“Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”.
No domingo, dia 3 de novembro, estudantes de todo o país prestaram a primeira etapa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nesta etapa, além de outras avaliações, os estudantes fizeram a redação, cujo tema é sempre uma surpresa e desperta variadas reações.
Neste ano, o tema escolhido foi: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. A Equipe Provincial de Comunicação conversou com Frei Carlos Alexandre, coordenador do Centro Franciscano de Defesa de Direitos, onde está sediada a Educafro-Minas. Frei Carlos Alexandre partilha conosco sua percepção sobre o tema da redação do Enem 2024 e a importância do tema para a reflexão racial do país:
EPC: Qual a importância desse tema da redação do Enem para o atual contexto brasileiro?
Frei Carlos: O tema “Desafios para a Valorização da Herança Africana no Brasil” é de extrema relevância no contexto atual, pois as discussões sobre racismo, desigualdade social e identidade cultural estão em destaque. A herança africana é parte fundamental da formação da sociedade brasileira, mas frequentemente é marginalizada nas narrativas históricas e educacionais. Discutir sua valorização é crucial para promover a igualdade racial, fortalecer a autoestima de jovens negros e pardos, e reconhecer a diversidade cultural que enriquece o país na literatura, na dança, na música, enfim, nos diversos e variados contextos de artes existentes. Além disso, é um cenário de crescente polarização política e social. A valorização cultural afro-brasileira se torna um ato de resistência contra o racismo estrutural, promovendo um espaço de pertencimento e reconhecimento para as populações afrodescendentes.
EPC: Quais avanços a pauta racial tem conseguido nos últimos tempos?
Frei Carlos: Nos últimos anos, a pauta racial tem ganhado um destaque importante dentro das reflexões na sociedade brasileira, haja vista a implantação das cotas raciais dentro das Universidades Públicas Federais, dentro dos Institutos Federais, nas Universidades Estaduais, nos Concursos Públicos, que também têm proporcionado o maior acesso a pessoas pretas, negros e negras, pardos, ao Ensino Superior, contribuindo assim para a formação acadêmica da população do povo negro. Além disso, podemos destacar também a iniciativa como a Lei 10.639-03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas escolas, o que tem promovido uma maior conscientização sobre a importância da herança africana.
Movimentos Sociais e culturais têm ganhado visibilidade, fortalecendo a luta contra o racismo e promovendo a valorização da cultura negra. Aqui nós podemos abrir a grande oportunidade que a Educafro-Minas tem hoje de ter um Espaço Cultural no coração de Belo Horizonte, capital mineira, em plena Praça Sete, que é o “Espaço Cultural Educafro-Minas”, que acolhe diversos grupos do segmento do movimento negro, como um espaço educativo, formativo, cultural e filosófico, que traz a expressão Cultural do Povo Negro, congregando neste espaço diversos grupos. Mas com tudo isso, os nossos avanços ainda são pequenos, são ainda insuficientes.
EPC: Em que ainda é importante avançar?
Frei Carlos: Como um pré-vestibular comunitário voltado a pessoas pretas, é crucial que se amplie o acesso de qualidade para jovens negros, e especialmente nas regiões mais periféricas do Brasil, onde as desigualdades são mais acentuadas. A dificuldade ao acesso por causa do transporte, a insegurança alimentar, além disso a luta contra violência racial deve ser intensificada. O alto índice de homicídios entre a população negra é um reflexo de desumanização histórica que ainda persiste. Também é fundamental promover a representatividade negra em espaços de poder, seja na política, na mídia ou nas instituições educacionais para que as vozes e experiências da população negra sejam devidamente reconhecidas e respeitadas. Por fim, a desconstrução de estereótipos raciais e a promoção da cultura afro-brasileira no cotidiano são passos essenciais para uma sociedade verdadeiramente justa e equitativa.
EPC: Como essas questões são tratadas na rede Educafro-Minas?
Frei Carlos: A Educafro-Minas tem trabalhado sempre em sua rede a formação de jovens negros e pardos para o acesso ao ensino superior, oferecendo o suporte de formação e orientação, promovendo encontros de conscientização sobre a importância da identidade racial e cultural, para fortalecer a autoestima e a uma consciência crítica entre os estudantes.
Nesse contexto, nasce dentro do Educafro-Minas o Caderno de “Negritude e Cultura e Cidadania”, como disciplina do curso, lecionada pelo menos numa aula semanal, essa disciplina aborta questões cruciais da identidade negra, resistência cultural e cidadania, promovendo um espaço de reflexão e conscientização. Seu conteúdo abrange desde a história da luta racial até a valorização das manifestações culturais afro-brasileiras. Está profundamente alinhado com as crenças e os princípios da rede Educafro-Minas.
Acreditamos que o Caderno e nossa proposta pedagógica contribuam para o fortalecimento da autoestima, da consciência crítica, tanto dos alunos, como do professor/a que atua nessa disciplina. Ao longo dos anos, temos tratado de temas que refletem as demandas atuais da sociedade, como o racismo estrutural, a diversidade cultural e inclusão, sempre em diálogo com a riqueza cultural afro-brasileira. Assim, a disciplina não apenas responde às necessidades dos estudantes, mas também reafirma a importância da negritude na construção de um futuro mais equitativo e justo para todos.