Santo Antônio morreu no 13 de junho de 1231, em Arcella, perto de Pádua, com a idade de 36 anos.
Frei Jacir de Freitas Faria [1]
Um dos santos mais populares do Brasil é Santo Antônio. Ele nasceu em 1195, na cidade de Lisboa (Portugal). Foi batizado com o nome de Fernando de Bulhões. Era filho único de Martinho de Bulhões, família nobre e rica de Lisboa.
Quando tinha 15 anos, ele se tornou frade agostiniano. No mosteiro da Santa Cruz, ele estudou e decorou a Bíblia. Ao completar 25 anos, Fernando ficou comovido com o ardor missionário de 5 frades franciscanos que foram para Marrocos, na África, e lá foram martirizados. Ele quis, então, ser franciscano, com o objetivo de ser mártir em Marrocos. Com a permissão de seu superior, Fernando se transferiu para o convento dos frades franciscanos, tendo o seu nome mudado para Antônio. A escolha desse nome se deveu a uma homenagem a um santo eremita egípcio de nome Santo Antônio do Deserto, conhecido também como Santo Antão, morto em 356.
Para realizar o desejo de Antônio, o de ser missionário, ele seguiu viagem para Marrocos, mas por causa de uma grave doença que o acometeu, ele voltou para a Europa. Uma inesperada tempestade o deixou em Messina, na ilha de Sicília (Itália), onde se recuperou da doença no convento dos frades.
Em Assis, no dia 23 de maio de 1221, ele se encontrou com São Francisco e os frades que estavam reunidos em Assis. Esse encontro ficou conhecido como capítulos das esteiras, pois eram mais de três mil frades dormindo em esteiras. Em Assis, ele recebeu a nomeação para ir morar em Pádua, no norte da Itália. No primeiro ano, ele viveu de forma simples e muita oração.
Em 1222, na ordenação presbiteral de um frade dominicano, por causa da falta do pregador, Frei Antônio foi convidado para fazer o sermão. Ele encantou a todos. Em 1223 recebeu um bilhete de São Francisco autorizando-o a ensinar Sagrada Escritura em Bolonha e ser pregador.
A fama de Frei Antônio como pregador logo se espalhou. Multidões se aglomeravam para ouvir seus sermões. A Bíblia que foi objeto de estudo, de vida e fonte de sua inspiração nas suas pregações, assim como a forte denúncia contra os ricos, os exploradores do povo, na Baixa Idade Média.
Em um dos seus sermões, Antônio proclamou com veemência: “A linguagem é viva, quando falam as obras. Cessem, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, mas de obras vazios; por este motivo nos amaldiçoa o Senhor, como amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas.”
Santo Antônio atuou como missionário do reino na França e na Itália. Em 1226, ele foi escolhido para ser Superior dos franciscanos do Norte da Itália.
As tradições sobre Santo Antônio
A imagem de Santo Antônio traz uma criança ao colo. O que significa isso? Na Idade Média, as crianças eram vistas como pessoas frágeis, infantis, mas eram tratadas como adultas. Alguns idiomas, como o francês, conservaram essa mentalidade, quando grafam criança como ‘enfant’, um infantil. Já o português usa criança, que vem de Deus Criador. As crianças tinham que trabalhar e se vestir como eles. Eram um adulto em miniatura, um ser imperfeito. A arte medieval cunhou as crianças de homúnculo, isto é, um pequeno adulto. Era também pensamento de que Jesus nascera adulto.[2] Alguns pensavam que as crianças não tinham salvação, caso morressem.
As pinturas medievais de santos com o menino Jesus com um rosto de adulto, homúnculo, foi uma tentativa de mostrar que Jesus, o Salvador, era homem perfeito, santo e não criança como as demais. Seria para valorizar e pedir a salvação para as crianças a partir do adulto bebê Jesus. Com Santo Antônio não foi diferente.
A mula adora o Santíssimo
A tradição diz que na região de Tolouse, na França, Santo Antônio discutia com um herege sobre Eucaristia. [3] Apesar de vencido, o herege não se converteu à fé católica. Então, o herege propôs um desafio ao Santo: “Deixemo-nos de palavras e vamos a obras. Se tu fores capaz de mostrar com milagres, na presença de toda a gente, que no Sacramento está deveras o Corpo de Jesus Cristo, eu prometo deixar a heresia e submeter-me à fé católica.”
