Celebrar o dia da consciência negra, é celebrar a negritude do povo Negro, sua história, resistência e luta.
“A bala não erra o alvo, no escuro
um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros”
Conceição Evaristo
No mês em que celebramos a data da consciência negra no Brasil, 20 de novembro, recebemos, com grande pesar, duas pesquisas que ainda mostram a força do racismo na sociedade brasileira e o mal que provoca, principalmente, à comunidade negra.
Segundo o site da UOL[1], revela que, em média, nove em cada dez vítimas da polícia têm a pele negra em oito estados brasileiros: Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Rio de Janeiro. Na sequência, o relatório Pele Alvo: a bala não erra o negro[2], mostra que 87,35% das pessoas mortas em decorrência de ação policial em oito estados do Brasil em 2022 eram pretas e pardas, segundo dados obtidos das próprias polícias.
A crescente ideologia do racismo estrutural, em nossos dias, tem produzido morte, a qual nos intriga por ser um grupo muito específico, tratando-se da juventude negra de 15 a 29 anos. A problemática que levantamos é uma das formas concretas de perceber que o ser negro no Brasil é, ainda, um alvo de morte. Essa mentalidade é fundada na ideia de que o negro sempre está ocupando o lugar de alguém e oferecendo perigo, o negro é sempre uma adversidade!
No Brasil, por muito tempo, os pesquisadores da temática racial tiveram dificuldades em conceituar o racismo e seu modus operandi. Desta forma, é difícil precisar a gênesis do racismo, embora no Brasil essa problemática tenha se dado a partir da supremacia racial, quando uma raça se julga melhor que a outra. Essa problemática ainda hoje é visível, pois a questão não é somente um ato jurídico de pôr um fim ao trabalho escravo, como foi a Lei Áurea, mas de denunciar a ideologia, ainda presente, na qual a cor da pele, o ser preto/negro é ainda visto como mal ou não confiável.
Para Neusa Santos, o negro no Brasil precisou a ser equiparado ao branco, para que tivesse ascensão social. Isso se dá num modo de recusa da própria raça, criando na pessoa negra um espectro de inferioridade perante uma pessoa branca que, por sua vez, se encontra num lugar de privilégio, pelo simples fato de ser branca.
“A sociedade escravista, ao transformar o africano em escravo, definiu o negro como raça, demarcou o seu lugar, a maneira de tratar e ser tratado, os padrões de interação com o branco, e instituiu o paralelismo entre cor negra e posição social inferior” (SANTOS, 2021, p.48)[3]. Uma vez demarcado o lugar do negro/a no Brasil, este lugar não foi de destaque e nem central, mas posto em lugar de inferioridade, agravando cada vez mais o racismo na estrutura da sociedade brasileira.
A realidade produzida pelo racismo estrutural afeta principalmente a juventude negra de 15 a 29 anos. Compreendermos o racismo estrutural é entendermos a estrutura de funcionamento de uma sociedade que se mantém sobre o privilégio de dominação sobre um grupo especifico. Silvio de Almeida traz algumas definições que podem nos ajudar a compreender essa querela tão presente no nosso contexto.
O racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, o que queremos explicitar é que o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea (ALMEIDA, 2019, p.15)[4].
Diante destes dados, o que nos faz refletir sobre o dia da consciência negra é, justamente, de conscientizar sobre a existências de pessoas negras na sociedade brasileira. Neste sentido, é preciso retomar o termo negritude, cunhado por Aimé Césaire, ao qual ele relata, que
Negritude, a meu ver, não é uma filosofia. A negritude não é a metafisica. A negritude não é uma concepção pretensiosa do universo. É uma maneira de viver a história na história; a história de uma comunidade cuja experiência se revela – verdade seja dita – singular, com suas deportações populacionais, suas transferências de pessoas de um continente a outro, suas memorias de crenças distantes, seus escombros de culturas assassinadas. […]. Não me importa os cromossomos. Mas eu creio nos arquétipos” (CÉSAIRE, 2022, p.215)[5].
Celebrar o dia da consciência negra, é celebrar a negritude do povo Negro, sua história, resistência e luta. É um ato de buscar erradicar o racismo na sociedade brasileira por meio de políticas públicas de inserção da comunidade negra e de reparação pelos abusos da escravização, aos quais fomos acometidos por mais de 400 anos. Não basta ter uma consciência humana quando a consciência, ainda, infelizmente, é desumana!
[1] Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/11/16/letalidade-policial-negros-vitimas.htm?cmpid (Acesso em 16/11/2023).
[2] Pele alvo [livro eletrônico]: a bala não erra o negro / Silvia Ramos…[et al.]. –Rio de Janeiro : CESeC, 2023. (Acesso em 16/11/2023).
[3] SOUZA, Neusa Santos. 2021. Tornar-se negro: Ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Zahar.
[4] ALMEIDA, S. Racismo estrutural. [Racismo Estrutural]. São Paulo: Pólen, 2019. 264 p. ISBN 978-85-98349-75-6 – Livro digital
[5] CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre a Negritude. São Paulo: Record, 2022
Texto: Frei Higor Ferreira de Oliveira
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