Francisco e Clara de Assis não fugiram do mundo, mas converteram-se no mundo, tornando-se fermento de justiça e fraternidade.
Frei Laércio Jorge de Oliveira, OFM
Francisco e Clara de Assis não fugiram do mundo, mas converteram-se no mundo, tornando-se fermento de justiça e fraternidade. Não foram apenas santos de uma época distante, mas profetas cujas vidas ecoam um urgente chamado à conversão em meio às estruturas de injustiça e desigualdade. Suas histórias, iluminadas pelos textos complementares de José Tolentino1, nos desafiam a repensar nossa fé e nossa ação social, especialmente no contexto onde a exploração, se transveste de opressão econômica, violência e degradação ambiental, que clama por uma resposta evangélica. Clara e Francisco surgem como “a voz que clama no deserto”, anunciando a chegada do Messias e convidando à conversão. Sua humildade e seu compromisso com a verdade ecoam na renúncia às riquezas para viverem radicalmente o Evangelho.
Diante destas Minas das Gerais, marcada por coronelismos políticos e desigualdades históricas (onde o mandonismo ainda persiste), com contrastes entre a riqueza mineral e a pobreza das periferias, Francisco e Clara nos desafiam a repensar nosso apego aos bens materiais e a descentralizar o poder, promovendo lideranças servidoras. A exemplo deles, somos chamados a ser “vozes no deserto” do consumismo, denunciando a exploração dos pobres (como os atingidos pela mineração) e promovendo a simplicidade voluntária.
Como se materializar isso? Apoiando movimentos populares que lutam por moradia digna (como ocupações urbanas em BH); apoiando a economia solidária (como cooperativas inspiradas no modelo da agroecologia); apoiando o acesso e à manutenção a um trabalho digno (escala 6×1) = Trabalho – Teto – Terra! (PP. Francisco)
Jesus identifica-se com os famintos, sedentos, migrantes e encarcerados, revelando que o critério do Juízo Final é a prática da misericórdia baseada no amor concreto aos pobres: “Tive fome, e me destes de comer” (Mt 25,35). Francisco abraçou os leprosos, e Clara partilhou o pão com os pobres de Assis, mostrando que a fé se concretiza na justiça social. Somos convocados a uma conversão da indiferença diante das centenas de irmãos que vivem em situação de rua, vítimas do desemprego e da falta de políticas públicas.
Diante destas realidades Francisco e Clara nos inspiram a:
Apoiar iniciativas como as “Sopas solidárias” distribuídas nas praças e avenidas da capital.
Visitar os vários “presídios”, seguindo o exemplo de Clara, que intercedia pelos condenados a viverem reclusos pela lepra ou hoje, junto às Mulheres que alugam seus corpos para sobreviverem (Diálogos pela Liberdade), ou ao sistema carcerário que não reintegra, mas, marginaliza.
Defender os direitos dos migrantes como os venezuelanos de Bandeirinhas em Betim, lembrando que “era forasteiro, e me acolhestes” (Mt 25,35).
Juntando nossa voz às Vítimas da mineração que clamam por justiça. Francisco nos inspira a denunciar a ganância das corporações e a exigir reparação. Lembrando que nossa relação para com Deus passa pela relação respeitosa consigo mesmo, com o irmão e com a natureza.
Clara e Francisco romperam com as estruturas opressoras de sua época (o feudalismo e a Igreja corrupta). Desafiaram o feudalismo, vivendo em fraternidade com os marginalizados. E resistiram à imposição de um monasticismo elitista, criando uma forma de vida radicalmente evangélica.
Nós hoje também precisamos romper com essas estruturas que alimentam a opressão:
Contra a idolatria do dinheiro: em cidades onde o lucro das mineradoras prevaleceu sobre vidas humanas (nos crimes da Samarco/Vale), Francisco nos chama a denunciar a ganância e a exigir reparação.
Apoio irrestrito a uma Ecologia integral: a devastação do Cerrado e da Mata Atlântica mineira, a Serra do Curral (ameaçada pela especulação imobiliária) e os nossos rios poluídos e assoreados, como o São Francisco, pedem uma conversão ecológica, seguindo o exemplo de Francisco no “Cântico das Criaturas”.
Jesus alerta: “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos” (Mt 10,16). O discípulo deve ser prudente como as serpentes e simples como as pombas, pois enfrentará perseguição. Francisco enfrentou a resistência da própria Igreja em seu tempo. Clara resistiu às pressões familiares e eclesiásticas para manter sua vocação. Precisamos converter o medo em esperança. O discípulo de Cristo é testemunho, como o Mestre, de pobreza, simplicidade, humildade, assim como de coragem e clareza de posições em todas as circunstâncias, pronto a suportar com sabedoria toda injúria e pronto a denunciar toda injustiça, pois todas as vezes que a Igreja se revestiu de poderio, afastou-se do Espírito que impeliu Jesus e secaram as fontes de sua ação transformadora.
Para se evitar que isso continue a acontecer, se faz necessário:
Denunciar e defender contra a violência aos direitos humanos (como os ameaçados no campo e nas periferias) com coragem.
Ser Igreja em saída: não catedrais estáticas e vultuosas. Nossa catedral deveria ser o coração de nosso povo; as comunidades eclesiais de base CEBs e pastorais sociais dando suporte para continuarem sua missão, mesmo sob ataques, seguindo o exemplo de Clara, que não recuou diante das ameaças do próprio tio.
Repito: Francisco e Clara não fugiram do mundo, mas se converteram dentro dele, tornando-se fermento de justiça e fraternidade. Seu exemplo é urgente especialmente quando olhamos localmente:
A mineração mata, mas a resistência profética faz renascer.
A desigualdade exclui, mas a partilha franciscana faz restaurar.
A violência assusta, mas a coragem de Clara pode inspirar.
Como responder?
Pessoalmente: Vivendo a simplicidade e o desapego, como Clara em seu jardim de São Damião.
Socialmente: Engajando-nos mais e melhor em pastorais, ONGs e movimentos que defendem os excluídos. Apoiando lutas por justiça desde o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, passando pelos que se encontram em situação de rua à sombra de nossos “Santuários”.
Eclesialmente: Cultivando a contemplação que gera ação, como Francisco no Monte Alverne, fortalecendo a vivência do Evangelho, até chegar às nossas periferias existenciais e fraternas de forma radical.
Que o testemunho de Francisco e Clara nos envie, como ovelhas entre lobos, sendo prudente como as serpentes e simples como as pombas, e nos converta do comodismo e nos faça, como João Batista, preparar com coragem e esperança os caminhos do Senhor, em nossa terra, confiantes de que “aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 10,22).
Por fim, em Clara e Francisco, somos convidados a transformar os 10 princípios da Economia de Francisco e Clara2 em um novo Credo Cristão.
Creio:
na Ecologia Integral
no Desenvolvimento Integral
em alternativas anticapitalistas
nos Bens Comuns
que ‘Tudo está interligado’
na potência das periferias vivas
na economia a serviço da vida
nas Comunidades como Saída
na Educação Integral
na solidariedade e no clamor dos povos… que assim seja!
1 Aprender a Cuidar (25 de março de 2022)
https://www.imissio.net/artigos/53/5077/aprender-a-cuidar-por-tolentino-mendonca/
A Regra (27 de novembro de 2022)
https://www.imissio.net/artigos/53/4919/a-regra-por-tolentino-mendonca/ Página 2 de 5
2 https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2021-10/os-10-principios-da-economia-de-francisco-e-clara.html