Cântico do Irmão Sol

Cântico do Irmão Sol

5 de junho – Dia Mundial do Meio Ambiente.

Frei Celso Márcio Teixeira, OFM

Introdução

Alguns manuais de literatura italiana, ao tratar da pré-história da língua italiana, apontam o Cântico das Criaturas, de São Francisco, como o primeiro poema escrito em língua volgare (italiano antigo). No século XIII, a língua erudita era o latim. Tudo o que se escrevia era codificado em latim: documentos, livros, tratados diplomáticos, contratos comerciais, poesias etc. O volgare, língua falada pelo povo, não tinha chegado ainda ao status de língua escrita.

Era muito raro encontrar um texto escrito em volgare. Antes do Cântico das criaturas, Francisco já tinha escrito em volgare a pequena oração diante do crucifixo. Escreveu também, em data difícil de precisar – possivelmente não muito distante da data do Cântico – o Audite poverelle para Santa Clara e suas irmãs. Mas todos os outros escritos seus foram transmitidos em latim. Como Francisco não dominava a língua erudita, muito possivelmente ele os ditava em volgare, e os secretários os transcreviam para a língua latina.

Neste ano de 2025, franciscanos e franciscanas do mundo inteiro comemoram o oitavo centenário desse escrito tão importante dentro do conjunto das obras escritas de São Francisco. Passados 800 anos, o Cântico mantém ainda seu frescor e atualidade, sendo tomado pelo Papa Francisco praticamente como um programa de seu pontificado.

Nesta breve reflexão, abordaremos alguns problemas relacionados com a autoria, data, circunstâncias, o que nos permite ver como nasceu o Cântico. Depois disso, tentamos colher no texto alguns elementos teológicos contidos nele. Acrescentamos alguma reflexão a respeito da ecologia e finalmente, numa leitura rápida do texto, destacaremos alguns detalhes significativos que às vezes passam despercebidos ao leitor.

1 – Autoria

O Cântico das Criaturas de São Francisco não consta nas primeiras hagiografias. O escrito que traz o texto completo é o Espelho da Perfeição, do primeiro quarto do século XIV, portanto, praticamente cem anos depois da morte do santo. Pode-se então perguntar: Teria sido realmente Francisco o autor ou foi o compilador do Espelho da Perfeição que inventou e compôs o texto que transmite?

Embora as primeiras hagiografias não tragam a íntegra do texto, afirmam de maneira inequívoca a autoria de Francisco. Na Vida primeira, Tomás de Celano não faz alusão explícita ao Cântico. Na Vida Segunda, o mesmo autor não deixa dúvida quanto à autoria do escrito: “Então, compôs os Louvores das criaturas e exortou-as a de algum modo a louvarem o Criador”[1]. E em outra passagem a confirma: “[Próximo da morte], ele convidava também todas as criaturas ao louvor de Deus e, por meio das palavras que outrora compusera, ele próprio as exortava ao amor de Deus. Exortava até a própria morte, terrível e odiosa para todos”[2]. Uma confirmação, portanto, do que já tinha afirmado umas poucas páginas antes.

Boaventura não explicita a autoria do Cântico, apenas a sugere de maneira muito tímida: “Ensinou-os também a louvar a Deus em todas e por todas as criaturas”[3]. “Repleto também de compaixão mais copiosa pela consideração da origem de todas as coisas, chamava as criaturas, por mais pequeninas que fossem, com os nomes de irmão e de irmã, pelo fato que sabia que elas tinham com ele um único princípio”[4].

Já as compilações do século XIV são mais explícitas. O Espelho da Perfeição Maior, como dito acima, traz o texto na sua íntegra[5], além de várias afirmações sobre a autoria de Francisco[6]. A Compilação de Assis oferece-nos seis passagens[7], e o Espelho da Perfeição menor duas[8] que indicam a autoria do Cântico. O texto de Atos do bem-aventurado Francisco não o explicita[9].

Mas a prova cabal da autoria de São Francisco situa-se de maneira indubitável já por volta da metade do século XIII. De fato, um manuscrito de época pouco posterior à morte de São Francisco traz o texto completo. Alguém, antes mesmo da metade do século XIII, havia começado a colecionar os escritos de autoria de São Francisco. E o texto do Cântico das Criaturas consta nesse manuscrito. O copista, inclusive, mostra a preocupação de indicar o autor do texto e as circunstâncias em que foi escrito. A cópia é precedida pela seguinte frase: “Começam os louvores das criaturas que São Francisco compôs para o louvor e honra de Deus, quando estava doente em São Damião”[10].

Com um testemunho tão categórico é difícil colocar em dúvida a autoria de São Francisco, afirmada por vários hagiógrafos e não contestada por ninguém.

