Maria unge os pés de Jesus com perfume puro, equivalente a um ano de salário (Jo 12,3-5).
Frei Laércio Jorge de Oliveira, OFM
“Não basta chorar pelos pés de Jesus crucificado.
É preciso ungir os pés dos crucificados de hoje.”
(Dom Hélder Câmara)
Maria unge os pés de Jesus com perfume puro, equivalente a um ano de salário (Jo 12,3-5). Este gesto denota a extravagância do Amor e a economia da exploração. Enquanto Judas fala em “vender para dar aos pobres”, o evangelho revela sua hipocrisia: ele roubava os fundos (Jo 12,6). A cena expõe duas lógicas – A lógica de Maria: doação radical, reconhecimento do sagrado na pessoa de Jesus e a lógica de Judas: falsa generosidade, que usa os pobres como discurso, mas mantém estruturas de injustiça.
- Quantos “Judas” falam em “ajudar os pobres”, mas defendem políticas que perpetuam a miséria?
- Onde estão as “Marias” que rompem com a lógica do lucro? Como as catadoras de material reciclável que doam tempo e dignidade, ou as mães da periferia que sustentam comunidades com solidariedade?
- O que vale “300 moedas” para nós hoje? Nosso tempo, nosso dízimo, nossa voz política? Ou preferimos o discurso vazio de Judas?
Deus não chama para gestos piedosos, mas para ações justas. A unção de Maria foi um ato profético e político: antecipou a morte de Jesus, denunciando a violência do sistema. Deus nos chama para a Justiça” (Is 42,6).
- Onde está nossa mão estendida?
- Quantos ainda não veem que o racismo estrutural mata 78% mais negros?
Como tirar os cativos da prisão se o Brasil tem 4ª maior população carcerária do mundo, sendo 70% pretos, pobre e de periferia? Nossas comunidades visitam presídios ou repetem o “bandido bom é bandido morto”?
Entendemos que ser luz nas nações tem a ver com as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) que lutam por terra e teto, ou tem a ver com o Movimento Negro Evangélico que desafia teologias alienantes?
- Minha “unção” é só ritual ou transformadora?
Entendo que ungir os pés de Jesus hoje é lutar por:
- Moradia digna (como o MTST)?
- Direitos indígenas (como Irmã Doroth)?
- Fim da fome (como Ação da Cidadania)?
Judas queria vender o perfume — ou seja, manter a lógica do mercado, não a do Reino. Tinha em mente uma caridade que não incomoda! Sua “preocupação com os pobres” era fachada.
- Ajudar sem mudar estruturas é hipocrisia: como doar cesta básica é nobre, mas quantos denunciam a grilagem e o envenenamento do solo?
- Onde estão os cristãos nos protestos por justiça? Nas ruas contra a reforma tributária regressiva ou apenas nas procissões?
Somos “Judas” da fé? Falamos em amor, mas fechamos os olhos quando: igrejas mega milionárias cobram dízimos de famílias que comem arroz com ovo? Ou somos “Judas” quando líderes religiosos abençoam políticos que cortam verbas da educação?
Maria não economizou o que tinha de mais valioso. E nós? Onde está o perfume da nossa vida? Concretamente, isso significa: doar não só esmolas, mas direitos: apoiando cooperativas populares da economia solidária. Ser “perfume” nas periferias a exemplo da Pastoral do Povo de Rua, que oferece banho e dignidade, não só sopão.
Precisamos engrossar o coro dos que denunciam as “300 moedas” da injustiça:
- Quem lucra com a fome
- Quem se beneficia do encarceramento em massa?
A unção de Maria incomodou porque expôs a gastança do amor frente à mesquinhez do poder. A nossa comunidade-casa precisa ficar cheia do perfume!
Para pensar:
- Meu “perfume” (vida, tempo, recursos) está sendo gasto em quê?
- Prefiro a “economia de Judas” (caridade que mantém pobres) ou a “extravagância de Maria” (justiça que liberta)?
- Como minha participação na comunidade unge os pés de Cristo nos corpos sofridos?
Bibliografia:
BOFF, L. O Evangelho do Cristo Cósmico. Vozes, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação. Paz e Terra, 2000.
CNBB. Documento da CF 2025: Fraternidade e Políticas Públicas.
Dados do Dieese e IPEA sobre desigualdade (2024).