Com a separação de Portugal, o país foi capaz de se estabelecer como nação, com uma estrutura político-administrativa própria.
Autores[1]:
Prof. Miguel Vitor de Araujo Vieira
Prof. Frei Laércio Jorge ofm
O legado da independência do Brasil em 1822 é complexo e abrangente, mas pode ser percebido a partir de algumas chaves reflexivas. Com a separação de Portugal, o país foi capaz de se estabelecer como nação, com uma estrutura político-administrativa própria. Sua soberania havia sido conquistada, o que representou a capacidade de tomar decisões – políticas, sociais, econômicas e tantas outras, como na sua política interna e externa, fundamental para a construção da identidade nacional e para a consolidação das instituições políticas. Todavia, não houve uma ruptura total com o modo em que a política e administração funcionavam antes da emancipação. Pelo contrário, os cargos públicos eram amplamente ocupados por portugueses e a mentalidade colonizadora ainda estava lá, e permanece até hoje em determinados extratos da sociedade.
O processo de independência, como se sabe, não terminou no dia 7 de setembro de 1822 as margens do rio Ipiranga. Ele se prolongou na forma de conflitos armados, muitas mortes, não reconhecimento por parte de outras nações e principalmente instabilidade política, o que marcou o Primeiro Reinado (1822-1831), com reflexos até os dias de hoje, segundo Pimenta (2015). Apesar disso, a capacidade, recém conquistada, de escolher o rumo a seguir, permitiu relativa autonomia e que políticas comerciais fossem implementadas. Desse modo, foi possível que o comércio com outras nações se expandisse, o que no decorrer dos anos impactou no desenvolvimento do país.
O legado social da separação revela muitas mazelas deste processo, algumas enfrentadas até os dias de hoje. Ainda que nos anos que se seguiram a pressão internacional pela abolição tenha se acentuado, a escravidão persistiu por mais 68 anos, até 1888; A identidade nacional não se consolidou de imediato, levaram décadas para que o “ser brasileiro” se estabelecesse, mas, a discussão entorno da diversidade étnica pode ter ganhado algum espaço em seguimentos daquela sociedade; A falta de infraestrutura foi outro elemento marcante nos anos seguintes; Por fim, a permanência da desigualdade social, a que mais se evidencia nos dias de hoje.
A emancipação em 1822 foi bastante restrita, pois se por um lado se manteve a unidade nacional, por outro, houve muita violência e os escravocratas estavam no centro dos acontecimentos. Muito grupos de interesse envolvidos. É nesse sentido que Pimenta (2015) vai dizer que um dos legados desse processo é o racismo e a exclusão de parcela significativa da população ainda hoje.
É preciso lembrar que no decorrer dos anos e décadas estes elementos indicados se tornaram o foco de contestações e reinvindicações, especialmente de uma parcela da população, a desprestigiada, que em sua resistência, influenciou a história do Brasil. Afinal, o processo de consolidação da identidade brasileira e de estabelecimento de uma nação realmente independente está em permanente construção.
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[1] Os autores são professores e atualmente Mestrandos em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [2022 – 2024]