2 – Data e circunstâncias da composição

Não é tarefa fácil determinar datas na Idade Média. Os hagiógrafos não tinham a mínima preocupação com a exatidão de datas. Mesmo assim, os compiladores de Espelho da Perfeição Maior e da Compilação de Assis[11] afirmam que Francisco teria composto o Cântico dois anos antes de sua morte. Já o copista do Cod. 338 preferiu não apontar uma data, mas apenas as circunstâncias em que teve origem o texto: “quando estava doente em São Damião”.

A partir de um dado tão vago, os historiadores procuraram uma data aproximativa, mais do que uma dada exata. A maioria deles tende a colocar a composição do Cântico no ano de 1225, em torno dos meses de abril e maio. As circunstâncias descritas pelos compiladores não eram as melhores para se compor um hino tão transbordante de positividade.

De fato, os sofrimentos de Francisco, nos dois últimos anos da vida, tinham-se intensificado sobremaneira. Em setembro de 1224, ele havia recebido os estigmas nas mãos, nos pés e no lado, o que lhe causava intensas dores. Acrescentem-se a isto várias doenças de que era portador, principalmente a dos olhos. Acometido pelo tracoma, que teria contraído em sua viagem à Síria, em 1219, ele sentia terríveis dores nos olhos. Mesmo a luz do dia o incomodava, razão pela qual ele lacrimejava constantemente. Fato que talvez justifique sua preferência por estar dentro de grutas escuras, e possivelmente teria sido este o motivo pelo qual Francisco pedia que sua cela fosse recoberta de samambaias e ramos de árvores[12]. As dores não lhe permitiam contemplar com os olhos físicos a beleza das criaturas. Abandonado em um pequeno quarto, os ratos corriam e passavam sobre ele, não lhe permitindo dormir. Em uma noite em que sofria mais do que em outras ocasiões, recebeu uma inspiração do céu, que lhe prometia a felicidade celeste, se suportasse todas aquelas dores. De manhã, depois de todo aquele sofrimento, ele compôs, letra e música, o Cântico das Criaturas ou Cântico do Irmão Sol como ele gostava de dizer[13].

Sabe-se que o texto do Cântico, como o temos, não foi composto de uma só vez. Por ocasião de uma contenda entre o bispo e o podestà de Assis, Francisco compôs o verso sobre “os que perdoam”[14]. E nos últimos dias de vida o completou com o verso sobre a “irmã morte corporal”[15].

Quanto ao lugar, há uma divergência entre os historiadores. Segundo alguns, a primeira parte do Cântico foi composta em São Damião. Outros reivindicam La Foresta (no vale de Rieti) como o berço da composição.

Embora o Cântico tenha sido composto no final da vida de Francisco, vemos que ele passou por longo período de maturação. Ele constitui o desabrochar de elemento muito presente ao longo da vida de Francisco. Ainda jovem, segundo o depoimento de seu hagiógrafo, pouco após a ruptura com o pai, depois de ser atacado por ladrões, Francisco “começou a cantar em voz alta pelos bosques louvores ao Criador de todas as coisas”[16].  E o mesmo hagiógrafo, ao mostrar o afeto dele pelas criaturas, afirma que Francisco falava com elas sobre o Senhor e as exortava a louvá-lo[17]. O Cântico está em consonância com outros escritos anteriores de Francisco, como a Exortação ao louvor de Deus e os Louvores para todas as horas canônicas. Deste modo o Cântico marca o momento culminante de todo um processo de irmanação com as criaturas.

3 – Letra e música

Os dois títulos sob os quais o texto de Francisco é conhecido, a saber, Cântico das Criaturas e Cântico do Irmão Sol, já caracterizam o texto como cântico, isto, que incluía música.

Pode-se, no entanto, levantar a hipótese de que ele tenha composto o texto e aproveitado alguma melodia do repertório popular. Esta opinião, porém, não se sustenta. Se fosse uma música, por exemplo, do folclore popular, certamente seus companheiros a saberiam. Mas consta que ele compôs e ensinou os companheiros a cantarem o Cântico do Irmão Sol[18] .

A notícia de uma segunda composição musical nos é apresentada no relato da pequena composição de uma exortação feita para Santa Clara e suas irmãs. Também neste relato consta um detalhe de não pouca importância: ele a compôs “com canto”, o que nos leva a concluir que ele compôs letra e música dos dois referidos textos[19].

Evidentemente, não se tratava de composições musicais complexas, mas de melodias simples, de estilo bem popular, de fácil memorização, mais próximo do modo recitativo. Segundo nosso modo de interpretar, Francisco compôs o Cântico em forma de lauda, que consistia em um texto com melodia que um solista cantava, verso por verso, e os ouvintes os repetiam como refrão, com ou sem acompanhamento de instrumento musical, mas certamente ao ritmo de palmas. A partir do capítulo 21 da Regra não Bulada, é legítimo concluir que Francisco fazia da lauda uma forma de evangelização.

