O terceiro dia do III Encontro da Economia de Francisco e Clara foi uma jornada do espírito à ação.
Frei Laércio Jorge de Oliveira, ofm
Entre espiritualidade, denúncia e prática, o dia 13 do Encontro mostrou que a Economia de Francisco e Clara continua a se reinventar como um movimento vivo, que une fé, cultura e luta social em busca de um novo mapa para tempos desafiadores.
RECIFE, 13 de setembro de 2025 – O terceiro dia do III Encontro da Economia de Francisco e Clara foi uma jornada do espírito à ação. Se na véspera o debate foi sobre denúncia e crítica estrutural, neste sábado o evento buscou as raízes da cura e os frutos da esperança prática, guiado pela voz dos povos originários e pela experiência de quem já constrói, no chão da cidade, a economia do cuidado.
A manhã começou com um momento de espiritualidade conduzido por representantes do povo Xucuru, que saudaram a Mãe Terra e invocaram as bênçãos dos antepassados. Sob a inspiração do Salmo 65 e da Carta da Terra (1992), o painel central foi lançado com uma pergunta provocadora aos participantes, via tecnologia: Que palavras devem estar na Carta da Terra HOJE?
O momento foi marcado pelo simbolismo do Baobá, árvore da resistência, com a oferta de uma muda e a mensagem: “eu te acolho”, “eu te dou espaço” e “caminharemos juntos”. A canção “Negra Mariama” encerrou a abertura, unindo a ancestralidade africana à indígena.
Plácido Júnior, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), abriu o painel lembrando a missão comum da economia e da ecologia: cuidar da casa. Ele questionou os mapas que guiam a humanidade em “mares nunca dantes navegados” e alertou para a “ruptura metabólica” em curso. “Os conflitos são contradições da sociedade no seu estado prático, assim como a febre é sinal de que algo está errado em nosso corpo”, afirmou.
Outra voz que ecoou entre nós foi a de Roseane Xucuru. Com a força de quem defende a vida na linha de frente, ela traçou um diagnóstico urgente: o processo colonial continua sua luta pelos territórios e corpos, praticando etnocídio, genocídio e violência cultural e religiosa. “Somos um povo semente”, declarou, lembrando o cacique Chicão, morto em luta. Ela criticou com veemência o antropocentrismo – “Não somos centro, somos parte!” – e alertou para o perigo de “colorir o capitalismo de verde ou azul” para torná-lo palatável. Classificou como “absurdo” que a água, um bem comum, esteja subordinada ao Ministério de Minas e Energia. “O mesmo Estado que tem a missão de garantir a vida é o que viola os nossos direitos“, denunciou. Sua fala foi um chamado à reorganização total da economia a partir de uma “sabedoria ancestral”, onde “a mata é o cabelo, as pedras são os ossos e a água é o sangue da Terra”.
Um vídeo com as palavras do Papa Francisco deu início à segunda parte do painel. Frei Jean Pietro, do Peru, representante da Família Franciscana, recuperou os quatro princípios do pontífice (o tempo é superior ao espaço, o todo é superior à parte, a unidade é superior ao conflito e a realidade é superior à ideia) como bússola para a ação. Alertou, como o Papa, contra o “canto das sereias do populismo” e do capital, que seduzem e exploram.
A teóloga argentina Emilce Cuelda, da Cúria Romana, trouxe uma reflexão densa e original: “A evangelização se dá pela cura. Curar não é assistencialismo“. Para ela, não há esperança possível sem uma economia intrinsicamente ligada à evangelização, a serviço da paz e do bem. “A guerra é a forma mais atroz de entender que a economia falhou“, disse. E apontou o caminho: A Criatividade. “Quando somos criativos, somos divinos. Pensar em economia é perceber o vínculo entre economia e violência, e não podemos viver esta mesquinhez”.
Três palavras sintetizaram a manhã: Abertura, Paixão e Responsabilidade.
A tarde foi dedicada a mergulhar na realidade do Recife. Os participantes se dividiram em nove oficinas.
No Memorial da Democracia de Pernambuco, “que é, como definiu o professor Manoel Moraes[1], um equipamento educativo, dinâmico e deve ser um ponto de partida para uma política pública de memória, que amplie o conhecimento das gerações futuras sobre a indignidade de uma ditadura militar” foi ministrada a oficina “Democracia e Justiça com memória, arte e resistência”, Frei Laércio Jorge vivenciou a potência da memória como antídoto contra a opressão. “Foi muito interessante ver como a resistência, na forma de conhecimento histórico, interpretação de texto e consciência de classe, se tornou o orgulho de um povo que soube se organizar para enfrentar com criatividade a sua realidade”, relatou.
Já Luana Calixto e Luiz Augusto participaram da oficina “Economia popular, trabalho, cooperativismo e autogestão” no Movimento dos Trabalhadores Cristãos (MTC), um espaço histórico de acolhida durante a ditadura. Mediada por Conceição Globavante, a atividade resgatou a metodologia do “ver, julgar e agir”. A professora Alzira foi categórica: “O modelo dominante nos formou para o emprego formal… é urgente recuperar a compreensão de que os meios de produção pertencem às pessoas, não às corporações“. A oficina destacou que a mudança exige educação popular crítica, democratização real do Estado e a cultura como pilar de novas identidades coletivas. “Socializar experiências de trabalho solidário é um gesto de esperança. Mais que sobreviver, trata-se de reinventar o trabalho e a sociedade“.
Os trabalhos do dia terminaram como começaram: em comunidade. Na sede da cozinha solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), uma noite cultural com partilha de alimentos regionais e muito samba celebrou a união entre teoria e prática, profecia e esperança, que define o espírito deste encontro.
[1] Manoel Moraes: professor e presidente do conselho do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social e da Cátedra Unesco/Unicap de Direitos Humanos Dom Helder Camara.



















