A Independência de 1822 marcou a separação política, mas a monarquia brasileira, em certa medida, representou uma continuação das relações com Portugal, sejam elas culturais e até mesmo psicológicas.
Autores[1]:
Prof. Miguel Vitor de Araujo Vieira
Prof. Frei Laércio Jorge ofm
A Independência de 1822 marcou a separação política, mas a monarquia brasileira, em certa medida, representou uma continuação das relações com Portugal, sejam elas culturais e até mesmo psicológicas. A herança cultural portuguesa desempenhou um papel relevante na formação da identidade brasileira, seja na língua, na religião, na arquitetura e em outros aspectos culturais, conforme indica Dias (1972). Mas, ao longo dos anos e décadas o Brasil foi gradualmente se distanciando das influências portuguesas, sendo a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República expressões máximas desse movimento.
Durante três séculos o Brasil foi uma colônia explorada por Portugal, com o objetivo de extrair recursos naturais, principalmente o ouro e o açúcar. Exportava também outros produtos como o café, enquanto importava produtos manufaturados de Portugal. Ademais, Fausto (2009) vai dizer que o modo de organização e mentalidade do período colonial deixaram uma profunda marca na estrutura social e econômica do país, perpetuando desigualdades e concentração de poder até os dias de hoje.
É preciso retroagir um pouco para que se compreenda a relação abordada. Diante da represália francesa pelo descumprimento do Bloqueio Continental, a corte portuguesa sai em fuga em 1807, carregando seu aparato administrativo, de Portugal para sua colônia, o Brasil. Esta transferência, sem precedentes, com a família real se instalando no Rio de Janeiro, segundo Dolhnikoff (2021) vai promover mudanças significativas no Brasil, a começar pela abertura dos portos por D. João logo após sua chegada.
As mudanças foram diversas, além de administrativa, também na ciência e cultura, com a criação de bibliotecas, teatros e até universidade. Artistas e intelectuais relevantes do período vão se interessar pelo que estava acontecendo nos trópicos e serão convidados pelo corte portuguesa, sendo o maior exemplo, a Missão Artística Francesa em 1816. Além das mudanças indicadas, o Brasil se impõe na América do Sul, com D. João VI ordenando a invasão da Guiana Francesa e Cisplatina.
Como se não bastasse, em 1815 o Brasil deixa de ser colônia e se integra no que se chamou de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ou seja, nivela seu patamar com o colonizador. Ainda que a justificativa desta medida seja a defesa dos interesses portugueses, em um momento que as independências nas colônias espanholas causavam preocupação, representou também um maior tensionamento entre as partes, de acordo com Carvalho (2020).
Cinco anos depois do Brasil ser elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves, estoura a Revolução Liberal do Porto. A burguesia portuguesa exigia que reformas de caráter liberal fossem realizadas, indica Dolhnikoff (2021). Havia uma crise profunda no país, que era econômica, mas também política, afinal, além das invasões sofridas anos antes por Napoleão, já se passava doze anos que a corte havia se transferido para o Brasil. A liberdade alcançada pela ex-colônia com D. João VI incomodava profundamente. Defendiam até mesmo o fim do absolutismo.
Na esteira da Revolução Liberal, uma instituição, nomeada de Cortes Portuguesas, foi convocada a fim de elaborar uma nova Constituição, reformista. Entre as primeiras medidas das Cortes, estavam o retorno do monarca e que o Brasil voltasse a ser monopólio comercial de Portugal. Diante da pressão portuguesa, até mesmo de destituição de D. João VI, em abril de 1821, acontece sua volta para Portugal. No entanto, Pedro de Alcântara, primeiro na linha de sucessão, é deixado no Brasil como príncipe regente.
Com a volta do monarca algumas questões surgiram, que evidenciaram a falta de alinhamento entre as partes. Uma delas, para Carvalho (2020) diz respeito a parcela da elite no Brasil que D. João VI havia concedido empregos, títulos e terras, e com isso se preocupavam com as restrições comerciais e administrativas que poderiam surgir. Tentaram negociar com as Cortes de Lisboa, que responderam com a exigência de que o príncipe D. Pedro voltasse para Portugal de imediato.
A exigência de que o príncipe voltasse para Portugal, Rezzutti (2020) assinalou que foi a última gota da água para a independência, que instaurou a monarquia de fato no Brasil. O conselheiro do príncipe, José Bonifácio, foi central neste contexto, sendo considerado o articulador da emancipação. A princesa Leopoldina também esteve envolvida, desempenhando um papel importante na amarração política. Ademais, parte significativa dos fazendeiros e políticos pressionaram nesse sentido, com D. Pedro proclamando a independência em 7 de setembro de 1822 e sendo corado imperador do Brasil em 1° de dezembro daquele ano. Para Dias (1972) este acontecimento era inevitável.
A sociedade que se formara no correr de três séculos de colonização não tinha outra alternativa ao findar do século XVIII senão a de transformar-se em metrópole a fim de manter a continuidade de sua estrutura política, administrativa, econômica e social. Foi o que os acontecimentos europeus, a pressão inglesa e a vinda da Corte tornaram possível (DIAS 1972, p.170).
Com a proclamação de independência, diversos conflitos se acentuaram e surgiram, ameaçando a unidade política do império. Enquanto algumas províncias apoiaram D. Pedro desde o princípio – Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, outras demoraram a se manifestar, por dificuldade de comunicação ou em contestação. No primeiro momento, com suas tropas comandadas por portugueses fieis a Lisboa, as províncias do Pará, Bahia, Maranhão e Cisplatina se opuseram a emancipação. Operação de guerra foram executadas a partir de então, sob o comando do jovem monarca. Na Bahia, por exemplo, a guerra pela independência foi demorada, começando antes da proclamação e seguindo até julho de 1823, com a expulsão dos portugueses.
Por fim, houve um longo processo de negociações para que a independência fosse reconhecida por outras nações, conforme explica Fausto (2009). A legitimação passava por isso. Países americanos, recém libertos e republicanos, não viam com bons olhos governos monárquicos e principalmente um rei com tendências ao absolutismo. Na Europa a resistência se dava pela dificuldade de nações colonialista/conservadoras em reconhecer a independência de qualquer ex-colônia. Foi a Inglaterra quem desempenhou a função de mediadora para que a emancipação se efetivasse, com o reconhecimento internacional. Nessa esteira de negociações, Portugal, em troca de indenização de dois milhões de libras, em 1825, reconheceu o Brasil como independente.
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Texto extraído do livro História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo ocidental de Américo Freire, Marly Silva da Motta e Dora Rocha (São Paulo: Editora do Brasil; Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2004 – Coleção Aprender).
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[1] Os autores são professores e atualmente Mestrandos em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [2022 – 2024]