A Folia de Reis no olhar de Frei Chico van der Poel

A Folia de Reis no olhar de Frei Chico van der Poel

A festa dos Santos Reis é uma das manifestações mais típicas da religiosidade popular.

Frei Oton Júnior, ofm

No dia 6 de janeiro celebra-se a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus, que, na liturgia, recebe o nome de Epifania (manifestação) do Senhor. Em 2024, logo no dia seguinte, será celebrado o Batismo do Senhor, finalizando as festividades do Tempo do Natal.

Na cultura popular brasileira, a visita dos Magos é celebrada durante o período do Natal pela tradicional Folia de Reis, com cantos, vestimentas e tradições que remontam o cenário de Belém, com cantadores passando de casa em casa. Um dos grandes admiradores e incentivadores de tradições como esta foi o Frade holandês, Frei Francisco van der Poel, falecido no dia 14 de janeiro de 2023.

Como homenagem a este nosso irmão e para reverenciar a cultura popular, refazemos algumas passagens do “Dicionário da religiosidade popular, cultura e religião no Brasil” (Nossa Cultura, 2013), organizado por Frei Chico.

No verbete “Folia”, o dicionário relembra a origem francesa do nome (também no italiano) em que a palavra significa ‘loucura’. Antigamente formavam-se folias nas ocasiões de alegria pública, que podia incluir a irreverência diante das autoridades.

A folia popular permanece entre nós no carnaval com seus reis, rainhas, mestres-salas e porta-estandartes. Permanece também nas festas de santos reis, do Divino e em outras ocasiões. O grupo dos foliões anuncia com alegria e, junto com os irmãos de fé, celebra com devoção os mistérios e a memória da salvação.

O clima é de festa e falam da bênção de Deus, seja na folia dos santos reis, na folia de São Sebastião, na folia do Divino ou em outras folias como a de São João.

A folia, de origem rural, adapta-se quando visita as casas na periferia da cidade grande: algumas vezes, é gente que só deseja que a folia cante um pouco; outras vezes, quer a cantoria, mas não deixa a folia entrar na casa; há os que são crentes e não querem saber de folia; por fim, há os que simplesmente zombam. Assim, a folia vai mudando seus costumes e adaptando seus versos.

No verbete “Terno de Reis”, Frei Chico esclarece que é um sinônimo de “folia de reis”. São grupos musicais, de 24 de dezembro até o dia dos santos reis, vão de rancho em rancho e de casa em casa, anunciando o nascimento do Salvador e fazendo orações diante do presépio. Depois da saudação aos donos da casa, pedem licença para cantar e justificam a chegada. Dentro da casa, cantam a louvação diante do Menino Jesus lembrando a anunciação, o nascimento, a estrela guia, os reis magos, a adoração e as oferendas. Seguem o agradecimento e a despedida. Tudo isso baseado nos acontecimentos referidos pela Sagrada Escritura e pela herança que nos legaram os portugueses colonizadores.

Há ainda o verbete “Santos Reis”, no qual, relembram-se o nome dos três reis magos, Gaspar, Baltazar e Melquior. A festa dos santos reis é mais antiga que o natal. Celebrada no décimo terceiro dia depois do solstício, coincidia com a festa do encerramento de 12 noites sagradas em honra do renascimento do sol entre os celtas, na Europa.

 Como representantes da astrologia oriental, os magos seguiram uma estrela (Mt 2,1-12). Foliões do Brasil inteiro cantam: Vão saindo os três reis magos/ da parte do Oriente/ aguiados pela estrela/ de um Deus onipotente.

Não consta nos evangelhos que os magos eram três, mas, por causa dos três presentes (Mt 2,11), desde a antiguidade (nas catacumbas de Priscila e Calixto) são representados como três reis. Tertuliano (160-225) e Orígenes (186-254) falam em três reis magos do Oriente. No séc. III, esses magos começaram a ser identificados com os reis do Oriente Médio prometidos no salmo 71,10.

O bispo gaulês Cesário de Arles (470-542) também disse que eram três reis. No tempo dos merovíngios (séc. VI), um monge usou os nomes “Gaspar”, “Baltazar” e “Melquior”.

Bem mais tarde, estes reis passaram a ser vistos como representantes dos três continentes conhecidos naquele tempo: Ásia, África e Europa; ver Quatro continentes.

O título “santos reis” popularizou-se no tempo das cruzadas, quando as relíquias (três cabeças) dos reis magos vieram de Constantinopla para Milão e, dois anos mais tarde, foram doadas por Frederico Barbarossa a Reinaldo van Dassel, que as depositou num precioso relicário na catedral de Colônia (Alemanha), no dia 23 de julho de 1164. Contribuiu para o surgimento da lenda a obra “Historia Trium Regum” (História dos três reis), escrita pelo carmelita João de Hildesheim (1310-1375) e logo traduzida nas principais línguas europeias.

A adoração de Jesus pelos santos reis faz parte da Biblia Pauperum. Na Legenda Áurea (séc. XIII), lemos: “Quando do nascimento do Senhor, foram a Jerusalém três magos, chamados em hebraico Apélio, Amério, Damasco; em grego Galgalat, Malgalat, Sarathin; em latim Gaspar, Baltazar, Melquior.” Inicialmente, eram três brancos, mas desde o séc. XV o rei Gaspar é preto.

Segundo a hagiografia tradicional, o velho Belchior – barba comprida e 60 anos – oferece ouro, símbolo da realeza; o jovem Gaspar – mouro de pele escura e 20 anos – oferece incenso em honra da divindade; Baltazar – pele morena e 40 anos – oferece mirra simbolizando a morte do Filho de Deus. Em gravura antiga (sem data ou autor) lemos: Baltazar, “rei de Sabá”; Melchior, rei dos árabes; Gaspar, rei de Társis; neste caso, o mouro é Melchior! De Guimarães (Portugal) vem a quadrinha: “Santos reis, santos c’roados/ vinde ver quem vos croou/ Foi o Padre Eterno/ que Deus ao mundo botou.//”  Nos presépios populares, o rei preto costuma ser chamado de Melchior.

Muitos caipiras dizem que os reis magos são: rei branco, caboclo e congo. Outros há, que nos contam seus nomes e os descrevem para reconhecê-los: Melchior ou Melquior é o rei branco. É ancião, usa barbas brancas e longas. A sua oferta foi ouro que simboliza que Jesus é rei. Gaspar é o rei caboclo, jovem, imberbe e coroado. Sua oferta foi mirra, que significa Jesus é homem. Baltazar é o rei congo, negro, barba espessa. Sua oferta foi incenso, que significa Jesus é Deus”.

A festa dos Santos Reis é uma das manifestações mais típicas da religiosidade popular. Frei Chico van der Poel entendeu bem isso e, em suas pesquisas, fez questão de destacar o legado bíblico e histórico dessa manifestação.

Viva o Menino de Belém, viva a Folia de Reis, viva o Frei Chico!!

Leia outras notícias