28 de outubro – dia de São Judas Tadeu, o corajoso das “Causas impossíveis”
Frei Jacir de Freitas Faria [1]
O texto bíblico que inspira a nossa reflexão de hoje é Lc 6,12-19. Trata-se do chamado de Jesus aos doze apóstolos. A nossa primeira inquietação é se, de fato, Jesus teve somente doze apóstolos. E as mulheres Madalena, Maria, Salomé não eram também apóstolas ou discípulas? Na verdade, Jesus teve muito mais que doze apóstolos. O número 12 é simbólico. Ele recorda as doze tribos de Israel. As mulheres da primeira hora do cristianismo, por exemplo, são também apóstolas de Jesus. Se não tiveram a função de ensinar, pregar, fundar igrejas, foi porque foram silenciadas por lideranças masculinas que tinham aversão ao poder das mulheres. É o caso de Madalena, Maria, Tecla e de tantas outras que nem sequer ficou registrado o nome.
Dentre os apóstolos escolhidos por Jesus, ressalto a importância de São Judas Tadeu, santo muito popular no Brasil, celebrado no dia 28 de outubro. Considerado o santo das causas perdidas e impossíveis de serem realizadas, como foi o caso do Flamengo na década de 1950. Há muitos anos, ele não ganhava um campeonato no Rio de Janeiro. Por causa da intercessão de São Judas Tadeu, a pedido de um padre, o Flamengo sagrou-se tricampeão, o que rendeu ao santo o título de padroeiro do clube. São Judas Tadeu é também o padroeiro da Armênia, o primeiro país que reconheceu o cristianismo como religião do estado, em 301 E.C.
Foi Santa Brígida da Suécia (1303-1373) que propagou a devoção a São Judas Tadeu como santo das causas perdidas, desesperadas e difíceis de serem resolvidas. Jesus lhe teria aparecido e aconselhado a invocar São Judas Tadeu para resolver os seus problemas. São Judas Tadeu é também considerado padroeiro dos hospitais. Por isso, diante de doenças incuráveis, recorre-se a São Judas Tadeu.
De Judas Tadeu é dito que ele é irmão de Tiago Menor (Lc 6,16; Mt 10,3; Mc 3,18), filho de Alfeu ou Cleofas, irmão de São José. Sua esposa, portanto, mãe Judas Tadeu, Maria de Cleofas, era prima de Maria, a mãe de Jesus. Judas Tadeu era, portanto, primo de Jesus. Eusébio de Cesareia 265-339 E.C.) que aventa a possiblidade de um dos noivos nas bodas de Caná (Jo 2,1-11), ser Simão ou Judas Tadeu.
Cumprindo a missão dada por Jesus, a de ser apóstolo, Judas Tadeu evangelizou a Mesopotâmia, a Síria, a Arménia e a Pérsia, atual Irã, onde se teria encontrado com Simão, que, antes, estava pregando no Egito. Juntos expulsaram demônios, curaram doentes, fundaram comunidades, consagraram Abdias como bispo etc. Os seus atos apostólicos se encontram registrados no apócrifo Atos de Tiago, Judas Tadeu e Simão de acordo com Memórias apostólicas segundo de Abdias, publicado na nossaBíblia Apócrifa: Segundo Testamento (Vozes, 2025).[2]
Dentre os relatos da tradição apócrifa sobre Judas Tadeu e Simão, é dito, após um episódio com serpentes venenosas que morderam magos:
Depois que entre os apóstolos e os magos haviam ocorrido essas coisas na Pérsia, tendo sido chamados à presença do rei e do comandante, os bem-aventurados Simão e Judas permaneceram na Babilônia, realizando todo dia grandes maravilhas: restituíam a vista aos cegos, o ouvido aos surdos, faziam os aleijados andarem, limpavam os leprosos, expulsavam demônios de todo gênero dos corpos dos possessos. Faziam, além disso, muitos discípulos, alguns dos quais eram ordenados nas cidades como presbíteros, diáconos e clérigos, e constituíam muitas igrejas. (Bíblia Apócrifa, p.671)
Segundo a tradição, Judas Tadeu e Simão foram martirizados a golpes de bastões, machados e lanças a mando de sacerdotes da religião persa, no dia 28 de outubro do ano 70, por isso, ele tem um machado nas mãos. Já Atos apócrifos diz que eles foram martirizados no dia primeiro de julho.
Tadeu é um substantivo aramaico taddai, e significa o corajoso. Nesse sentido, na coragem de São Judas Tadeu, o que significa hoje uma causa impossível? Estamos vivendo numa sociedade dividida, marcada pelo ódio, pela violência, pela intolerância em relação ao pensar diferente.
Como buscar coragem, quando tudo parece perdido em nossa vida? Como enfrentar uma doença que parece incurável? Como tirar o ódio em nossas relações fraternas? Ainda que na essência, somos, por natureza individualistas, somos chamados a viver em comunhão. Na essência da vida cristã, está a comunhão fraterna, na celebrada da Eucaristia, na missa. Nas diferenças, somos chamados a viver a comunhão.
Quando nos relacionamos, em português, agradecemos dizendo muito obrigado (a). Ainda que o sentido seja o de alguém que recebeu um favor ficar unido ao outro com a obrigação de retribui-lo, eu prefiro dizer muito obrigado em grego, que diz: ευχαριστώ (Eucaristó – efcharistó), que tem sua raiz em Eucaristia, isto é, estar em comunhão, ser grato. A resposta é Παρακαλώ (parakaló), para o nosso e seu bem. O impossível pode ser vencido na comunhão fraterna, pois a causa de nossa esperança não está vencida. Podemos mudar o rumo de nossa história.
Termino com a intuição da pensadora alemã e filha de família judia, Hannah Arendt (1906-1975): “Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança”. A transformação de pessoas e sociedade, com certeza, nos devolverá a esperança perdida. Isso não é impossível! Ευχαριστώ! Em comunhão! Na paz e no bem!
[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. Presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de treze livros e coautor de dezessete. Publicou recentemente Bíblia Apócrifa: Segundo Testamento (Vozes, 2025). São 784 páginas com a tradução de 67 apócrifos do Novo Testamento. Canal no Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ No Instagram e Tiktok @freijacir
[2] FARIA, Jacir de Freitas. Bíblia Apócrifa: Segundo Testamento, Petrópolis, Vozes, 2025, p. 654-677.