Lamentavelmente, as duas melodias que ele compôs não foram codificadas e, por isso, não chegaram até nossos dias. A notícia certa, porém, é de que ele as compôs com música, o que permite que nossas afirmações ultrapassem o âmbito de meras conjeturas.

Outra comprovação significativa de que realmente se tratava de música é que, após a composição do Cântico do Irmão Sol, Francisco quis chamar Frei Pacífico – que antes de ser frade menor era mestre de canto – e enviá-lo juntamente com outros irmãos pelo mundo, com a incumbência de pregar e “cantar os louvores do Senhor, como jograis do Senhor”[20].

Ao mencionar os jograis, os compiladores apontam um detalhe importante para a compreensão da finalidade evangelizadora do Cântico. Mas antes, é necessário fazer uma breve alusão à figura do jogral. Diferentemente do menestrel, poeta e cantor das cortes dos senhores, das elites, o jogral era o poeta e cantor do povo, da grande massa popular constituída preferentemente de pobres. E é exatamente aí que Francisco quer que se cante o Cântico do Irmão Sol. Pode-se afirmar que Francisco reconhece no Cântico um meio de evangelização dos pobres. O Evangelho deve ser levado aos pobres juntamente com a poesia, com a música e com o belo. Afinal estes valores não são prerrogativas exclusivas das elites.

4 – Elementos teológicos do Cântico

Muito se escreveu sobre o Cântico. Há várias maneiras de abordagens. Famoso tornou-se o livro de Eloi Leclerc[21], em que o autor faz uma análise simbólica do Cântico.

Nossa abordagem não pretende retomar análises já feitas, mas colher elementos teológicos que constituem a base do Cântico. Defendemos que Francisco tem uma compreensão teológica que transparece no seu texto.

a) Deus criador

O primeiro e fundamental elemento teológico que transparece no Cântico é o de um Deus criador de todas as coisas. É uma verdade teológica que perpassa todos os escritos de São Francisco. Baste lembrar o início do capítulo 23 da Regra não Bulada: “Nós vos rendemos graças por causa de vós mesmo, porque pela vossa santa vontade e pelo vosso único Filho com o Espírito Santo criastes todos os seres espirituais e corporais e a nós, feitos à vossa imagem e semelhança, nos colocastes no paraíso[22].

No Cântico Francisco vê as criaturas na íntima relação com o criador, no proceder delas das mãos de Deus. Deus é a origem de todos os seres criados. E ele, Francisco, as convida a louvar o Deus que os criou. Embora no Cântico ele enumere apenas alguns poucos, o convite abrange tudo o que procede das mãos criadoras de Deus: todas as tuas criaturas. Isto é, ele enumera algumas criaturas sem exclusão das demais.

Esta visão teológica do Cântico é tão fundamental que, se se retira este elemento, se esvazia todo o significado dele. Por isso, uma análise que prescindir deste elemento corre o rico de não ter compreendido a própria alma do Cântico. Aqui reside uma das visões mais positivas das realidades criadas: estas são consideradas sempre na sua relação com Deus e na sua procedência de Deus.

b) Criaturas irmãs

Ainda não se encontrou na literatura cristã, nem em outra qualquer, alguém que antes de Francisco chamasse as criaturas de irmãs.

O fato de chamar as criaturas de irmãs, por ser algo inusitado, pode levar alguém a interpretar esta maneira de expressar-se como um recurso retórico de Francisco. No entanto, quando ele chama todos os seres criados de irmãos e irmãs, não usa uma figura de linguagem. Gramaticalmente falando, a palavra “irmãos”, atribuída aos seres criados, não é uma metáfora nem personificação. Esse é seu real modo de conceber as criaturas, de relacionar-se com o mundo e de posicionar-se diante de todo o universo. Em outras palavras: as criaturas são para ele realmente irmãs em sentido próprio, não figurado, não como se fossem irmãs.

O que acontece com Francisco e que pode parecer recurso a uma metáfora ou a um sentido figurado é que ele amplia o conceito de irmão. Na realidade, o conceito de irmão não é unívoco para todas as culturas. O próprio Jesus abre um horizonte que vai além da consanguinidade: Quem fizer a vontade de meu Pai, este é meu irmãos, irmã e mãe (cf. Mc 3, 33-35).

Não se trata, portanto, de metáfora. O termo “irmão” continua sendo usado em sentido próprio, material, não figurado. O que muda são as bases sobre as quais se funda o sentido do termo “irmão”. Jesus coloca como base da irmandade não mais o sangue de parentes próximos (irmãos, primos e outros), mas o fazer a vontade de Deus.

