O perfume da Justiça e o falso compromisso (À luz da Campanha da Fraternidade 2025)

O perfume da Justiça e o falso compromisso (<em>À luz da Campanha da Fraternidade 2025</em>)

Maria unge os pés de Jesus com perfume puro, equivalente a um ano de salário (Jo 12,3-5).

Frei Laércio Jorge de Oliveira, OFM

“Não basta chorar pelos pés de Jesus crucificado.

É preciso ungir os pés dos crucificados de hoje.”

(Dom Hélder Câmara)

Maria unge os pés de Jesus com perfume puro, equivalente a um ano de salário (Jo 12,3-5). Este gesto denota a extravagância do Amor e a economia da exploração. Enquanto Judas fala em “vender para dar aos pobres”, o evangelho revela sua hipocrisia: ele roubava os fundos (Jo 12,6). A cena expõe duas lógicas – A lógica de Maria: doação radical, reconhecimento do sagrado na pessoa de Jesus e a lógica de Judas: falsa generosidade, que usa os pobres como discurso, mas mantém estruturas de injustiça.

  • Quantos “Judas” falam em “ajudar os pobres”, mas defendem políticas que perpetuam a miséria?
  • Onde estão as “Marias” que rompem com a lógica do lucro? Como as catadoras de material reciclável que doam tempo e dignidade, ou as mães da periferia que sustentam comunidades com solidariedade?
  • O que vale “300 moedas” para nós hoje? Nosso tempo, nosso dízimo, nossa voz política? Ou preferimos o discurso vazio de Judas?

Deus não chama para gestos piedosos, mas para ações justas. A unção de Maria foi um ato profético e político: antecipou a morte de Jesus, denunciando a violência do sistema. Deus nos chama para a Justiça” (Is 42,6).

  • Onde está nossa mão estendida?
  • Quantos ainda não veem que o racismo estrutural mata 78% mais negros?

Como tirar os cativos da prisão se o Brasil tem 4ª maior população carcerária do mundo, sendo 70% pretos, pobre e de periferia? Nossas comunidades visitam presídios ou repetem o “bandido bom é bandido morto”?

Entendemos que ser luz nas nações tem a ver com as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) que lutam por terra e teto, ou tem a ver com o Movimento Negro Evangélico que desafia teologias alienantes?

  • Minha “unção” é só ritual ou transformadora?

Entendo que ungir os pés de Jesus hoje é lutar por:

  • Moradia digna (como o MTST)?
  • Direitos indígenas (como Irmã Doroth)?
  • Fim da fome (como Ação da Cidadania)?

Judas queria vender o perfume — ou seja, manter a lógica do mercado, não a do Reino. Tinha em mente uma caridade que não incomoda! Sua “preocupação com os pobres” era fachada.

  • Ajudar sem mudar estruturas é hipocrisia:  como doar cesta básica é nobre, mas quantos denunciam a grilagem e o envenenamento do solo?
  • Onde estão os cristãos nos protestos por justiça? Nas ruas contra a reforma tributária regressiva ou apenas nas procissões?

Somos “Judas” da fé? Falamos em amor, mas fechamos os olhos quando: igrejas mega milionárias cobram dízimos de famílias que comem arroz com ovo? Ou somos “Judas” quando líderes religiosos abençoam políticos que cortam verbas da educação?

Maria não economizou o que tinha de mais valioso. E nós? Onde está o perfume da nossa vida? Concretamente, isso significa: doar não só esmolas, mas direitos: apoiando cooperativas populares da economia solidária. Ser “perfume” nas periferias a exemplo da Pastoral do Povo de Rua, que oferece banho e dignidade, não só sopão.

Precisamos engrossar o coro dos que denunciam as “300 moedas” da injustiça:

  • Quem lucra com a fome
  • Quem se beneficia do encarceramento em massa?

A unção de Maria incomodou porque expôs a gastança do amor frente à mesquinhez do poder. A nossa comunidade-casa precisa ficar cheia do perfume!

Para pensar:

  • Meu “perfume” (vida, tempo, recursos) está sendo gasto em quê?
  • Prefiro a “economia de Judas” (caridade que mantém pobres) ou a “extravagância de Maria” (justiça que liberta)?
  • Como minha participação na comunidade unge os pés de Cristo nos corpos sofridos?

Bibliografia:

BOFF, L. O Evangelho do Cristo Cósmico. Vozes, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia da Indignação. Paz e Terra, 2000.

CNBB. Documento da CF 2025: Fraternidade e Políticas Públicas.

Dados do Dieese e IPEA sobre desigualdade (2024).

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