Setembro Amarelo: mês de prevenção ao suicídio

Setembro Amarelo: mês de prevenção ao suicídio

Em 2025, a campanha traz o tema “Agir salva vidas”, destacando que a prevenção exige informação, acolhimento e ação conjunta.

Frei Oton Júnior, ofm

A palavra suicídio, também chamada de lesão autoprovocada, ainda carrega um estigma tão forte que muitas vezes silencia a sociedade. Trata-se de uma ferida que não atinge apenas quem tira a própria vida, mas também familiares, amigos e toda a comunidade. É comum que aqueles que ficam se culpem por não terem percebido sinais de sofrimento, mas nem sempre isso é possível, pois muitas dores são guardadas em silêncio, escondidas no íntimo da existência.

O movimento Setembro Amarelo nasceu nos Estados Unidos, após a morte de um jovem de 17 anos. Em sua homenagem, familiares e amigos distribuíram fitas amarelas com mensagens de apoio a pessoas em sofrimento. Desde então, o laço amarelo tornou-se símbolo da prevenção ao suicídio. No Brasil, a campanha foi adotada em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização da Vida (CVV). Além disso, o dia 10 de setembro passou a ser o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

Em 2025, a campanha traz o tema “Agir salva vidas”, destacando que a prevenção exige informação, acolhimento e ação conjunta. O objetivo é conscientizar a sociedade sobre a importância da saúde mental, reduzir o estigma que associa o suicídio à fraqueza ou falha de caráter e orientar a população sobre sinais de alerta e formas de buscar ou oferecer ajuda. Também se reforça a urgência de políticas públicas eficazes, que garantam cuidado e apoio a quem enfrenta sofrimento psíquico.

Os números revelam a gravidade da questão: segundo o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil são registradas 32 mortes por dia, o que equivale a uma a cada 45 minutos; no mundo, ocorre um suicídio a cada 40 segundos. Grande parte desses casos poderia ser evitada com medidas de prevenção, acolhimento e tratamento especializado. Nesse cenário, o CVV (www.cvv.org.br) cumpre papel essencial, oferecendo apoio emocional gratuito, sigiloso e disponível 24 horas por dia pelo telefone 188, chat ou e-mail.

A essência do suicídio: dor psíquica

Pesquisas apontam que a questão central do suicídio não é a morte em si, mas a tentativa de interromper uma dor psíquica insuportável, conhecida como psychache. Diferente do sofrimento, que pode ser simbolizado e elaborado, a dor psíquica é vivida de forma fechada, sem apelo externo. Em momentos de crise, essa dor gera um pensamento dicotômico (“tudo ou nada”), levando a atos impulsivos, muitas vezes chamados de “ato-dor”, praticados sem reflexão.

Essa compreensão mostra por que o suicídio está tão ligado a transtornos mentais, como a depressão, que paralisa, gera estranhamento de si e desesperança, o transtorno afetivo bipolar e transtornos de personalidade marcados por instabilidade e impulsividade, como o borderline. A desesperança, inclusive, é considerada um fator ainda mais forte do que o humor deprimido.

A sociedade contemporânea e seus impactos

A sociedade pós-moderna tem sido descrita como a “sociedade do espetáculo” ou “do desempenho”, marcada pelo imediatismo, pelo excesso de informações (muitas vezes falsas) e pela pressão por performance. Nesse cenário, a lógica do “agito, logo existo” substitui o espaço para reflexão e silêncio. O resultado é o aumento da angústia, canalizada em crises de pânico, somatizações ou dificuldade de lidar com frustrações.

Os adolescentes são especialmente vulneráveis: expostos à velocidade das redes sociais, sofrem com bullying que se estende ao ambiente virtual e sentem-se mais sozinhos. O tempo excessivo no celular e o exemplo dos adultos reforçam esse ciclo. Diante do vazio e da impotência, muitos recorrem a respostas abruptas, como a automutilação (cutting), que funciona como linguagem da dor psíquica, ainda que nem sempre envolva desejo de morte.

É possível prevenir o suicídio?

