A data 13 de maio 1888 é para recordarmos a coragem e a persistência de nossos antepassados, a força da nossa ancestralidade, daqueles(as) que ousaram desafiar um país que carrega um estigma escravagista que permitiu as mazelas de um racismo estrutural em diversos eixos, que deve ser combatido ainda na contemporaneidade e eliminado do nosso meio.
Frei Carlos Alexandre da Silva Lima, OFM[1]
No dia 13 de maio de 1888, por meio de uma determinação da Princesa Isabel, instaurou-se na sociedade brasileira a “fantasiosa” Lei Áurea que garantiria a suposta “libertação” dos povos negros (oriundos de África e afrodescendentes). Mas essa superação da escravização foi apenas aparente num país escravagista como o Brasil, diga-se de passagem, o último do continente americano a abolir da escravidão os povos originários e africanos, construindo uma narrativa inexistente de direitos igualitários.
A história sem dúvidas coloca-nos diante de diversos conceitos para a fantasiosa ação. Primeiro, é preciso recordar o movimento abolicionista na década de 1780, tendo como protagonistas o próprio colonizador e a comunidade inglesa, construindo um movimento romantizado em torno dos “próprios abolicionistas britânicos e norte-americanos, de que a abolição teria sido resultado de uma obra filantrópica dos brancos em favor dos negros” (Gomes, 2021, p. 431).
Eric Willians descreveu que a ideia da continuidade da escravidão seria economicamente inviável ao longo prazo. O principal fator desse pensamento seria a própria transformação social que o mundo estava passando no século XVIII, com as descobertas das novas tecnologias científicas e métodos de produção, transferindo a mão de obra escravizada para outro sistema escravagista: o trabalho assalariado. Aqui podemos abrir um parêntese de como nossa sociedade vem tratando o nosso povo negro: em cargos de trabalhos terceirizados, sem condições de construção de uma vida digna. O historiador descreve em seus escritos: “[…] a escravidão teria sido a primeira fase da economia capitalista, cujos lucros financiariam a Revolução Industrial na Inglaterra que, por sua vez, tornaria o trabalho cativo obsoleto” (GOMES, 2021, p. 431).
Concernindo para nossa sociedade brasileira, o movimento abolicionista no Brasil com certeza teve influência da Revolução Haitiana (1791) e da Conjuração Baiana (1978), nas quais a hegemonia da branquitude é enfrentada pelo espírito libertador do povo negro. Certamente, espírito esse arraigado pela força dos nossos ancestrais que demarcam a importância da vida dos povos que construíram com luta, persistência e resistência a sociedade brasileira. “Nós somos o começo, o meio e o começo. Nossas trajetórias nos movem, nossa ancestralidade nos guia” (Nego Bispo). É Ubuntu, um modo de vida, em que ninguém vive só e todos nós somos um. A força dessa filosofia africana milenar iluminou todo o movimento abolicionista brasileiro: mulheres e homens capazes de esperançar por tempos melhores para o seu povo.
"Quiseram os meus guiar-me por assuntos tão intrigantes, a dar continuidade às vozes que um dia ousaram em calar, com a imposição da Cruz e da espada forjaram o Sagrado habitar, não permitindo o nosso próprio jeito de cultuar, mas, pasmem todos vós, a nossa tradição não foi calada e enraizada nesta terra estás, em nossos corpos, no batuque dos tambores, na nossa dança, enfim, em nós Olurum fez lar e em nossos terreiros quis também habitar, e com os seus Orixás conosco vem caminhar" (LIMA, 2020).
Portanto, não há uma lei que garantiu liberdade absoluta aos povos escravizados em nosso país. O que houve foi um tipo de narrativa desconstruída para continuidade de um pensamento escravagista com uma nova roupagem. Afinal, a suposta libertação do povo negro não acarretou nenhum tipo de direitos, ao contrário, deixou-os à mercê da própria sorte, sem casa, teto e terra, obrigando-os a continuar com os seus “senhores”, ou a arriscarem suas vidas sem nenhuma garantia de sobrevivência.
Assim, descreve, em sua obra O quilombismo, Abdias Nascimento:
"[...] muitos africanos “emancipados” e cidadãos foram obrigados pelas circunstâncias a permanecer com seus antigos senhores, trabalhando sob condições idênticas às anteriores, sem nenhuma alternativa ou opção. Outros se aventuraram deslocando-se para outras regiões ou cidades, e a única coisa que obtiveram foi desemprego, miséria, fome e destruição." (NASCIMENTO, 2019, p. 89).
Ademais, nos relata o autor: “[…] de vítima acorrentada pelo regime racista de trabalho forçado, o escravo passou para o estado de verdadeiro pária social, submetido pelas correntes invisíveis forjadas por aquelas mesma sociedade racista e escravocrata.”(NASCIMENTO, 2019, p. 89).
A data 13 de maio 1888 é para recordarmos a coragem e a persistência de nossos antepassados, a força da nossa ancestralidade, daqueles(as) que ousaram desafiar um país que carrega um estigma escravagista que permitiu as mazelas de um racismo estrutural em diversos eixos, que deve ser combatido ainda na contemporaneidade e eliminado do nosso meio.
REFERÊNCIAS
GOMES, Laurentino. Escravidão: da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2021. v. 2.
NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. 3. ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2019.
SOUZA, Jessé. Como o racismo criou o Brasil. Rio de Janeiro: Editora Estação Brasil, 2021.
FONSECA, Marcus Vinícius. A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
[1] *Licenciado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA-BH). Bacharel em Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA-BH). Pós-Graduação Lato Sensu em Pastoral Juvenil pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL-SP). Pesquisador nas questões das Religiões de Matriz Africana e Teologia Negra.
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