Francisco é o grande instrumento da “Paz e do Bem”, é aquele que nos recorda o sonho de Deus para a humanidade.
Frei Vitor Vinicios da Silva, ofm
Neste ano em que celebramos 800 anos do fato marcante e simbólico em que São Francisco de Assis, em 1223, constrói o primeiro presépio no povoado chamado Greccio, retomamos a fonte que nos informa:
E o bem-aventurado Francisco, como muitas vezes acontecia, quase quinze dias antes do Natal do Senhor, mandou que ele fosse chamado [um homem de nome João] e disse-lhe: Se desejas que celebremos em Greccio a presente festividade do Senhor, apressa-te e prepara diligentemente as coisas que te digo. Pois quero celebrar a memória daquele menino que nasceu em Belém e ver de algum modo com os olhos corporais os apuros e necessidades da infância dele, como foi reclinado no presépio e como, estando presentes o boi e o burro, foi colocado sobre o feno. […] E aproximou-se o dia da alegria, chegou o tempo da exultação. Os irmãos foram chamados de muitos lugares, homens e mulheres daquela terra, com ânimos exultantes, preparam, segundo suas possibilidades, velas e tochas para iluminar a noite que com o astro cintilante iluminou todos os dias e os anos. Veio finalmente o santo de Deus e, encontrando tudo preparado, viu e alegrou-se. E, de fato, prepara-se o presépio, traz-se feno, são conduzidos o boi e o burro. Ali se honra a simplicidade, se exalta a pobreza, se elogia a humildade, e de Greccio se fez como que uma nova Belém” (1 CelXXX-84 – 85, FFC, 2008: 255-256).
A impactante mensagem nas entrelinhas desse ato só pode ser entendida quando nos inclinamos a compreender um pouco da vida do santo de Assis. Dessa forma, sinalizaremos alguns elementos que nos auxiliam nessa compreensão.
O primeiro elemento é justamente o contexto conflitivo desse período. Um momento de guerras que serão denominadas como cruzadas, que nada mais é que um conflito intenso entre cristãos e mulçumanos (conhecidos como sarracenos) que digladiam pela “Terra Santa” que para os cristãos é o lugar onde Jesus nasceu e para os mulçumanos o lugar que além de ser mencionado no Alcorão é onde ocorreu a ascensão de Maomé aos céus. Além disso, outro elemento que colore esse tempo é a derrocada do sistema feudal e o nascimento do sistema capitalista e, com isso, podemos entender que estamos em um momento saturado por tantas guerras e rompimentos. No fim, a partir desse pano de fundo compreendemos uma grande resposta silenciosa e pacífica do santo de Assis a toda humanidade.
O simples homem chamado Francisco foi testemunha ocular de milhares de corpos de cristãos e mulçumanos ceifados pelo ódio, dos cristãos que desejavam exterminar os mulçumanos e estes os cristãos. Foi o construtor de pontes capaz de estar na cruzada com a abertura de passar alguns dias no acampamento dos mulçumanos ao lado do sultão Malek-al-Kamil com o propósito de dialogar em vista da paz. Assim sendo, responde ao mundo que não precisavam da guerra, pois nos sinaliza a possibilidade de transformar o seu lugar na Nova Belém, ou seja, nos diz que todo lugar deve ser chamado de “Terra Santa”, o lugar onde Jesus nasceu e continua nascendo.
O santo constrói uma manjedoura viva não no intuito de exibicionismo, mas com o propósito de ser um convite a tornarmos os nossos lugares um espaço de acolhimento ao outro. Em outras palavras, o presépio é um chamado a vivermos o projeto de Deus com todas as suas consequências, é o lugar do refugiado, imigrante, pobre e todos aqueles que padecem em nosso mundo. No fim, essa mensagem é tão significativa que nos convida a fazer dos nossos corações a “Nova Belém”, Deus nasce em nós e nos lugares que habitamos.
Francisco é o grande instrumento da “Paz e do Bem”, é aquele que nos recorda o sonho de Deus para a humanidade. É o sonho sinalizado pelo profeta Isaías que nos fala da harmonia cósmica em que o “Leão come palha com o boi e a criança brinca na toca da serpente e o menino mete a mão no buraco do escorpião” (Is 11, 6-8). No fim, que nessa festa natalina de Jesus, o Cristo, possamos dizer como o apóstolo Paulo que “Já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,20) e chamar, como Francisco, homens e mulheres para festejar o nascimento e tornar os nossos espaços, manjedouras onde habita o Príncipe da Paz.