E Santo António, cheio de confiança, respondeu que assim faria. E o herege disse:
Pois então vou fechar em casa um animal. Atormento-o com fome três dias, e ao fim trago-o perante os que quiserem assistir e vou lhe oferecer comida. Neste momento, vens tu com o Sacramento que dizes ser o Corpo de Jesus Cristo. Se o animal assim esfomeado parar de comer e se for numa pressa para Deus que, segundo afirmas, toda a criatura tem obrigação de adorar, podes ficar certo que imediatamente abraçarei a fé da Igreja.
E assim ficou combinado. E no dia combinado, o povo aglomerou-se na praça grande, e veio o dito herege na má companhia de outros hereges, e trouxe a mula que estava atormentada pela fome, e junto dela um alimento apetitoso para comer.
E Santo António celebrou missa em capela que havia no lugar, e ao fim, à vista do povo, trouxe o Santíssimo Corpo de Jesus Cristo. E, mandando a todos que se calassem, disse à mula:
Ó animal, em virtude e em nome do teu criador, que eu, embora indigno, tenho aqui presente em minhas mãos, ordeno e mando que venhas já se demora até Ele humildemente e Lhe prestes reverência, para que desse modo veja a maldade dos hereges que toda a criatura é sujeita ao Criador, a quem a dignidade do sacerdote trata cada dia nos altares.
E, entretanto, o herege punha de comer à mula esfomeada. Oh! Maravilha de contar! O animal, apesar de tão atormentado pela fome, quando ouviu as palavras de Santo Antônio, logo parou de comer e abaixou a cabeça, e caiu de joelhos diante do sacramento. Pelo que muito se alegraram os fiéis católicos, e merecidamente saíram confundidos os hereges. E aquele dito herege logo ali se fez fiel, conforme havia prometido, e obedeceu aos mandamentos da Igreja.
São Francisco prega aos peixes
O famoso livro I Fioretti de São Francisco, no capítulo 40,[4] narra que: “Estando certa vez Santo Antônio em Rimini, onde havia uma grande multidão de hereges, querendo reconduzi-los à luz da verdadeira fé e ao caminho da verdade, pregou-lhes por muitos dias e disputou sobre a fé de Cristo e sobre a Santa Escritura. Mas como eles, não só não se converteram com suas santas palavras, e até como endurecidos e obstinados, não quiseram ouvi-lo, Santo Antônio, um dia, por divina inspiração foi para a beira de um rio ao lado do mar. Estando assim na margem entre o rio e o mar, começou a dizer, como numa pregação, da parte de Deus para os peixes: ‘Ouvi a palavra de Deus, vós, peixes do mar e do rio, pois os infiéis hereges não querem ouvir’. Quando ele falou assim, subitamente veio à margem uma multidão tão grande de peixes, grandes, pequenos e médios, que nunca se viram tantos nem naquele mar nem naquele rio. E todos mantinham a cabeça fora da água, e todos estavam atentos para o rosto de Santo Antônio, todos na maior paz, mansidão e ordem, pois, na frente e perto da margem estavam os peixinhos menores, e depois deles estavam os peixes médios, depois, atrás, onde a água era mais funda, estavam os peixes maiores. Estando, portanto, colocados os peixes nessa ordem e disposição, Santo Antônio começou a pregar solenemente e disse assim:
Meus irmãos peixes, vós tendes muito que agradecer ao vosso Criador, de acordo com a vossa possibilidade, porque vos deu um elemento tão nobre para vossa habitação, de modo que, como vos agrada, tendes águas doces e salgadas, e vos deu muitos refúgios para escapardes das tempestades. Deu-vos ainda um elemento claro e transparente e comida para vós poderdes viver. Deus nosso criador, cortês e benigno, quando vos criou, deu a ordem de crescer e de vos multiplicardes, e vos deu sua bênção. Pois quando houve o dilúvio geral e todos os outros animais morreram, Deus preservou só a vós sem dano. E ainda vos deu as barbatanas para irdes aonde quiserdes. A vós foi concedido, por ordem divina, guardar o profeta Jonas e no terceiro dia jogá-lo na terra, são e salvo. Vós oferecestes o dinheiro do censo para nosso Senhor Jesus Cristo, que ele, como pobre, não podia pagar. Vós fostes comida do eterno rei Jesus Cristo antes e depois da ressurreição, por um singular mistério. Por todas essas coisas tendes muito o dever de louvar e bendizer Deus, que vos deu tais e tantos benefícios, mais do que às outras criaturas.
