As lições de Francisco, entre itinerância e recolhimento, lembram-nos disso: há um tempo de caminhar e um tempo de parar, um tempo de falar e um tempo de silenciar.
Frei Oton Júnior, ofm
Para quem admira Francisco de Assis, não é difícil encontrar nele inspirações ainda atuais, mesmo após oito séculos. Questões ligadas à ecologia, à paz e à convivência humana costumam aparecer em primeiro plano. Mas há outra lição possível e igualmente preciosa: o equilíbrio entre a correria da vida e os momentos de recolhimento e descanso.
A vida moderna nos impôs um ritmo acelerado, distante do que vivíamos há algumas décadas, especialmente em comunidades do interior. Ali, o compasso da natureza, as cadeiras na calçada ao entardecer e o tempo que parecia passar devagar foram cedendo espaço ao atraso, ao barulho e ao estresse cotidiano. Aprendemos que “tempo é dinheiro” e que não há tempo a perder.
Os efeitos não tardaram: a qualidade de vida se deteriorou, e a farmácia passou a pesar mais no bolso com remédios para dormir, controlar o apetite, aliviar a irritação e tantas outras questões. Em contrapartida, cresce também a busca por modos de vida mais leves: meditação, contato com a natureza, trilhas, cachoeiras, o “ficar de boa”.
Domenico De Masi, em O Ócio Criativo (1995), apontou algumas questões centrais: para ele, o ócio não deve ser confundido com passividade. Entre os romanos, otium não significava “dolce far niente”, mas tempo livre de obrigações, aberto à criatividade. Hoje, a maior parte dos trabalhos repetitivos foi delegada às máquinas; caberia, então, ao ser humano dispor de mais tempo para criar. Mas a realidade ainda está distante disso, basta lembrar o atual debate sobre a jornada de trabalho 6×1.
E onde entra Francisco de Assis nessa reflexão? Francisco foi um homem de encontros, de pregações, cuja vida itinerante inspirou seus seguidores. Em sua Regra, insistiu: “Aconselho, admoesto e exorto a meus irmãos no Senhor Jesus Cristo que, quando vão pelo mundo, [grifo nosso] não discutam com palavras nem julguem os outros; mas sejam mansos, pacíficos e modestos, brandos e humildes, falando a todos honestamente, como convém” (RB 3, 11-12).
Mas esse era apenas um lado de sua vida. O outro lado se manifestava em longos períodos de recolhimento em grutas e montanhas, em meio à natureza exuberante, mas longe do burburinho humano. Lugares como a Porciúncula, Carcere e, de modo decisivo, o monte Alverne foram cenários de oração, contemplação e jejum, sem o rigor excessivo que alguns escritos posteriores quiseram lhe atribuir.
A doença que contraiu na Síria, em 1220, debilitou seus olhos e nunca se recuperou. Mesmo assim, de sua boca brotavam somente louvores: “De manhã, quando o sol nasce, todo homem deveria louvar a Deus que o criou, porque por ele os olhos são iluminados de dia; ao entardecer, quando começa a noite, todo homem deveria louvar a Deus por outra criatura, o irmão fogo, porque por ele nossos olhos são iluminados de noite” (Compilações de Assis, 83, 31-33).
Já marcado pelos estigmas e em meio às inúmeras dores, Francisco escreveu a Frei Leão uma preciosa oração, referindo ao Senhor Deus: “Vós sois paciência, vós sois beleza, vós sois mansidão, vós sois segurança, vós sois quietude, vós sois alegria, vós sois justiça, vós sois temperança, vós sois toda nossa riqueza… vós sois fortaleza, vós sois refrigério” (Louvores ao Deus Altíssimo, 4-5).
Essa alternância entre a vida ativa e a contemplativa fez dele um homem equilibrado, consciente de que “há um tempo para tudo” (Ecl 3,2). No meio da correria do dia a dia, ele nos lembra da importância de fazer pausas, de se recolher e descansar, não por comodismo ou preguiça, mas para compreender que a vida vai muito além da obrigação constante de produzir.
Muitos, infelizmente, não têm essa possibilidade: para eles, a vida é um peso. E justamente por isso é urgente lutar para que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). O teólogo espanhol José Maria Castillo lembrava: “A ética de Jesus é a ética da vida, do prazer e do desfrute da vida. […] O que acontece é que todo o mundo quer desfrutar, porém desfrutar ele próprio, ele, acima de tudo. E a muitos, pouco importa que os demais passem bem ou mal. A ética de Jesus é a ética do prazer de viver para todos, do prazer compartilhado por todos, sem excluir ninguém. E isso é o que mais custa assumir e aceitar como projeto de vida, porque a ascética mais dura não é a da renúncia, mas sim a da doação.” (A Ética de Cristo, Loyola, 2010, p. 20).
As lições de Francisco, entre itinerância e recolhimento, lembram-nos disso: há um tempo de caminhar e um tempo de parar, um tempo de falar e um tempo de silenciar. E que, no fim, a vida é um dom para ser celebrado, partilhado e cuidado.
A nós, resta a pergunta: você tem tido tempo para você? Você sabe parar, sabe dizer ‘não’, sabe contemplar o belo, o estar gratuitamente sem o peso do relógio? Em tempos de redes sociais, você sabe deixar o celular num canto e viver a vida de modo concreto?
Francisco entendeu logo cedo que a vida seria mais plena tendo tempo para cada coisa: o convívio, a itinerância e o recolhimento. Fica a dica!