Santa Clara de Assis nos diz que “Entre outros benefícios que temos recebido e ainda recebemos diariamente da generosidade do Pai de toda a misericórdia (cf 2 Cor 1,3) e pelos quais mais temos que agradecer ao glorioso Pai de Cristo, está a nossa VOCAÇÃO, que, quanto maior e mais perfeita, mais a Ele é devida. Por isso diz o Apóstolo: reconhece a tua vocação” (cf 1Cor 1,26). (Test C 2-4).
Marco Antônio Abrêu Lomar, ofm
A palavra “vocação” está presente em nosso cotidiano, pois a escutamos com certa frequência nas celebrações litúrgicas, nas escolas e universidades, em nossos empregos e até mesmo nos canais de comunicação e mídia social. Mas acontece que muitos de nós não sabemos o real significado da palavra “vocação”. Por outro lado, existem aqueles que compreendem parcialmente o seu sentido, mas desconhecem a espiritualidade por trás dela.
Da mesma forma, quando refletimos sobre vocação, somos convidados a pensar sobre o nosso lugar no mundo, sobre os nossos sonhos e anseios para com o nosso próprio futuro; e daí vem a importância de pensarmos sobre aquilo que projetamos para a nossa vida.
A palavra “vocação” vem do latim vocare, que significa chamar e está relacionado com vox, que se refere à voz. De modo geral, encontramos como significado da palavra “vocação” os seguintes termos: inclinação, uma tendência ou habilidade que leva o indivíduo a exercer uma determinada carreira ou profissão. Ou seja, estamos falando de uma voz que ressoa no mais profundo interior do ser humano e que o chama e o leva a responder: quem sou eu? O que posso? O que quero? E, por fim, qual o meu lugar no mundo?
Já quando falamos de projeto de vida, estamos falando de planejar a vida, de pensar o modo como trilharemos para dar uma resposta a essa voz que nos chama para algo maior. É a tentativa de responder ao mais profundo desejo de infinitude que existe dentro de cada ser humano. É tomar consciência do que sou, do que posso, do quero e, por fim, trilhar os caminhos possíveis para alcançar os objetivos. Portanto, quando falamos de vocação e projeto de vida, estamos falando de um chamado que sentimos e do modo como queremos estar no mundo.
Para dar essa resposta, faz-se necessário que cada pessoa se lance na história. E esse lançar exige de mim um movimento, uma saída da inércia, um tomar as rédeas da vida pela mão, pensar nos meus objetivos e traçar a direção nas buscas das possíveis conquistas.
Quando falarmos em projeto de vida e vocação, pensemos em uma flecha que é lançada. Ela tem um ponto de partida e um ponto de chegada. Também nós, querendo ou não, estamos no mundo, acreditamos nisso como um projeto divino ou apenas como fruto do acaso. Uma coisa não podemos negar: estamos aí. Esse estar aí é nosso ponto de partida.
Agora precisamos pensar aonde queremos chegar. Qual é nosso alvo? Qual é o meu lugar neste mudo? E, mediante isso, qual percurso vamos percorrer? Existe um caminho a ser trilhado, a ser percorrido. Desse modo, “projetar a vida é tomar a minha história na mão. É fazer escolhas. Organizar o caminho. Buscar uma causa que alimenta toda a vida. É dar sentido à sua existência analisando oportunidades, planejando os passos para se ter um mundo feliz” (Pe. Burnier). Em um mundo de mudança e de tantas vozes que nos chamam, um mundo em que temos “um ambiente de imprevisibilidade, torna-se sempre mais importante encontrar o próprio caminho e descobrir a ocupação que proporcione satisfação interior e confira à vida um sentido plenamente pessoal” (GRÜN; MÜLLER, p. 9).
Para dar respostas a essas questões, que nem sempre são fáceis de serem respondidas, às vezes é necessário que nos deixemos ser orientados por pessoas que já fizeram ou estão fazendo esse caminho. Não pessoas que fazem esse caminho por nós, mas pessoas que nos deem dicas de como fazer o nosso próprio caminho.
E por que discernir esse chamado e traçar um caminho para alcançá-lo é tão importante? Convido vocês a pensarem no ditado popular que diz: “Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida”. Com essa frase, queremos dizer que a vida é marcada pelo espaço e pelo tempo. Nossa vida decorre em uma parte específica do mundo em um tempo histórico determinado. Pelo fato de ocorrer em um tempo histórico determinado, a vida torna-se, nesse mundo, “uma luta contra o tempo”. Assim, uma escolha feita no tempo presente há de influenciar as nossas escolhas do tempo futuro e determinar o meu lugar no mundo. O ponto de partida tende a marcar o ponto de chegada. Lembremos das perguntas existenciais: O que sou? O que posso? O que quero? Qual o meu lugar no mundo?
