A celebração do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos nos lembra que ela serve como um fundamento ético e legal duradouro para a comunidade global, apesar de enfrentar desafios persistentes como conflitos, desigualdades, dilemas tecnológicos e crises climáticas.
Frei Oton Júnior, ofm
O Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro, marca a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pela ONU em 1948, três anos após o fim da II Guerra Mundial. Este documento foi o primeiro de caráter universal na proteção dos direitos humanos e serve de alicerce para as constituições democráticas modernas.Frei Oton JúniorO Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro, marca a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pela ONU em 1948, três anos após o fim da II Guerra Mundial. Este documento foi o primeiro de caráter universal na proteção dos direitos humanos e serve de alicerce para as constituições democráticas modernas.
Os trinta artigos da DUDH constituem um marco normativo que baliza a conduta de Estados e cidadãos. Este dia é um momento crucial para celebrar os avanços e, sobretudo, refletir sobre ações concretas para garantir os direitos civis, políticos, sociais e ambientais de toda a população mundial.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos não é uma mera relíquia histórica, mas um documento fundamental e extremamente relevante que atua como norma comum de conduta e um alicerce inabalável para o direito internacional. Sua relevância na atualidade manifesta-se na aplicação contínua diante de complexos desafios globais e contemporâneos.
A Declaração inspirou inúmeros tratados, leis nacionais e constituições, promovendo a igualdade, justiça e dignidade humana. Princípios como eleições livres e justas são cruciais para o fortalecimento de sociedades democráticas, e a DUDH atua como uma linha de defesa contra abusos de poder, servindo de parâmetro para a conduta dos governos. A garantia de direitos econômicos e sociais, como o direito ao trabalho, salários justos e segurança social, coloca a Declaração no centro dos debates sobre desigualdade de renda e acesso a serviços básicos (saúde, educação e moradia), guiando iniciativas globais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Apesar de sua importância, a efetividade da DUDH enfrenta obstáculos significativos na prática, exigindo a atenção constante da comunidade internacional. Podemos citar três desafios mais em voga no momento:
Em zonas de conflito e crises humanitárias, direitos fundamentais como o direito à vida e a proteção contra a tortura são frequentemente violados. O aumento de crises migratórias desafia o direito de asilo (Artigo 14), e a lentidão dos sistemas internacionais de proteção limita a capacidade de resposta a violações sistemáticas. Além disso, a desigualdade social e econômica global e a pobreza extrema impedem o acesso pleno a direitos sociais e econômicos essenciais, como saúde e educação dignas.
O avanço tecnológico levanta novos debates sobre a aplicação da DUDH no espaço digital. Questões como a proteção de dados pessoais, a ética na inteligência artificial e o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o combate ao discurso de ódio são desafios emergentes que redefinem o direito à privacidade e à liberdade no mundo moderno.
As mudanças climáticas e a degradação ambiental ameaçam direitos fundamentais, impulsionando o debate sobre a inclusão do Direito a um Meio Ambiente Saudável como um direito humano. Paralelamente, a persistência da discriminação (racismo, sexismo, intolerância religiosa) exige políticas contínuas e específicas para a proteção de grupos vulneráveis.
A Igreja Católica: da cautela ao apoio incondicional
A relação da Igreja Católica com os Direitos Humanos evoluiu de uma inicial cautela para uma aceitação e apoio enfáticos, ancorados na Dignidade da Pessoa Humana, vista como um reflexo da imagem de Deus. O reconhecimento formal e explícito ocorreu com o Papa João XXIII na Encíclica Pacem in Terris (1963), que classificou a DUDH como um ‘ato de altíssima relevância’. O Concílio Vaticano II (1962-1965) consolidou esse apoio: a Declaração Dignitatis Humanae baseou o Direito à Liberdade Religiosa (Artigo 18 da DUDH) na dignidade inerente, e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes condenou a discriminação e reforçou os direitos econômicos e sociais.
O Papa Francisco colocou os Direitos Humanos no centro de seu magistério, enraizando-os na Doutrina Social da Igreja e em sua luta contra a cultura do descarte. Sua abordagem é integral, defendendo fortemente os direitos sociais, econômicos e ambientais (segunda e terceira gerações) além dos direitos civis (primeira geração). Por diversas vezes, Francisco denunciou a ‘cultura do descarte’ e insistiu na prioridade aos pobres, para quem os direitos humanos são violados por desigualdade estrutural, falta de moradia, fome e desemprego. Ele resumiu os direitos fundamentais em Terra, Teto e Trabalho (3 T’s), considerando-os sagrados. Com a Encíclica Laudato Si’ (2015), ele estabeleceu a conexão indissolúvel entre crise ambiental e crise social, elevando a defesa da Casa Comum como um direito humano das gerações. Posteriormente, a Fratelli Tutti (2020) defendeu a fraternidade universal como o único contexto em que os direitos podem ser plenamente realizados, condenando o individualismo e apelando ao ‘dever universal de cuidado’ (o Bom Samaritano), especialmente em relação aos migrantes e refugiados.
O magistério do Papa Leão XIV, por sua vez, tem se concentrado em adaptar os princípios da Igreja aos desafios da era moderna, com um foco particular na dignidade humana em um mundo cada vez mais digitalizado; ele aborda especificamente os ‘novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho’ impostos pela inteligência artificial e a robótica. Além disso, sua primeira exortação apostólica, Dilexi te (“Eu te amei”), sublinha o amor pelos pobres como um caminho central de santificação e um pilar da fé. O Papa também defende a construção de pontes, o diálogo e o encontro entre os povos como essenciais para a paz e a união globais, e reitera que o direito à liberdade religiosa não é opcional, mas sim um elemento fundamental. Numa carta apostólica, ele conclui que a educação é uma ferramenta vital para promover a dignidade, a justiça e a confiança num mundo frequentemente marcado pelo conflito.
Conclusão
A celebração do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos nos lembra que ela serve como um fundamento ético e legal duradouro para a comunidade global, apesar de enfrentar desafios persistentes como conflitos, desigualdades, dilemas tecnológicos e crises climáticas. A Igreja Católica, por sua vez, evoluiu de uma cautela inicial para um apoio incondicional aos direitos humanos, vendo-os como um imperativo evangélico enraizado na dignidade intrínseca da pessoa humana.