Para Francisco, na mesma trilha do Evangelho, o conceito de irmão também se coloca além da consanguinidade. O nome que ele deu à sua instituição, Ordem dos frades menores, o comprova. Portanto, chamar seus companheiros de irmãos não constitui uma metáfora. Apenas se baseia num parâmetro de diferentes dimensões.

Dois são, segundo nosso parecer, os principais critérios que constituem a base de seu conceito de irmão:

1º. A mesma origem

O primeiro critério é que todos os seres criados têm a mesma origem: Deus criador. Ora, ser irmão indica uma relação de, no mínimo, dois seres, pois ninguém é irmão de si próprio. Esta relação, por sua vez, postula uma origem comum referencial de ambos. Em outras palavras: dois seres só podem ser irmãos, se ambos têm pelo menos um pai ou uma mãe comum.

Nos escritos de Francisco este critério, Deus criador (origem) de todos os seres, abordado acima, não é apenas esporadicamente mencionado ou implicitamente suposto, mas sublinhado de maneira enfática e explícita. Sendo Deus criador a origem (Pai) de todos os seres criados, as criaturas todas são filhas com relação a Deus e irmãs na relação entre si. A relação horizontal de irmandade ou fraternidade postula e aponta necessariamente para uma relação de verticalidade.

2º. A mesma matéria

O conceito de irmão exige também que haja, além da origem (verticalidade), também uma constituição comum (horizontalidade). Normalmente, a consanguinidade é considerada esse elemento constitutivo.

A pergunta a ser impostada é a seguinte: Qual seria, para Francisco, o elemento constitutivo da fraternidade entre todos os seres criados?

Segundo nossa maneira de interpretar, a matéria é esse elemento constitutivo que irmana todas as criaturas dotadas de corpo. Francisco não o afirma com a clareza que talvez desejássemos, mas usa uma expressão, cujo significado nos dá a certeza de que ele se refere à matéria. Trata-se da expressão usada na estrofe do Cântico que corresponde à terra: “Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a mãe terra”[23].

A terra é a única criatura no Cântico que recebe dupla nomeação: irmã e mãe. Irmã, porque, como as demais criaturas, ela tem a mesma origem. Mãe, porque dela é que recebemos a matéria. Do mesmo modo que uma criança recebe o corpo do útero da mãe, assim também nós (seres humanos e outras criaturas sobre a terra) recebemos da “mãe terra” a matéria como elemento comum que nos constitui a todos como irmãos[24].

Subjacente a este modo de pensar está o texto de Gênesis: “Então Iahweh modelou o homem com a argila do solo” (Gn 2,7a). Em outra passagem, para lembrar que o ser humano tem esta constituição a partir da terra, Deus lhe diz: “… até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3, 19).

c) A bondade essencial da matéria

Desde o século III, com o surgimento da doutrina dos maniqueus, se propagou de maneira sub-reptícia uma compreensão negativa da matéria. Segundo esta doutrina, ela foi criada por um deus mau ou pelo diabo, motivo pelo qual ela é má na sua essência, intrinsecamente má. O cristianismo, certamente influenciado por estas ideias, sempre manteve certa distância com relação à matéria, embora nunca as defendesse abertamente. Na prática, aquelas penitências exageradas dos padres do deserto – e mesmo ao longo de toda a história do cristianismo – eram uma confissão tácita da maldade da matéria. A finalidade das penitências era mortificar (= matar) o corpo que é o inimigo da alma.

No século XIII, estas ideias retornaram com todo vigor através dos cátaros que, com suas pregações e suas rigorosíssimas práticas de penitência, propagavam a doutrina maniqueísta no meio da população predominantemente cristã.

O Cântico é uma declaração óbvia da bondade essencial da matéria. A matéria é intrinsecamente boa, porque proveniente das mãos criadoras de um Deus que não apenas é bom, mas é a essência da bondade, o próprio Bem, o Sumo Bem. Deus criou tudo e viu que tudo era bom – et vidit Deus quod essset bonum –, frase repetida cinco vezes no primeiro capítulo de Gênesis (cf. Gn 1, 4.19.12.21.25) e que constitui o núcleo da concepção positiva que Francisco tinha da matéria. Sendo a matéria vista como essencialmente boa, proveniente com ela das mãos criadoras de Deus, de maneira extremamente coerente Francisco a chama de irmã. Ele se reconhece e se sente matéria juntamente com toda matéria.

