30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) transcende o protocolo diplomático para assumir contornos de uma profunda convocação ética e espiritual.
Frei Laércio Jorge ofm[1]
Belém do Pará, Brasil – Sob o céu úmido da Amazónia, a abertura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) transcende o protocolo diplomático para assumir contornos de uma profunda convocação ética e espiritual. Belém, cidade fundada nas margens da baía do Guajará, não é um palco qualquer. É um símbolo. E, para compreender a força simbólica que emana deste chão, é preciso olhar para sua alma, moldada pela devoção a Nazaré.
Aqui, a festa do Círio de Nazaré não é apenas a maior manifestação de fé católica do Brasil; é o DNA comunitário de um povo que, há séculos, entende a vida como um tecido de relações. A figura de Maria, a Mãe de Nazaré, carregada em procissão por milhões, representa mais do que a devoção mariana. Ela é o arquétipo do protagonismo feminino, da resistência silenciosa e potente, da capacidade de gerar vida e de congregar uma comunidade em torno de um propósito maior.
A força que move o Círio é a mesma necessária para mover o mundo em direção a um futuro sustentável: a força da coletividade, do cuidado e da esperança tecida a muitas mãos.
É dessa Nazaré paraense que surge uma lente poderosa para ler a COP30. A primeira Nazaré, na Galileia, anunciou ao mundo uma novidade radical: o nascimento de Jesus, compreendido pela teologia como o “Novo Adão”, aquele que veio para reparar a criação, restaurando a harmonia rompida entre a humanidade, Deus e a natureza. Esse núcleo da mensagem cristã é uma chave de interpretação urgente para o momento atual.
A “reparação da criação” já não é uma metáfora distante, mas uma exigência de sobrevivência diante da crise climática que assola a Casa Comum.
Esta missão, anunciada há dois milênios, é atualizada no chamado a todos os batizados, e de modo especial e histórico para os franciscanos. Há exatos 800 anos, São Francisco de Assis, em um leito de dor, compôs o Cântico do Irmão Sol. Mais do que um poema, é um tratado de ecologia integral antes da letra. Nele, o pobrezinho de Assis chama de irmãos e irmãs o sol, a lua, a água, o fogo e a “nossa irmã, a mãe terra”. Esta visão fraternal não-antropocêntrica do cosmos é o antídoto para a lógica de exploração predatória que ameaça biomas como a Amazônia.
A Amazônia, que cerca e respira com Belém, não é um “recurso” a ser gerido, mas uma “irmã e mãe terra” que clama por reparação e cuidado permanente.
A presença da COP30 no coração da floresta é um convite para que o mundo ouça este cântico secular e o traduza em políticas concretas. Os franciscanos, com seu carisma indelével, lembram-nos que a ecologia não é uma questão técnica, mas uma questão de relacionamento correto e reverente com a trama da vida.
Assim, a COP30 em Belém torna-se um ponto de convergência singular: a ciência do clima dialoga com a sabedoria dos povos da floresta, a urgência política encontra a profundidade da fé, e o protagonismo das mulheres – tão vivo no Círio – mostra-se essencial na construção de soluções. A “Irmã Água”, celebrada por Francisco, está ameaçada pela contaminação e pela ganância. O “Irmão Fogo”, destinado a “iluminar a noite”, destrói, descontrolado, a floresta.
Neste solo sagrado pela fé e pela biodiversidade, a humanidade é interpelada.
A pergunta que ecoa não é apenas “como reduziremos nossas emissões?”, mas “que criatura queremos ser perante as outras criaturas?”.
A resposta, sugerem as ruas de Belém e o cântico de Francisco, está no reconhecimento de que
reparar a criação é, antes de tudo, um ato de fraternidade cósmica. É entender, finalmente, que salvar o irmão rio, a irmã floresta e a nossa irmã e mãe terra é a única via para salvar a nós mesmos.
Altíssimo, omnipotente, bom Senhor, a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar e nenhum homem é digno de te nomear.
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas… (Cântico das Criaturas – São Francisco de Assis)
[1] Frei Laércio Jorge, OFM. Graduado em Filosofia e Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino. Mestre em Ciências Sociais pela PUC-MG.







