilumine o nosso tempo tão marcado pelas trevas do erro, pela desigualdade social, pela ganância de alguns e sofrimento de tantos. Amém! Que sua luz brilhe sempre!
[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