Com isso, não quero dizer que na vida não há oportunidades de recomeços, como se fôssemos determinados a uma escolha irrevogável, como se não pudéssemos refazer nossas opções. No entanto, não se pode negar que o que hoje sou é fruto das escolhas de ontem somadas às escolhas do hoje. O que posso hoje é fruto de uma construção evolutiva do ontem. O que quero hoje também carrega as marcas do que fui e do que me tornei, assim como do que fui e sou capaz e, portanto, tudo isso vai direcionar o lugar que ocupei e que desejo ocupar no mundo. Em última instância, vai responder sobre a maneira que eu penso que seja o meu lugar no mundo. Ou seja, as escolhas que faço hoje influenciarão o amanhã.
Nascemos em um tempo e espaço determinado. E isso tem sérias implicações. As minhas escolhas dizem sobre o tipo de humano que queremos para a humanidade, pois, como nos diz o filósofo Sartre, a minha escolha não é só minha escolha, mas é a escolha do tipo de homem que almejo que a humanidade seja, as minhas escolhas possuem uma certa tonalidade, que aqui chamo de eternidade. O que vivi em um determinado tempo e lugar não pode mais ser vivido e não pode mais deixar de ser vivido, porque já foi vivido.
Desse modo, podemos até ressignificar, dar novos sentidos à nossa história, mas jamais poderemos negar as nossas histórias. O que vivemos, vivemos! Não se pode negar nem se pode viver novamente. Exemplo: não posso mais voltar a ser uma criança de 10 anos. O que não vivi nessa fase da minha vida não dá para ser vivido mais. Só podemos viver uma única vez. Só experimentamos as coisas uma única vez. Nossas experiências são irrepetíveis. As nossas vidas são como um rio que flui e cujas águas não voltam mais. Lembremos do filósofo Heráclito, que dizia: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois, quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. O que sou nesse instante já não é o mesmo que eu era um segundo atrás. Portanto, “Não tenhamos dúvidas de que a nossa vida é um dom precioso e dela temos que cuidar. Somos seres raros, preciosos, nos quais o Universo investiu bilhões e bilhões de anos para que pudéssemos existir” (Pe. Burnier).
Partindo dessa perspectiva de vocação e projeto de vida, quando falamos então de vocação cristã, estamos falando de um CONVITE que Deus faz a cada ser humano, chamando-o a viver uma vida plena: Eu vim para que todos tenham vida e a tenham plenamente (cf. Jo 10,10).
Desse modo, cada ser humano é chamado a assumir uma condição no mundo e a viver de tal forma que seja manifestada a plenitude de sua humanidade, a sua graça original, perdida no primeiro homem (Adão) e resgatada em Jesus, que é novo Adão. Estamos falando então daquilo que chamamos de viver a santidade. Essa é nossa primeira vocação, após recebermos o chamado à vida: “Santificai-vos e sede santos, porque eu sou o Senhor vosso Deus. Guardai as minhas leis e ponde-as em prática. Eu sou o Senhor que vos santifica (Lv 20,7-8). Desse modo, recorda-nos o Papa Francisco, na sua exortação apostólica Guadete et exsultade, sobre o chamado à santidade no mundo de hoje: “O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. ELE deseja que sejamos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, o chamado à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abrão, o Senhor propôs nestes termos: “anda na minha presença e sê íntegro (Gn 17,1)”. Lembra-nos ainda o Papa “[…] o Senhor escolheu cada um de nós “para sermos santos e íntegros diante dele, no amor (Ef 1,4)”.
Dessa maneira, torna-se um grande desafio, para cada ser humano, discernir e responder, em âmbitos humanos e espirituais, as inspirações que Deus coloca em seu coração, que são capazes de levá-lo a viver conforme a essência de sua criação: imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26).
A vida é um leque de opções e existem mil coisas que o ser humano é livre para escolher. A vida não pode ser desperdiçada com escolhas equivocadas que podem desfigurar a pessoa humana. Na tentativa de trazer luzes a uma escolha que plenifica o ser humano, somos então chamados a partir de um projeto de vida a fazer escolhas que plenificam a nossa vida, fazer escolhas que potencializam e valorizam a vida humana.
Bibliografia:
PROJETO DE VIDA. Papo de jovem 1. Casa da juventude Pe. Burnier.