Deve-se sublinhar que o Cântico para Francisco não é apenas um discurso retórico, mas realmente o seu modo de compreender as realidades materiais. Ele, por assim dizer, liberta a matéria de uma filiação demoníaca para restituir-lhe a plena liberdade de filha de Deus (cf. Rm 8, 21).

d) Uma leitura sacramental das criaturas

Em seus escritos, Francisco não faz uma leitura alegórica das criaturas, como às vezes os hagiógrafos o sugerem. Muito menos no Cântico. Ele respeita a materialidade delas. A alegoria, uma figura de linguagem, esvazia o sentido material de determinada coisa para aplicar-lhe um sentido figurado, espiritual; despoja o ser concreto de sua materialidade para elevá-la a “esferas espirituais”, onde supostamente se encontraria seu verdadeiro sentido. Todo processo de espiritualização indica um radical menosprezo pela matéria concreta e constitui um recurso para quem se escandaliza com a matéria ou de alguma maneira se sentem incomodados por ela.

Os hagiógrafos de Francisco, como que inconscientemente escandalizados com a materialidade de Francisco, atribuem-lhe – não sempre, mas algumas vezes – uma leitura alegórica das criaturas, atribuindo-lhes um sentido espiritual, como se a relação dele com as criaturas só tivesse verdadeiro sentido, se fossem esvaziadas de seu sentido material. Deste modo, o compilador do Espelho da Perfeição, para esconder ou mesmo desviar o declarado amor de Francisco para com o sol material, interpreta-o como Sol da justiça (= Cristo, sol espiritual)[25].

Mas o que se percebe no Cântico é que Francisco insiste na materialidade das criaturas: ao falar do sol, ele compreende o sol material que constitui o dia, pelo qual Deus nos ilumina[26]. Este sol, em toda a sua materialidade, é amado por Francisco e, como tal, “traz o significado do Altíssimo”.

O que ele precisamente pretende dizer com essa expressão? Ele quer simplesmente dizer que o sol, matéria criada – por extensão todas as criaturas –, nos comunica ou nos revela Deus. É uma leitura que poderíamos chamar de leitura sacramental, pois vê nas criaturas uma real – conquanto misteriosa – presença de Deus. Nesta leitura, a matéria deixa de ser o polo oposto a Deus, para tornar-se transparência dele, para usarmos uma expressão de Teilhard de Chardin[27].

e) Criaturas – Sujeitas do louvor

Grandes discussões giraram em torno da questão se Francisco, no Cântico, louva a Deus por meio das criaturas ou por causa das criaturas.

Rejeitamos as duas maneiras. Vemos no Cântico as criaturas como agentes do louvor. Esta afirmação concorda plenamente com os repetidos convites que Francisco faz às criaturas em outros escritos seus: “Criaturas todas, bendizei o Senhor”; “louvem-no glorioso, céus e terra…, e toda criatura que há nos céus e sobre a terra, que há debaixo da terra e no mar e as que nele existem”[28]. Francisco atribui às criaturas não uma causalidade ou instrumentalidade no louvor a Deus, mas a qualidade de sujeito, de agente da ação de louvar. Por assim dizer, Francisco não tira das criaturas o protagonismo no louvor a Deus. Pelo contrário, afirma explicitamente que elas, a seu modo, louvam o Criador até melhor do que o próprio ser humano[29]; este protagonismo se encontra também nos salmos bíblicos, onde Francisco busca sua inspiração.

A rubrica que introduz os Louvores a serem ditos a todas as Horas Canônicas oferece-nos um detalhe interessante. Assim diz a rubrica: “Começam os louvores que nosso beatíssimo pai Francisco compôs e que dizia a todas as horas canônicas do dia e da noite e antes do ofício da bem-aventurada Virgem Maria…”. Este texto de Francisco convida todas as criaturas ao louvor de Deus. Mostra-nos claramente que Francisco não rezava por causa ou por meio das criaturas, mas as convidava a rezar com ele. Ele fazia de sua oração um momento privilegiado de confraternização com todas as criaturas.

5 –  Bases para uma sã ecologia

É anacrônico falar de ecologia ou de consciência ecológica em São Francisco. Uma consciência ecológica surgiu com a constatação da degradação do meio ambiente. Isto não existia no tempo dele. No século XIII, a produção de bens de consumo era artesanal. Não havia indústria no sentido hodierno do termo. O artesão fazia manualmente peça por peça de seu produto, e seus instrumentos eram manuais, não havia máquina de produção em larga escala.

A produção de bens em larga escala (em escala industrial) começou na Inglaterra no século XVIII, processo que recebeu o nome de revolução industrial. Com esta, deu-se início a um processo de grandes transformações tecnológicas, sociais, econômicas e ambientais. Trouxe benefícios, como baratear os custos dos bens de consumo, a grande oferta de produtos essenciais para a vida humana. Mas também causou muitos malefícios ao meio ambiente, como poluição de rios, do ar etc. O centro de produção mudou de eixo: não mais o campo, mas as cidades, com a consequente concentração de populações operárias que gerava problemas sociais de toda espécie.

