Independência e povos indígenas

Independência e povos indígenas

É preciso reforçar a diversidade desses povos, assim como hoje, no século da independência havia variadas línguas, tradições, formas de espiritualidade, culturas que os permeavam.

Prof. Miguel Vitor de Araujo Vieira

Prof. Frei Laércio Jorge ofm

A nação que se tornou independente em 1822, passou por um processo de extermínio de povos indígenas, primeiros ocupantes deste território. Já no século XVI, quando se deu o primeiro contanto, do velho mundo com o novo mundo, os indígenas padeceram de várias formas, são exemplos, as doenças, escravização, imposição religiosa e guerras, que teve como efeito a curto prazo, mortes sem precedentes.

É preciso reforçar a diversidade desses povos, assim como hoje, no século da independência havia variadas línguas, tradições, formas de espiritualidade, culturas que os permeavam. É preciso ir além, não estavam todos na mesma condição social, portanto, não é interessante para esta reflexão imaginar que se envolveram e vivenciaram da mesma forma o processo de emancipação. Algo que precisa ser problematizado a esse respeito é que a Constituição outorgada (imposta) em 1824 por D. Pedro I não reconhecia a cidadania dos povos originários e se quer assegurava qualquer direito, segundo Lopes (2014). Seus direitos vieram somente com a Constituição vigente, de 1988.

De acordo com Dantas (2018), houve engajamento dos indígenas nas movimentações em torno de uma nação independente, especialmente com revoltas, são exemplo as que ocorreram em 1823 e 1824 no Pará, contra o trabalho forçado. Mas também, apresentavam ações escritas, que com ideias e projetos para o novo país em discussão.

É necessário que se aprofunde mais nas pesquisas sobre as formas de atuação dos indígenas no período abordado, mas o que já é fato é que este movimento não pode ser pensado sem levar em conta o protagonismo dos povos originários em nossa História. Com essa perspectiva é possível observar a formação do Estado brasileiro no Oitocentos em sua complexidade. A participação política dos indígenas em Pernambuco e Alagoas, entre 1817 e 1848, contribui para esse entendimento.

As indígenas das aldeias de Cimbres, Barreiros, Jacuípe, entre tantas outras, atuaram nas revoltas ao lado dos outros sujeitos históricos, com quem compartilhavam uma posição desprivilegiada em relação aos membros das elites políticas e econômicas. O envolvimento, as escolhas e as motivações desses agentes sociais diante das revoltas iniciadas pelas elites indicavam a elaboração de espaços informais de participação política, ou seja, de estratégias de interferência no âmbito público por populações que tinham acesso muito restrito aos mecanismos formais de atuação política, como o voto (DANTAS, 2018, p. 280).

O que não se pode deixar de abordar é que certos grupos sociais e suas lutas por direitos, de modo especial, os indígenas, foram ignorados após a emancipação. Continuaram a enfrentar exploração e desrespeito, o que foi uma permanência do período colonial. A marginalização desses povos se expressou de várias formas, com as demandas indígenas não sendo atendidas, e em alguns casos, os desafios enfrentados se exacerbaram, como por exemplo, a perda de territórios ancestrais, prejudicando os meios de subsistência e modos e vida.

No passado, as poucas medidas públicas voltadas aos indígenas procuravam integrá-los à sociedade sem respeitar sua identidade cultural, reprimindo a língua e sua tradição. Ainda vale ressaltar a exploração de recursos naturais em suas terras, que persiste ainda hoje, em conflitos, ameaçando o equilíbrio ambiental e o modo de vida das tribos. Mesmo com a Constituição Federal de 1988 tendo estabelecido direitos territoriais e culturais para esses povos, a implementação ainda é um desafio.

Os povos indígenas no Brasil têm empreendido por décadas uma luta por seus direitos, pela preservação de sua cultura e territórios. Um trabalho árduo para conscientização da sociedade sobre suas realidades, sobre a necessidade de políticas inclusivas e por uma abordagem que respeita sua autonomia e visão de mundo.

REFERÊNCIAS

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[1] Os autores são professores e atualmente Mestrandos em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [2022 – 2024]

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