Que a Palavra de Deus seja nosso pão diário capaz de nos alimentar para que sejamos testemunhas do ressuscitado.
Frei Vitor Vinicios da Silva, OFM[1]
Em vista da celebração do mês da Bíblia, recorremos a carta aos Romanos para que nos ajude a, cada vez mais, estreitar a nossa relação com o Deus-Trindade. Conforme a nossa fé, que a Palavra de Deus seja nosso pão diário capaz de nos alimentar para que sejamos testemunhas do ressuscitado. Nosso propósito não será de nos atermos as discussões de datas, autoria e demais problemáticas que a crítica histórica aponta de maneira profunda e vasta. Mas, queremos elucidar três dimensões da Carta aos Romanos que nos ajudam a viver a identidade cristã de maneira coerente e comprometida.
O primeiro passo que queremos dar é compreendermos a importância que as epistolas carregam. Ora, a circulação das epístolas nos aponta para uma compreensão não apenas geográfica, mas de interesses e conflitos que permeavam as primeiras comunidades cristãs. As cartas do Novo Testamento, como meio de comunicação, carregam a intencionalidade de serem vistas como um meio de fortalecer a fé, de ensinar diante das muitas correntes heréticas e ajustar a vivência da fé diante dos muitos problemas culturais. Assim, podemos compreender que a epístola aos Romanos nos aponta para um largo campo de desafios e perguntas que continuam presentes em nosso meio.
Diante disso, somos levados a meditar a carta de Paulo as comunidades de Roma em vista das nossas comunidades atuais. A mensagem contida nessa epístola carrega pontos fundamentais para a nossa fé, traça a nossa identidade de cristãos e nos leva a compreender que ser cristão não é, apenas, participar de celebrações e ouvir palavras bonitas. A verdadeira identidade cristã nos leva a assumir as ‘roupagens de Cristo’ por meio de nossos hábitos e palavras. Segundo o teólogo Reith, a carta ao Romanos tem um caráter de síntese da pregação de Paulo, ou seja, sua preocupação é pregar um evangelho inclusivo que rompa as barreiras culturais e religiosas do judaísmo. No fim, o apostolo dos gentios nos afirma que a unidade não é uniformidade étnico-cultural e muito menos de assimilação de ritos e práticas, mas a construção de um ambiente que permita a ação de Deus, em Jesus Cristo, que nos leve a vivência dos valores do Reino de forma harmoniosa.
Com base nesse propósito, vamos elucidar três dimensões da carta que nos auxiliam na caminhada de fé. Embora a epístola carregue um vasto e denso conteúdo, podemos jogar luzes em alguns elementos que nos ajudam na vivência de nossa fé pelas semelhanças do tempo. O primeiro traço importante para chegarmos as dimensões é ter a ciência que a comunidade se caracterizava como centro do poder sendo marcada pela pluralidade cultural e religiosa. Dessa forma, temos um terreno muito semelhante ao nosso tempo, uma população, ao mesmo tempo, numerosa e diversa que luta por uma vida mais digna e igualitária com vistas a um poder que seja exercido de forma justa e coerente.
Essa característica nos leva a traçar a carta em sua riqueza, pois seu conteúdo, de maneira geral, pode ser demarcado com três ênfases importantes para o nosso tempo: justificação pela fé em Jesus Cristo, unidade na Igreja (gentios e judeus) e a práxis cristã (como viver de maneira digna a fé). A primeira dimensão da justificação apontada por Paulo em sua carta (Rm 3,28; Rm 5,1) quer nos ajudar a compreender que o ser humano é declarado justo diante de Deus não por seus próprios méritos ou obras, mas pela confiança que deposita na graça oferecida por Deus. Em outras palavras, devemos acolher a salvação como dom gratuito de Deus e não como algo a ser conquistada por meio da observância da lei. No fim, Paulo não despreza a lei e sim nos diz que ela não pode nos dar a vida eterna.
A segunda dimensão traçada na carta é a unidade como característica fundamental do ser cristão. Embora sejamos diferentes, somos um só corpo em Cristo (Rm 12, 4-5) fazendo-nos compreender que não vivemos para nós mesmos (Rm 14,1-3), mas para o próximo. Com isso, a mensagem de Paulo nos ajuda a sair de nossos egoísmos capazes de construir murros, não-diálogos e guerras. A dimensão da unidade se faz proeminente em uma cultura da fragmentação e esfacelamento da vivência comunitária. O testemunho do cristão sem a dimensão da unidade é marcado pela exclusão, conflitos e uma inercia na prática cristã. Assim, somos convidados a nos alimentarmos dessa Palavra para que sejamos fiéis ao mestre Jesus recuperando a unidade como fundamento da nossa fé.
Em terceiro lugar, igualmente importante, salientamos a dimensão da vida prática do cristão. O verdadeiro discípulo de Jesus Cristo faz da sua vida um reflexo dos gestos e palavras do mestre. É preciso amar sem hipocrisia (Rm 12, 9-10), somos convidados a traduzir a nossa fé em atitudes concretas. Em outras palavras, uma vida marcada pelo amor fraterno, hospitalidade e pelo respeito mútuo. Assim, a fé que se justifica deve originar uma vida integral que se fundamenta em uma ética cristã prática.
Por fim, diante dessas três dimensões iluminadoras, a Carta aos Romanos continua sendo um farol para nossas comunidades de hoje. Em meio a uma sociedade plural e muitas vezes fragmentada, ela nos recorda que a fé não é teoria, mas um caminho de comunhão e testemunho. Portanto, celebrar o mês da Bíblia é mais do que estudar um texto antigo: é deixar que a Palavra renove nossa esperança, fortaleça nossa identidade cristã e nos impulsione a viver, com coragem e coerência, os valores do Reino que Paulo anunciou e que continuam atuais em nossos dias.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2000.
MARTINS, J. E; SCHELL, Vitor Hugo; WACHHOLZ, Wilhelm. A carta aos Romanos e a sua relevância para o testemunho da Igreja contemporânea. Revista Pistis e Praxis, Curitiba, v. 16, n. 3, p. 550–563, dez. 2024.
RIETH, Ricardo W. A epístola do Bem-aventurado Apóstolo Paulo as Romanos: Dr. Martinho Lutero. Introdução. In: Obras selecionadas: interpretação bíblica: princípios. São Leopoldo: Sinodal. Porto Alegre: Concórdia, 2023.v.8.p.237-254.
[1] Graduado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino, graduado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e Especialista em Ensino Religioso e Gestão Integradora pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais, IPEMIG.