A partir daí, especialmente com a descobertas de novas tecnologias, o processo entrou em uma fase e afã de aceleração praticamente incontrolável. Para isso contribuiu muito a ideologia capitalista, sedenta de lucros estratosféricos.

Em todo esse processo, não só a humanidade (especialmente os pobres) sofria as sequelas da sede de lucro, mas também o meio ambiente. O laissez-faire, lema que resume a ideologia do liberalismo, era uma carta branca para arrasar, dos modos mais diversos possíveis, todo o meio ambiente.

Embora não se possa falar de crise ecológica na época de Francisco, é nele que se encontram os elementos para superá-la nos dias de hoje.

A compreensão das criaturas como irmãs constitui o elemento fundamental. A superação da crise ecológica só será possível através da mudança de paradigma da relação com as criaturas. Francisco propõe relações fraternas, que inclui respeito (reverência) para com as criaturas, cuidado e afeto. As fontes franciscanas oferecem incontáveis exemplos sobre a maneira como Francisco se relacionava com elas.

Baseado na maneira de pensar de Francisco, defendemos os direitos da natureza. Rejeitamos a argumentação do egocentrismo humano de que em vista do homem se deve preservar a natureza. Afirmamos que ela deve ser preservada em vista dela mesma. Ela tem sentido em si mesma, não em vista do benefício do ser humano. Independentemente do ser humano, o rio tem direito a ser rio, a mata o direito de ser mata, o mar direito de ser mar e não depósito de lixo plástico etc. Na superação da crise ecológica será de fundamental importância a passagem de uma mentalidade utilitarista para uma que respeite os direitos da natureza.

6 – Uma análise do resumida do Cântico do irmão sol

Dentro daquele contexto histórico, o Cântico do Irmão Sol ou Cântico das Criaturas aparece como uma flor que brota da pedra. Nesta poesia musicada pelo próprio Francisco, ele deixa transparecer todo o seu amor pela obra da criação. Como o texto já é conhecido de todos, apontaremos alguns detalhes que, às vezes, podem passar despercebidos ao leitor que não tem muita afinidade com um texto medieval.

1 – Altíssimo, onipotente, bom Senhor, teus são o louvor, a glória e a honra e toda bênção.

2 – Somente a ti, ó Altíssimo, eles convêm, e homem algum é digno de mencionar-te.

Estas duas primeiras estrofes traduzem o sentimento religioso de Francisco. Ele sente que sua relação com Deus é uma relação desigual. De um lado, Deus, o ser altíssimo, o numinoso, o mistério, o infinitamente grande, o sem medida; e do outro lado, ele, tão pequeno que é incapaz de nomeá-lo. Uma frase, embora transmitida por fontes tardias, traz o mesmo sentimento. Frei Leão tê-lo-ia ouvido rezar repetidamente: “O que sois vós, dulcíssimo Deus meu, e o que sou eu, vermezinho e pequeno servo vosso”?[30]

3 – Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o senhor irmão sol, o qual é dia, e por ele nos iluminas.

4 – E ele é belo e radiante com grande esplendor, de ti, Altíssimo, traz o significado.

a) Chama-se a atenção para a expressão com todas as tuas criaturas. A preposição “com” indica que o louvor é dirigido a Deus e a todas as criaturas. Neste verso, não é Francisco e as criaturas que estão louvando a Deus, mas as criaturas são louvadas com Deus. As criaturas são objeto do louvor de Francisco, como ao elogiar uma obra de arte se elogia ao mesmo tempo o artista e vice-versa. O verbo está na voz passiva. Francisco presta louvor a Deus e às criaturas, obras das mãos dele (de Deus).

b) O Sol é a primeira das criaturas a receber louvor. Por que o sol? Porque ele traz o significado do próprio Deus. Em outras palavras, o sol é o símbolo de Deus. Sol é beleza, luz e esplendor. Deus habita em luz inacessível, Deus é plenitude de luz.

Sabe-se pela história das religiões que vários povos adoravam o sol. A luz entra no sentimento religioso como elemento de percepção do numinoso. Aliás, se os povos primitivos adoravam o sol, é porque experienciavam a luz como o numinoso. Francisco atribui ao sol o papel de criatura; não adora o sol. Pelo seu esplendor radiante, o sol é visto por Francisco como símbolo de Deus (sacramentalidade de Deus).

5 – Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e pelas estrelas, no céu as formaste claras e preciosas e belas.

