O pão do altar é pão do caminho, força para seguir, para lutar, para abraçar com ternura o mundo real.
Frei Igor de Sousa, ofm[1]
Celebrar o Corpo de Cristo é reconhecer, com fé e com os pés no chão, que Deus não se escondeu atrás de doutrinas abstratas ou de ritos distantes da vida. Ele se fez pão, presença concreta e partilhada. Corpus Christi é a festa do Deus que, em meio aos conflitos do mundo, escolheu permanecer conosco em forma de alimento e comunhão.
Desde a instituição da festa, no século XIII, por iniciativa do papa Urbano IV, a Igreja Católica afirma com alegria: Jesus está realmente presente na Eucaristia. Mas mais do que uma doutrina, isso é um modo de viver e de caminhar. Santa Juliana de Cornillon, mulher sensível aos sinais de Deus, viu nas suas visões o apelo por uma festa que renovasse no coração do povo a fé no Santíssimo Sacramento. E foi escutando o povo simples, atento aos sinais dos tempos, que a Igreja acolheu essa celebração.
A festa acontece sempre numa quinta-feira, em memória da Quinta-feira Santa, quando Jesus tomou o pão e disse: “Isto é o meu corpo”. A mesma mesa do serviço e da entrega se torna agora o lugar da presença. Uma presença que não é estática, mas que quer nos pôr a caminho.
Franciscanamente falando, Corpus Christi é a festa da encarnação radical. Francisco de Assis, homem do Evangelho, tinha profunda reverência pela Eucaristia. Não por devoção vazia, mas por amor verdadeiro Àquele que se fez pequeno, acessível, presença amorosa no pão. Para ele, Cristo se faz corpo e se dá, como dom absoluto, porque deseja estar com os pequenos, ser partilhado com os pobres e reconhecido no rosto do irmão.
Corpus Christi é convite ao discernimento. Ao contemplarmos o mistério do Deus que se faz pão, somos chamados a perguntar: onde Ele continua se dando hoje? A pedagogia inaciana nos convida a “ver Deus em todas as coisas” e a “contemplar na ação”, ou seja, a não separar a adoração da missão, a fé da justiça. Celebrar o Corpo de Cristo é deixar-se mover por esse amor que se comunica na simplicidade do pão e nos impulsiona a amar com obras.
Em Minas Gerais, como em tantas partes do Brasil, celebramos com beleza e fé: tapetes de serragem, flores, arte popular. As ruas se tornam templo. E nelas, o Cristo passa. Mas não passa sozinho: convida a Igreja a sair também, a caminhar com Ele entre as casas, entre o povo, entre os sofrimentos e esperanças da cidade.
A Eucaristia nos chama à comunhão mas uma comunhão que se faz compaixão. O Corpo de Cristo que adoramos no altar é o mesmo que sangra nas periferias, que é silenciado nas vítimas da fome e do preconceito, que continua sendo crucificado nos corpos feridos dos excluídos. Contemplar o Cristo eucarístico, à luz de Inácio, é escutar o chamado à missão. Servir. Amar. Sair. E à luz de Francisco, é reconhecer esse Cristo em tudo o que é frágil, pobre e aparentemente sem valor.
Corpus Christi nos diz que a fé não é fuga do mundo, mas mergulho. Não é isolamento, mas envio. O pão do altar é pão do caminho, força para seguir, para lutar, para abraçar com ternura o mundo real.
Neste ano, ao vermos os tapetes coloridos cobrindo as ruas, que possamos fazer do nosso coração um altar, da nossa vida um caminho, e da nossa fé um ato de presença concreta. Pois Ele continua conosco. E caminha. Sempre caminha.
[1] Professo Temporário, graduado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino e graduando em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Foto: foto free internet