Apesar de ser um fenômeno complexo, o suicídio pode ser prevenido. Dados internacionais mostram que em 83% dos países houve redução das taxas nos últimos dez anos. No entanto, o Brasil segue em sentido contrário, registrando aumento dos casos, sobretudo entre jovens de 10 a 19 anos.

Experiências internacionais demonstram medidas eficazes: restrição ao acesso a meios letais (como a proibição de determinados agrotóxicos na Coreia do Sul e o controle de armas em diversos países), programas de proteção social (Suécia e Reino Unido), empoderamento feminino (China e Índia), além de iniciativas de apoio a idosos, desempregados e campanhas educativas em escolas.

No contexto brasileiro, torna-se fundamental ampliar o acesso a serviços de saúde mental e estabelecer um diálogo responsável com a mídia sobre a forma de noticiar o suicídio, evitando sua espetacularização (efeito Werther) [1] e divulgando informações de apoio, como o contato do CVV.

A prevenção começa pela escuta atenta e pelo acolhimento: perguntar diretamente se a pessoa pensa em acabar com a própria vida pode reduzir a ansiedade e quebrar o isolamento. Permanecer ao lado, oferecendo companhia, incentivo e discrição, sem julgamentos ou frases simplistas, é essencial. Em situações de risco imediato, a retirada de meios letais pode salvar vidas, e buscar ajuda profissional fortalece o apoio oferecido. Assim, a pessoa em sofrimento pode vislumbrar caminhos possíveis além da dor.

O olhar da Igreja Católica

A Igreja Católica tem um posicionamento claro e, ao mesmo tempo, compassivo em relação ao suicídio. A Igreja defende a vida como um dom precioso concedido por Deus, e somente Ele tem autoridade sobre o início e o fim da existência humana. O Catecismo da Igreja Católica ensina que ninguém pode dispor arbitrariamente da própria vida, pois ela deve ser acolhida e guardada com gratidão (cf. CIC, nn. 2280-2283). Nesse sentido, o suicídio é visto como ato grave que contraria a dignidade da pessoa humana, o amor a si mesmo, aos outros e a Deus.

No entanto, a Igreja reconhece que a responsabilidade moral pode ser atenuada ou anulada diante de sofrimento psíquico, medo intenso ou perturbações psicológicas graves. Assim, reafirmando o valor sagrado da vida, a Igreja não julga a salvação daqueles que atentaram contra si, mas os confia à misericórdia infinita de Deus. Essa postura, já presente no Concílio Vaticano II, foi reiterada pelo Papa João Paulo II na encíclica Evangelium Vitae (1995) e reforçada pelo Papa Francisco, que insiste na necessidade de proximidade, escuta e cuidado diante da dor, especialmente dos jovens (cf. Christus Vivit, nn. 104-107).

A dimensão pastoral é essencial nesse tema. A Igreja insiste na importância da acolhida e da prevenção, estimulando a busca de apoio profissional e espiritual. Também convida a comunidade cristã a estar próxima de quem sofre, oferecendo companhia e compreensão sem julgamentos. Igualmente, preocupa-se em consolar e acompanhar as famílias que enfrentam a dolorosa perda por suicídio, lembrando que também elas necessitam de compaixão e solidariedade.

[1] O Efeito Werther é um fenômeno que descreve o aumento nas taxas de suicídio após a divulgação de um caso de suicídio de uma pessoa famosa ou personagem fictícia. Esse efeito recebe esse nome devido ao romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, lançado em 1774 por Johann Wolfgang von Goethe, cujo protagonista se suicida após não conseguir superar sua paixão por uma mulher comprometida. Após a publicação do livro, houve uma onda de suicídios semelhantes entre os jovens leitores.

Fontes:

Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e Conselho Federal de Medicina (CFM) – Campanha Setembro Amarelo.

Café Filosófico, in: https://www.youtube.com/watch?v=tnn4HbDA7Bk&t=63s

Catecismo da Igreja Católica, nn. 2280-2283.

Código de Direito Canônico, cân. 1184 § 1.

Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 27.

Francisco, Exortação Apostólica Amoris Laetitia (2016), n. 248;

Francisco, Exortação Apostólica Christus Vivit (2019), nn. 104-107.

João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae (1995), n. 66.

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