A morte de Jesus não foi um mero acidente histórico…
Frei Laércio Jorge de Oliveira, OFM
A morte de Jesus não foi um mero acidente histórico, mas o desfecho de um confronto direto com os sistemas de poder religioso, político e econômico de seu tempo. Ele denunciou a exploração do Templo (Mc 11,15-18), desafiou a aliança entre Roma e as elites judaicas e recusou-se a compactuar com a exclusão dos pobres, leprosos e samaritanos.
- Quantos “templos” ainda são cúmplices da injustiça? Igrejas que abençoam latifúndios grilados, políticos que usam a fé para legitimar corrupção, ou teologias que espiritualizam a fome.
Jesus não entrou como um general romano, mas num jumento — símbolo de humildade e crítica ao militarismo (Zc 9,9). Sua procissão foi um ato político não violento, uma ocupação simbólica da cidade que excluía. Como Jesus, movimentos como o MTST ocupam terras ociosas, enquanto lideranças religiosas são criminalizadas por defenderem moradia digna.
- Lembremos das marchas das mulheres indígenas em Brasília, os protestos por justiça racial após mortes como a de Marielle Franco, ou os gritos dos sem-teto que ecoam esse mesmo gesto: ocupar os espaços de poder para exigir transformação.
- Nossas procissões, que nestas semanas ocupam ruas e praças, são rituais vazios ou gestos proféticos como a de Jesus?
As cidades que habitamos estão representadas por Betfagé (casa do azeite): lembra os trabalhadores rurais esmagados por políticas genocidas. No Brasil, 34 milhões passam fome, enquanto o país bate recordes de exportação de soja. Jerusalém (cidade da paz): aqui, a paz dos cemitérios, que espelha as políticas de segurança pública que matam 6.400 pessoas por ano, a maioria pobre, preta e de periferia. Nazaré (rebento novo): favelas e periferias, onde florescem coletivos de cultura, economia solidária e teologias libertadoras (como a Pastoral do Povo de Rua).
Jesus foi morto por um sistema que combinava: poder religioso, personificado por Caifás, representando Igrejas que pactuam com o Estado para manter privilégios. O poder econômico personificado em Herodes, representando a bancada ruralista que despeja uma família a cada duas horas (CPT, 2023). E o poder militar, personificado por Pilatos, representando políticas de “guerra às drogas” que massacram jovens negros (MBEMBE, 2018).
A partir desta realidade, iluminados pela Campanha da Fraternidade de 2025, podemos nos perguntar:
- Quem são os “vendilhões do templo” hoje?
- Quem lucra com a privatização da água, da saúde, da educação?
- Como nossas comunidades denunciam a financeirização da vida, onde até o luto das mães vira “custo social”?
Jesus escolheu a visibilidade do Domingo de Ramos para confrontar o poder. E nós? Em nossa história recente, Dom José Maria Pires, o “Dom Pelé”, que nos anos 1980 abriu as portas da Catedral da Paraíba para os sem-teto. Fica-nos o desafio atual: Enquanto o neoliberalismo precariza o trabalho (53% dos brasileiros estão na informalidade), como a Igreja se posiciona?
A entrada de Jesus nos interpela: Qual Jerusalém Queremos Construir? Não basta celebrar ramos — é preciso derrubar os muros da desigualdade. Não basta cantar “Hosana” — é preciso gritar “Basta!” como as Mães de Maio ou os atingidos por Brumadinho.
Para pensar:
- Nossa paróquia está mais próxima dos Betfagés (esmagados) ou dos palácios de Herodes?
- Como transformar a indignação em organização?
- O que significa hoje “lavar as mãos” como Pilatos? Quem faz isso no Brasil?
- Jesus não foi morto por “pecados teológicos”, mas por incomodar os donos do poder. E nós? Estamos dispostos a incomodar?
Bibliografia:
BOFF, L. Igreja: Carisma e Poder. Vozes, 1981.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 1968.
GUTIÉRREZ, G. Teologia da Libertação. Loyola, 1971.
Relatório da CPI da Fome (2023).
Documento da CNBB: “Fraternidade e ecologia integral” (2025).