Se cada fiel deve sempre rever sua vida e aproximá-la o quanto mais da vida do projeto de Jesus Cristo, assim também acontece com a estrutura da Igreja, chamada no hoje de nosso tempo, a dar testemunho do Reino a todas as pessoas.
Frei Oton da Silva Araújo Júnior, OFM
Vimos anteriormente a importância fundamental da conversão pessoal. O fiel ao se encontrar com a graça misericordiosa de Deus se dispõe ao seguimento de Jesus e, para isso, revê todo o seu modo de ser e agir no mundo, influenciando suas pequenas e grandes decisões.
Nas últimas décadas, entrou em cena outra perspectiva: a conversão pastoral, que não conflita com os aspectos pessoais, mas ampliam o olhar da mudança de vida para além do sujeito e passa a considerar o seguimento de Jesus dentro da comunidade e a maneira como esta se insere na sociedade.
Temos de destacar o papel do Documento de Aparecida neste contexto. Naquela ocasião (2007), a Igreja latino-americana destacou ser necessário rever os modelos de evangelização e a maneira como a Igreja se apresentava na realidade das pessoas.
Percorramos algumas passagens do Documento:
“A pastoral da Igreja não pode prescindir do contexto histórico onde vivem seus membros. Sua vida acontece em contextos socioculturais bem concretos. Essas transformações sociais e culturais representam naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus. Daí nasce, na fidelidade ao Espírito Santo que a conduz, a necessidade de uma renovação eclesial que implica reformas espirituais, pastorais e também institucionais” (n. 367).
“A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades de discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Daí nasce a atitude de abertura, diálogo e disponibilidade para promover a co-responsabilidade e participação efetiva de todos os fiéis na vida das comunidades cristãs. Hoje, mais do que nunca, o testemunho de comunhão eclesial e de santidade são uma urgência pastoral. A programação pastoral há de se inspirar no mandamento novo do amor” (cf Jo 13,35). (n.368)
“A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim será possível que o único programa do Evangelho continue introduzindo-se na história de cada comunidade eclesial com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como mãe que vai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária”. (n.370)
Podemos concluir que o contrário de pastoral de conservação é a missionariedade, em que a Igreja se põe a caminho, a serviço, não fica estática, esperando que os fiéis se acheguem.
Quem conhece minimamente o vocabulário do Papa Francisco, certamente percebeu no Documento de Aparecida algumas ideias que o Papa retomará anos mais tarde, ao propor uma evangelização baseada na Alegria do Evangelho.
O primeiro capítulo de sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Francisco intitula justamente de Pastoral em conversão. Vejamos também algumas passagens:
“Espero, diz Francisco, que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma simples administração” (n. 25).
“Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação. A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade”. (n. 27).
Mas, Francisco não se contenta em apresentar a conversão ‘para os outros’, mas percebe a necessidade também de uma conversão do papado. Diz ele: “Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização” (n. 32).
Nessa década de seu pontificado, é possível perceber que Francisco não se contenta em ‘conservar a Igreja’, mas se dispõe a liderar com empenho a reforma das estruturas eclesiais bem como a presença da Igreja junto à sociedade. Exemplos disso são a própria reforma da Cúria Romana, redistribuindo os dicastérios; todo o processo sinodal, já celebrado com diferentes temas e agora pensando o próprio ser da Igreja a partir da Sinodalidade, dentre outros.
Como presença da Igreja junto à sociedade, podemos lembrar do Pacto Global pela Educação, a Economia de Francisco e Clara e várias declarações ligadas às questões socioambientais da atualidade.
Na primeira síntese do Sínodo, celebrado em outubro de 2023, os participantes destacaram que: “O processo sinodal foi e é um tempo de graça que nos encorajou. Deus está a dar-nos a ocasião de experimentar uma nova cultura da sinodalidade, capaz de orientar a vida e a missão da Igreja. No entanto, foi recordado que não basta criar estruturas de corresponsabilidade, se faltar a conversão pessoal a uma sinodalidade missionária. As instâncias sinodais, a cada um dos níveis, não diminuem a responsabilidade pessoal das pessoas que são chamadas a tomar parte nelas, em virtude do seu ministério e dos seus carismas, mas solicitam-na ulteriormente” (p.41).
Se cada fiel deve sempre rever sua vida e aproximá-la o quanto mais da vida do projeto de Jesus Cristo, assim também acontece com a estrutura da Igreja, chamada no hoje de nosso tempo, a dar testemunho do Reino a todas as pessoas.
Referências
CELAM, Documento de Aparecida, 2007.
FRANCISCO, Exortação Evangelii Gaudium, 2013.
XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS Relatório de Síntese da Primeira Sessão (4-29 de outubro de 2023).
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