Nesta estrofe, Francisco muda a preposição. Se na terceira estrofe as criaturas recebem o louvor juntamente com o Criador, a partir da quinta estrofe as criaturas são agentes do louvor ao criador, como visto acima. Aliás, é uma ideia muito recorrente na tradição bíblica; especialmente nos salmos, as criaturas são convidadas a louvar a Deus (Obras do Senhor, bendizei ao Senhor).

6 – Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento, e pelo ar e pelas nuvens e pelo sereno e por todo tempo, pelo qual às tuas criaturas dás sustento.

Da estrofe 6 até a estrofe 9, Francisco aborda os quatro elementos da natureza considerados básicos para a vida. Desde os pré-socráticos, esses elementos têm sido objeto de considerações por parte dos filósofos. Enquanto um achava que o ar era o elemento primordial de toda matéria, outro achava que era a água ou a terra ou o fogo. Empédocles (490 [484] – 430 [421] a. C) foi o primeiro a citar os quatro elementos como igualmente primordiais constitutivos da natureza. No fundo, ele apenas traduzia em pensamento filosófico o que já estava presente na mitologia greco-romana e observável até mesmo em culturas primitivas.

Deixando as esferas siderais (sol, lua, estrelas), Francisco dirige-se ao nosso planeta. E ao considerar os quatro elementos, ele trata da vida em seu sentido fundamental: vida biológica. Na realidade, não existe vida sem esses elementos.

O primeiro elemento a ser abordado é o vento, o ar. O vento espalha vida por toda a superfície da terra (sementes, por exemplo); espalha as nuvens, distribuindo as chuvas (que dão sustento às plantas e aos animais); o ar, talvez o mais frágil dos elementos, mantém vivas as criaturas. É também o mais urgentemente necessário: o ser humano, por exemplo, pode ficar vários dias sem água, mas não fica cinco minutos sem ar. Ao criar o ser humano, Deus soprou o ar nas narinas dele. E este se tornou ser vivo. O ar mantém-no vivo.

Ainda um detalhe: é Deus quem dá o sustento a todos os seres vivos através do vento, do ar, das nuvens etc. Entra aqui o elemento da gratuidade de Deus.

7 – Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, que é muito útil e humilde e preciosa e casta.

A importância da água é descrita pelos adjetivos aplicados a ela: útil, porque serve a vida; humilde, porque presta os serviços mais humildes, permitindo ser misturada a imundícies em sua função de lavar; preciosa, porque, apesar de ser o símbolo da gratuidade, não há dinheiro que possa comprar seus benefícios; casta, porque é pura e purifica.

8 – Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a noite, e ele é belo e agradável e robusto e forte.

Nesta estrofe aparece pela terceira vez o adjetivo “belo”. Francisco era extremamente sensível ao belo. Nas criaturas ele via a transparência da beleza de Deus. Nos Louvores ao Deus Altíssimo ele atribui a beleza como qualidade de Deus: “Tu és a beleza”.

Os hagiógrafos dão sobejos exemplos de que Francisco contemplava todas as criaturas sob a ótica do pulchrum e do bonum: “Reconhece nas coisas belas aquele que é o mais belo; todas as coisas boas lhe clamam: Quem nos fez é o melhor”[31].

Os adjetivos são: belo, porque luminoso (adjetivo atribuído ao sol, à lua e às estrelas); agradável, porque traz calor; robusto e forte, porque até capaz de destruir, devora tudo o que encontra pela frente.

9 – Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas.

A terra é chamada de irmã e de mãe. Irmã, porque criatura como nós; mãe, porque nascemos dela. Fomos formados do barro (cf. Gn 2, 7), recebemos a matéria da terra.

Ela nos sustenta como mãe, produz e dá de seu seio o alimento. Ela nos governa; não é o ser humano que a governa. O ser humano passa, e ela permanece. Ela conduz todos os seres vivos ao seu destino: a voltar ao pó do qual provieram.

Para sustentar-nos, ela produz frutos. Para curar-nos, ela produz ervas. Para embelezar, ela produz flores.

10 – Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam pelo teu amor, e suportam enfermidade e tribulação.

11 – Bem-aventurados aqueles que as suportarem em paz porque por ti, Altíssimo, serão coroados.

As estrofes 10 e 11 foram acrescentadas ao cântico posteriormente, com a finalidade de provocar sentimentos de perdão e de paz entre o bispo e o prefeito de Assis. Pecado, discórdia, tribulação, enfermidade são realidades que desequilibram as relações com e entre as criaturas. O perdão e a busca da paz reconstroem a harmonia perdida. O perdão é também obra de Deus. O ser humano por si só é incapaz de perdoar.

12 – Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a morte corporal, da qual nenhum homem vivente pode escapar.

13 – Ai daqueles que morrerem em pecado mortal: bem-aventurados os que ela encontrar na tua santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal.