Diante destas e outras palavras e ensinamentos de Santo Antônio, os peixes começaram a abrir a boca e inclinaram as cabeças. Com esses e outros sinais de reverência, como lhes era possível, louvaram a Deus. Então Santo Antônio, vendo tanta reverência dos peixes diante de Deus criador, alegrando-se em espírito, disse em voz alta: ‘Bendito seja Deus eterno, pois os peixes da água honram-no como não o fazem os homens hereges, e ouvem melhor a sua palavra os animais irracionais que os homens infiéis’. E quanto mais Santo Antônio pregava, mais crescia a multidão dos peixes, e nenhum saía do lugar que tinha tomado.
Diante desse milagre, começou a acorrer o povo da cidade, e vieram até os sobreditos hereges que, vendo o milagre tão maravilhoso e manifesto, compungidos no coração, lançavam-se todos aos pés de Santo Antônio para ouvir a sua pregação. Então Santo Antônio começou a pregar sobre a fé católica, e pregou tão nobremente, que converteu todos aqueles hereges, e eles voltaram à verdadeira fé de Cristo. E todos os fiéis ficaram confortados e fortificados na fé, com enorme alegria. E, feito isso, Santo Antônio despediu os peixes com a bênção de Deus, e todos foram embora com maravilhosos atos de alegria, e, de maneira semelhante, também o povo. Depois, Santo Antônio esteve em Rimini por muitos dias, pregando e fazendo muito fruto espiritual de almas. Para louvor de Jesus Cristo e do pobrezinho Francisco. Amém.”
O pão de Santo Antônio
O pão distribuído aos pobres. Tradição iniciada pelos frades a partir de dois milagres atribuídos a Santo Antônio. O primeiro foi o de uma mãe que promete, após seu filho ser salvo de um afogamento por milagre de Santo Antônio, que daria a quantidade de farinha para fazer pão para os pobres conforme o peso do seu filho. O segundo milagre foi o de uma comerciante que rezou e pediu a Santo Antônio que consertasse a fechadura enguiçada da porta de seu negócio. Ela prometeu dar trigo aos frades para fazer pão para os pobres.
Santo Antônio casamenteiro
Casamento de moças que não conseguiam encontrar marido. Santo Antônio dava dinheiro para a moças pobres ter um dote e poder arrumar casamento. Uma pobre mãe, rezando a Santo Antônio em favor de sua filha, de modo que ele pudesse arrumar um casamento, caso contrário teria que se tornar prostituta. Quando rezava, um bilhete de Santo Antônio caiu da imagem, dizendo que a moça devia ir a um comerciante x e receber dele, em moedas, o valor do peso do bilhete. O tal bilhete pesou 400 escudos. Ela arrumou casamento e daí nasceu a tradição de invocar a Santo Antônio para arrumar casamento.
Santo Antônio morreu no 13 de junho de 1231, em Arcella, perto de Pádua, com a idade de 36 anos. Ele foi canonizado santo, menos de um ano depois de sua morte, pelo Papa Gregório IX.
[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de doze livros e coautor de quinze. Canal no Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ Última publicação: Os murais do Santuário Santo Antônio, de Divinópolis (MG), no simbolismo do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus: interpretação bíblica, teológica, catequética e franciscana das pinturas de Frei Humberto Randang. Belo Horizonte: Provincia Santa Cruz, 2024.
[2] Disponivel em: https://arteref.com/educacao/por-que-os-bebes-nas-pinturas-medievais-parecem-homens-velhos-e-feios/ Acesso em 10 mai 2024.
[3] FARIA, Jacir de Freitas, Os murais do Santuário Santo Antônio, de Divinópolis (MG), no simbolismo do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus: interpretação bíblica, teológica, catequética e franciscana das pinturas de Frei Humberto Randang. Belo Horizonte: Provincia Santa Cruz, 2024, p. 145-148.
[4] Citado por FARIA, Jacir de Freitas, Os murais do Santuário Santo Antônio, de Divinópolis (MG), no simbolismo do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus: interpretação bíblica, teológica, catequética e franciscana das pinturas de Frei Humberto Randang. Belo Horizonte: Provincia Santa Cruz, 2024, p. 140-143.