Esta proposta legislativa revela-se profundamente incompatível com a Doutrina da Fé cristã, que nos ensina que a criação é dom de Deus, confiada à nossa responsabilidade.
A Província Franciscana da Santa Cruz, em sintonia com a Doutrina Social da Igreja, com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com tantas comunidades que se erguem em defesa da Casa Comum, manifesta seu veemente repúdio à aprovação do Projeto de Lei nº 2159/2021 pelo Senado Federal, que promove uma flexibilização alarmante do licenciamento ambiental no Brasil.
Esta proposta legislativa revela-se profundamente incompatível com a Doutrina da Fé cristã, que nos ensina que a criação é dom de Deus, confiada à nossa responsabilidade. Como afirma o Papa Francisco, “não somos donos do planeta, mas seus cuidadores” (Laudato Si’, n. 116). E, já no século XIX, o Papa Leão XIII advertia sobre o risco de que, em nome de interesses econômicos, se comprometesse a integridade dos recursos naturais: “É contra a justiça exaurir a terra apenas para aumentar a riqueza de poucos” (Rerum Novarum, n. 31). Assim, nossa posição nasce de uma fidelidade evangélica e de um compromisso com a Justiça e a Paz.
Sabemos bem, em nosso chão mineiro, os custos humanos e ambientais do descaso e da ganância. As tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) permanecem como chagas abertas na memória de nosso povo. Mais de 270 vidas foram ceifadas em Brumadinho; comunidades foram devastadas; rios contaminados; modos de vida tradicionalmente sustentáveis foram abruptamente interrompidos. O custo da reparação desses crimes ultrapassa os R$ 130 bilhões, e mesmo assim os danos são, em muitos casos, irreparáveis.
É nesse contexto que nos causa ainda maior preocupação o dispositivo da presunção de boa-fé do empreendedor introduzido pela PL 2159/2021. Acreditar que, sem a mediação efetiva e rigorosa do Estado, empreendimentos potencialmente devastadores não trarão prejuízos é ignorar a experiência concreta do nosso povo. A história de Minas Gerais demonstra que o lucro muitas vezes fala mais alto do que a responsabilidade socioambiental.
Além disso, essa legislação fragiliza o direito constitucional de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225 da Constituição Federal). O licenciamento ambiental, longe de ser um entrave, é um instrumento de proteção da vida e de garantia de justiça para as populações mais vulneráveis.
A flexibilização proposta coloca ainda mais em risco os povos indígenas, como os Xakriabá, Pataxó e Maxakali, bem como as comunidades quilombolas e os povos tradicionais que preservam, há gerações, os ecossistemas do cerrado, da mata atlântica e das serras de Minas. Sem a devida consulta livre, prévia e informada — como assegura a Convenção 169 da OIT — esses povos veem-se mais uma vez ameaçados pela lógica extrativista que desconsidera seus direitos fundamentais.
Sabemos que a recuperação dos ambientes degradados é custosa e, muitas vezes, ineficaz. Estima-se que o custo médio para restaurar áreas impactadas pela mineração varie entre R$ 15 mil e R$ 25 mil por hectare, sem contar os custos sociais, culturais e emocionais, que não podem ser quantificados em cifras. No caso de Mariana, a recuperação do Rio Doce, vital para milhões de brasileiros, segue sendo um desafio com efeitos ambientais e sociais ainda incalculáveis.
Esta legislação, ao privilegiar interesses econômicos imediatos, compromete também o futuro do Brasil no cenário internacional, fragilizando os compromissos assumidos nos acordos climáticos e ambientais, como o Acordo de Paris e as metas da Agenda 2030 da ONU.
Enquanto irmãos menores no seguimento de São Francisco de Assis, que chamou todas as criaturas de “irmãs” e “irmãos”, não podemos nos calar. Nosso carisma franciscano nos impele a sermos defensores da vida em todas as suas formas, especialmente daquelas mais ameaçadas pelo modelo de desenvolvimento que sacrifica a criação e os pobres no altar do lucro.
Por isso, conclamamos todas as fraternidades, comunidades e pessoas de boa vontade a se unirem na resistência a esta legislação injusta e predadora. Confiamos na força da oração, na mobilização das consciências e na ação coletiva para a construção de um mundo mais justo, sustentável e fraterno.
Que São Francisco de Assis, patrono da ecologia, e Nossa Senhora da Piedade, Padroeira de Minas Gerais, intercedam por nós e fortaleçam nosso compromisso com a defesa da Casa Comum e da dignidade humana.
Belo Horizonte, 29 de maio de 2025 Província Franciscana da Santa Cruz