Em tempos de migração e de sociedades pluralizadas, uma catequese autêntica e contextual se faz necessária, em vista de levar a mensagem da Boa Nova de forma clara e objetiva.
Ir. Lady Giovanna Ávila Arias, CM.
A questão que norteia o seguinte texto, nos conduz a análise da realidade de muitas pessoas que migram de seus lugares de origem em busca de segurança, oportunidades de trabalho, melhores condições de vida, reunificação familiar, perspectivas de novos horizontes e muitos outros objetivos. Ao atravessar as fronteiras, os migrantes chegam em nossas vidas para despertar em nós o compromisso ético, social e o cuidado para com a vida. De fato, cada ser humano almeja sua plena realização, motivado por uma esperança que alimenta sua caminhada até o alcance de um amanhã melhor.
Esta realidade nos desafia a promover a construção de relações evangelizadoras e humanizadoras, ou seja, criando mudanças de paradigmas, reconhecendo a pluralização, analisando criticamente, com o intuito de impulsionar ações que promovam o diálogo, a participação, a construção de alteridade, de reciprocidade, de comunhão e de incidência social.
Por conseguinte, a construção da sociedade só é possível através da participação de todos, como nos propõe a encíclica Fratelli Tutti (FT 215). Isso propõe que em tempos de migração e de sociedades pluralizadas, uma catequese autêntica e contextual se faz necessária, em vista de levar a mensagem da Boa Nova de forma clara e objetiva.
Cabe perguntar-se qual é o lugar da Igreja na época moderna?
Em relação ao fenômeno das migrações, surgem desafios referentes à vivência da interculturalidade, das crenças, das políticas sociais, da forma como entendemos a experiência cristã neste âmbito. Deste modo, se pensarmos a migração a partir das Sagradas Escrituras compreendemos que ela se revela como fonte de inspiração sendo humana, salvífica e libertadora. Com base nos diversos relatos bíblicos que expõem o êxodo dos povos, a vida dos pastores e profetas, que empreenderam longas travessias de forma voluntaria ou forçada, concluímos que as saídas aconteciam por causa da fome, guerra, seca, perseguições, busca de refúgio em terras estrangeiras, libertação, anseio da terra prometida, dentre outros motivos. Em tudo, a ação de Deus é relatada por sábios, profetas, reis, apóstolos e evangelistas. Assim, o próprio Verbo Encarnado, se tornou migrante com os migrantes e peregrino com os peregrinos. (Mt 2,13-23)
Como experiência de vida e de Comunidade:
Mediante a configuração da Rede de Acompanhamento a Migrantes e Refugiados (RAMR) no Bairro Bandeirinhas (Betim-MG), atualmente concentram-se esforços em fortalecer o compromisso com os direitos migratórios mediante diversos espaços pedagógicos que tentam garantir o acolhimento e a dignidade humana.
O projeto de acompanhamento a Migrantes e Refugiados Venezuelanos, começou no fim do ano 2019, em parceria com os Frades Franciscanos (OFM), a partir da prática da escuta e do diálogo com um grupo de jovens interessados no aprendizado da língua portuguesa. Com esse primeiro encontro, gerou-se uma aproximação que evidenciou alguns desafios, sonhos, potencialidades, propósitos familiares, laborais, educativos; partilhados pelos próprios migrantes. Nos deparamos com uma riqueza muito importante a nível cultural e religioso, bem como, uma diversidade significativa de relatos e de experiências de vida. É o cenário que nos permitiu enxergar a história humana a partir da luta, resistência, compreensão da realidade fraturada pela desigualdade social e a necessidade de efetuar uma análise crítica em vista de ações concretas.
A RAMR compreende que o fenômeno da migração como lugar social, nos interpela a reconhecer o outro e sua cultura, á luz do diálogo e do encontro permanente. As memórias, as narrativas, são espaços sagrados que nos aproximam das diversas travessias causadas pelos impactos políticos, econômicos, sociais e multiculturais, que desafia a família humana. Nessa perspectiva, acolher os relatos de muitas pessoas migrantes que foram obrigadas a sair de seu país de origem para encontrar novos horizontes de vida, é a porta de entrada para entender a experiência de êxodo das famílias e para impulsionar o compromisso concreto mediante ações que trazem esperança e justiça social.
Dessa forma, os filhos espirituais de São Francisco (OFM), o Centro Franciscano de Defesa dos Direitos (CEFAD), o Serviço Jesuíta para Migrantes e Refugiados (SJMR), a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a PUC – MG, a Rede Franciscana para Migrantes (RFM), a Escola José Salustiano Lara, a Creche “Esperança”, as Irmãs Carmelitas Missionárias e outros parceiros voluntários, acompanham vários projetos, dentre eles: cursos de idioma e cultura, cursos técnicos e profissionalizantes, espaços de empreendedorismo, inserção no âmbito laboral, práticas integrativas, palestras sobre direitos trabalhistas, saídas culturais, acompanhamento psicológico a nível individual e grupal, regularização migratória e outros espaços de partilha e fraternidade.
Assim sendo, a Rede tenta, de forma processual, abordar o reconhecimento da dignidade humana, mediante processos de transformação que favorecem a vivência da alteridade, a responsabilidade consciente, a construção de práticas coletivas, incorporando redes e instituições de solidariedade, que através de ações voluntárias, proporcionam uma pedagogia humanizadora a favor integração das pessoas ao contexto brasileiro.
As principais demandas estão relacionadas à busca de emprego, saúde, educação, aprendizado da língua portuguesa, assistência humanitária, regularização migratória, reconhecimento de cursos profissionalizantes, validação dos títulos acadêmico, acompanhamento psicológico, representatividade nos espaços públicos em geral para serem locais capazes de favorecer a dignidade das famílias. Ademais, é necessário continuar trabalhando nas diversas práticas que permitam a valorização da vida humana em sua totalidade, inspirados pelo próprio Jesus que se apresentou como caminho, verdade e VIDA.