“A economia pode ser, deve ser e vai ser justa para todas as vidas, já!”.
Frei Laércio Jorge de Oliveira, OFM
Evento termina com celebração em memorial de
Dom Helder e entrega de réplica de sua cruz
peitoral, simbolizando o compromisso de ser
sentinela de uma economia a serviço da vida.
RECIFE, 14 de setembro de 2025 – O III Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara chegou ao fim neste domingo (14) não com uma conclusão, mas com um pontapé inicial. Realizado em um cenário carregado de simbolismo – a Igreja das Fronteiras, local intimamente ligado à história negra de Pernambuco e que serviu de residência para Dom Helder Câmara –, o encerramento misturou fé, política e profecia em um chamado urgente à ação.
A manhã começou com uma Celebração Eucarística presidida por Dom Adriano Ciocca, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), no mesmo espaço onde Dom Helder sonhou e resistiu. Dali, os participantes seguiram, lembrando a caminhada do povo de Deus, para a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) para o painel final, que trouxe vozes potentes para fechar os quatro dias de intensos debates.
A primeira convidada, Manuela D’Ávila[1], conectou-se remotamente e lançou perguntas fundamentais ao plenário: “Que mundo novo é esse que estamos pensando? Como construir isso? Que novidade é essa?”. Ela relembrou seu encontro com o Papa Francisco em 10 janeiro de 2023, em meio a ataques sofridos por ela e sua família, para constatar a violência da atual conjuntura brasileira.
Sua fala pautou a luta das mulheres no centro da construção de uma nova economia. “É possível se conectar com as lutas e dores dos territórios, sem colocar no centro a luta e as dores das mulheres brasileiras?”, questionou. Para ela, o protagonismo atual no Brasil é das mulheres, “profundamente ligado à vida, ao cuidado da vida”. Alertou que a pacificação é uma ilusão, pois se vive um momento histórico de violência contra negros, mulheres, jovens e idosos.
Ao falar de tecnologia, D’Ávila indagou sobre o propósito da vida diante da Inteligência Artificial e da possível perda massiva de empregos. “O que debatemos em encontros como estes não são apenas desejos, mas são urgências para a vida social”. Seu apelo foi por uma economia “da” e “para” a Vida (baseada no cuidado), e não “com a” Vida (que a sequestra e descarta). “Não sejamos vozes que apregoam o fim dos tempos, mas vozes que tragam a novidade para este tempo”, exortou.
Em seguida, João do Vale, agente pastoral da CPT e da Teologia da Libertação, trouxe a fala mais contundente do dia, ancorada na Oração de São Francisco na versão-desabafo[2] de Dom Pedro Casaldáliga. Com a experiência de quem vive com os povos do campo, ele foi direto: “O capitalismo é um jeito legal de organizar a morte”.
Com dados na mão, mostrou a absurda concentração de riqueza – “73% do dinheiro do mundo para 13% da população na Europa” – e questionou: “Qual a nossa prática de vida diante do capitalismo? A pior opção é acreditar em remendo. Francisco e Clara não procuraram remendar o sistema de sua época, eles romperam“.
Para João, o governo atual, embora faça opção pelos pobres, não a faz pela natureza, sendo apenas um “gerente do sistema”. A saída, portanto, não está em construir dentro dos espaços do capitalismo, mas em uma conversão radical. “Transição energética é acabar com o agronegócio como está estruturado”, defendeu, criticando o discurso da “energia limpa” que esconde quem realmente produz o efeito estufa.
O caminho apontado por ele tem duas atitudes fundamentais: “formação política e trabalho de base” e “solidariedade”, pois não há luta solitária. Citando Gramsci, Che Guevara e São Paulo, ele afirmou que a novidade que se propõe se resume à sensibilidade e, no fim, ao Amor. “O mundo é tão velho que para ser novo, só fazendo outro”, finalizou, ecoando Casaldáliga.
Ao final das intervenções, seguiram-se agradecimentos a todos os voluntários que tornaram o encontro possível. O encerramento oficial foi marcado por uma mística das sentinelas, onde luzes foram partilhadas, simbolizando a missão de cada participante de iluminar seus territórios.
Como um gesto carregado de significado, cada pessoa presente recebeu uma réplica da cruz peitoral de Dom Helder Câmara. Mais do que uma lembrança, era um símbolo de inspiração e compromisso, um chamado a carregar adiante a esperança teimosa do profeta pernambucano.
O III Encontro terminou, mas ecoa sua mensagem central, um mantra de fé e determinação que guiará os passos de todos que estiveram em Recife: “a economia pode ser, deve ser e vai ser justa para todas as vidas, já!”.

[1] Manuela Pinto Vieira d’Ávila é uma jornalista, escritora e política brasileira, atualmente sem partido. Foi deputada federal pelo Rio Grande do Sul entre 2007 a 2015, deputada estadual de 2015 a 2019 e candidata a vice-presidente da República na eleição de 2018.
[2] A Oração a São Francisco em forma de desabafo é um texto de Dom Pedro Casaldáglia, que questiona São Francisco e a irmandade sobre o estado da humanidade, expressando uma visão crítica da sociedade contemporânea, marcada pela cobiça e pela falta de amor, pedindo para que a vida religiosa se volte para os que sofrem e que se construam relações baseadas na fraternidade e na justiça, como os modelos de São Francisco e Clara de Assis. Versão: https://www.youtube.com/watch?v=OJQb77pcdgM















