No cristianismo, a cruz, na qual Jesus morreu e através da qual chegou à Ressurreição, transformou-se no símbolo principal da ação salvífica de Deus.
Dom José Belisário, OFM
Ouvi de um palestrante que o cristianismo, ao longo de sua história, tem criado símbolos vigorosos, de darem inveja a qualquer marqueteiro atual. Um desses símbolos, disse ele, é a cruz. É de se observar, porém, que este símbolo não é propriamente uma criação cristã. O desenho de duas linhas que se entrecruzam é encontrado em várias partes do mundo e em várias culturas, pelo menos desde o tempo da Idade da Pedra. A cruz já simbolizava, então, a intersecção do mundo material – desse mundo empírico que posso tocar, medir e cheirar – com o mundo espiritual que podemos apenas vislumbrar. A ele podemos aceder somente através de ritos e práticas mágicas. Como exemplo, podemos citar a cruz gamada ou suástica. Entre os brâmanes e os budistas, ela representava a felicidade, a boa sorte ou a salvação. Como tudo na vida pode ser manipulado e ideologizado, esse símbolo tornou-se símbolo de destruição e morte, ao ser adotado como emblema oficial do partido nazista.
A crucificação, como método de se aplicar a pena de morte, parece ter surgido na Pérsia. Através de Alexandre Magno, essa prática teria sido trazida para o Ocidente. O fato é que os romanos, ao tempo de Jesus, já a utilizavam. Em alguns casos, até em larga escala, como na revolta dos escravos liderados por Espártaco, ocasião em que consta terem sido crucificados mais de cinco mil revoltosos. O escritor Flávio Josefo também relata que Tito, durante o cerco aos judeus no ano 70, crucificou vários deles ao longo da muralha de Jerusalém.
No cristianismo, a cruz, na qual Jesus morreu e através da qual chegou à Ressurreição, transformou-se no símbolo principal da ação salvífica de Deus. Nas cartas de São Paulo, podemos constatar que a cruz, até então sinal de ignomínia, transforma-se rapidamente em sinal de salvação. Naturalmente que esse processo não foi fácil, pois, como diz São Paulo, “o Cristo crucificado é um escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Cor 1,23).
Em 2019, por ocasião dos 70 anos da Província Santa Cruz, concluí um artigo publicado na revista Santa Cruz, mais ou menos da seguinte maneira:
Os frades missionários holandeses foram muito felizes na escolha do nome do Comissariado, mais tarde, Província de Santa Cruz. Esse nome evoca, de um lado, os inícios da história do que viria a ser o Brasil e, de outro, a mística cristã da cruz redentora de Cristo, tão meditada e venerada por São Francisco de Assis. É a essa mística da cruz que a Evangelii Gaudium, se refere nos números de 84 a 86, que podemos resumir da seguinte maneira:
- O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas uma cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória.
- A cruz não é sinal de pessimismo. O papa Francisco relembra, então, o discurso de João XXIII, em 11.10,1962, por ocasião da abertura do Concílio Vaticano II: Não ao pessimismo estéril. Não aos profetas das desgraças.
- Ninguém pode empreender uma luta, se de antemão não está plenamente confiado no triunfo.
Como conclusão, me interrogo: será que podemos afirmar que a mística e a teologia cristãs sobre a cruz traduzem e reafirmam aquilo que nossos ancestrais já vislumbravam e que, inconscientemente, permanece nas nossas profundezas arquetípicas?
Foto: Cathopic – Banco de imagens gratuito.