As estrofes 12 e 13, acrescentadas por Francisco na proximidade de sua morte, tratam do fim inevitável da vida biológica. A morte biológica é vista como irmã, portanto, positivamente. Ele teria dito ao médico: “Pode dizer que a morte está próxima; ela para mim será a porta da vida”[32]. E dizia: “Bem-vinda seja minha irmã morte!”[33].

Aqui se compreende a morte como desfecho natural do ciclo biológico de uma pessoa. Não significa apologia de suicídio, de homicídio nem de qualquer “cídio”.

A segunda morte, alusão a Ap 2.11 e 20, 6, significa a morte eterna, a condenação pós-morte, não uma possível segunda morte corporal, como se a morte tivesse duas etapas.

14 – Louvai e bendizei ao meu Senhor, e rendei-lhe graças e servi-o com grande humildade.

Esta estrofe conclusiva resume todo o cântico em um convite: que todas as criaturas louvem, bendigam e sirvam a Deus com grande humildade. Fica evidente em voz ativa o convite que ele, ao longo do cântico, fazia em voz passiva. As criaturas constituem o agente na ação de louvar o altíssimo e bom Senhor.

Conclusão

Durante o pontificado do Papa Francisco, o Cântico teve sua maior valorização em 800 anos de história. As encíclicas Laudato Si e Fratelli tutti, bem como economia de Francisco e Clara, projeto alternativo para uma economia mundial, são convites claros a uma retomada do modo de Francisco de Assis lidar com as realidades terrestres. O homem pobre e simples de Assis é que oferece ao mundo de hoje o caminho para a solução de seus mais graves e urgentes problemas. De fato, Deus revela os seus mistérios aos simples e pequenos (cf. Mt 11, 25).

Franciscanos e franciscanas têm no Cântico um programa de evangelização. Como Francisco quis enviar os frades por todo mundo como jograis para cantarem os louvores do Senhor, assim seus seguidores são enviados hoje para cantar em todo mundo o Cântico do Reino de Deus, da confraternização de todas as criaturas.


[1] 2Cel 213, 11.       

[2]2 2Cel 217, 7-8.    

[3] LM IV, 3, 5.        

[4] LM VIII, 6, 1; cf. Lm 6, 4.  

[5] Cf. 2EP 120, 1-10.              

[6] Cf. 2EP 90, 1; 100, 12-14; 101, 1.5-6.10; 118, 11; 119, 4-7; 123, 10-12.          

[7] CA 7, 10-14; 83, 21; 83, 30; CA 84, 10; CA 85, 1; CA 88, 9.           

[8] 1EP 10, 11; 4, 1. 

[9] Cf. AtF 18, 1.      

[10] Trata-se do Cod. 338 da Biblioteca comunal de Assis.    

[11] 2EP 100, 1; CA 83, 5.       

[12] CA 57, 5; EP 9, 3.             

[13] Cf. 2Cel 213, 1-11; CA 83, 5-24; 2EP 100, 1-14.    

[14] CA 84, 5-7; 2EP 101, 5-6. 

[15] CA 7, 11-14; 2EP 123, 11-12.           

[16] 1Cel 16, 4.         

[17] Cf. 2Cel 165, 7. 

[18] CA 83, 24; 2EP 100, 14.   

[19] Cf. CA 85, 1; 2EP 90, 1.   

[20] CA 83, 25-26; 2EP 100, 17.              

[21] Eloi Leclerc, Le Cantique des créatures ou les Symboles de l’union, 1970.    

[22] RnB 23, 1b.       

[23] Cnt 9a.

[24] Concordamos com Leonardo Boff, quando afirma as raízes cósmicas comuns de todas as criaturas (cf. BOFF L., Ecologia – Grito da terra, grito dos pobres, Rio de Janeiro, Sextante, 2004, p. 286); no entanto, devido a uma cosmovisão da época, Francisco não tinha esse modo de pensar; naquela época, ainda se pensava que o sol gira em torno da terra. Somente três séculos depois de Francisco é que surgiu Nicolau Copérnico (1473-1543) com a teoria heliocêntrica. Por isso, preferimos atribuir a Francisco a concepção da terra como útero no qual e do qual recebemos mais imediatamente a matéria.

[25]  Cf. 2EP 119, 6. 

[26] Cnt 3. 

[27] Teilhard de Chardin usa o termo “diafania” (= transparência) para significar que na matéria cósmica criada Deus se torna transparente; cf. CHARDIN P.T., O meio divino, Petrópolis, Vozes, 2010, p. 102.104.

[28] ExL 11; LH 7.8.

[29] Cf. Ad 5, 2.        

[30] AtF 9, 40.          

[31] 2Cel 165, 5.       

[32] Cf. 2 Cel 217, 9.

[33]  Cf. 2Cel 217, 8.                

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